Na década de 80, quando cheguei pela primeira vez a Luanda, e mesmo na década que se lhe seguiu, éramos pobres. Havia pobreza em todo o musseque. Contavam-se os que tinham carros pessoais ou motorizadas. Conhecíamos o roncar de cada motor. Eram raros os que podiam levar para casa uma caixa diferenciada de cabaz, distinta das compritas que todos os trabalhadores (operários, camponeses ou intelectuais) podiam fazer nas "lojas do povo". As excepções eram mesmo excepções. Uns porque tinham patrões cooperantes e outros porque eram kambalaxeiros ...
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terça-feira, dezembro 31, 2024
O NATAL HODIERNO E O DA MINHA MENINICE
sábado, dezembro 28, 2024
PARTIU O "TONY D'AQUI"
[Com funeral em Portugal, ainda sem data, o corpo deve partir de Luanda na próxima semana e ser cremado à chegada]
Perdi, a 27.12.24, o meu amigo-como-irmão e produtor do meu livro "Kitotas: recuos e avanços". O Antonio Rosario Pinto produziu ainda "O relógio do Velho Trinta", "Canções ao Vento" e "Amor sem pudor". Tínhamos outros projectos literários em carteira e ele não era de negar os meus desafios aos quais se entregava de forma altruistica.
_ Muitos dos que me chamam de kota 'portuga' eram pirralhos ou não existiam quando cheguei pela primeira vez a Luanda, no início da década de 80". _ Costumava dizer, o produtor e prestador de serviços de comunicação institucional e imagem organizacional.
Profissionalmente, há muito vimos realizando procedimentos concursais para a contratação de serviços e produtos de comunicação institucional. Foi nessas circunstâncias que nos conhecemos. Chamei-o para a Lunda Sul, para apresentar e explicar a sua proposta. Deste encontro nasceu uma amizade irmanada que se estendeu aos meus liderados (na Lunda Sul e em Luanda) e às nossas famílias.
Fruto de suas idas a Saurimo e da sua mundividência, o António Pinto passou, como eu, a amar a cultura cokwe. Fez palestras para os meus estudantes na Universidade Lueji A'nkonde e para os constituintes do Núcleo de Leitura e Literatura da Lunda Sul (LevArte Lunda Sul). Visitou a "Oficina de Jornalismo" que realizámos a convite da Diocese de Saurimo que começava a dar preparação básica aos seus "futuros" profissionais da Rádio Diocesana.
Nisso de ligação com a Lunda, em particular, o António foi mais longe. Fez várias tatuagens com dizeres e imagens daquela língua e cultura, que me comunicava e pedia para confirmar a tradução, antes da aplicação. Uma vez, no Luari, fomos comer "mulambandjangu com xima". O António pediu água e a garçonete trouxe-lhe uma bacia para lavar as mãos. Entendemos o sinal como um convite para que apreciássemos aquele manjar com as mãos. O António, não se fazendo rogado, foi o primeiro a atacar com as mãos. Era tão angolano que metia inveja a muitos angolanos sem angolanidade. E o espanto foi total.
_ Um branco a comer com as mãos não se vê todos os meses!" _ Comentava-se, procurando saber de onde ele era. Realmente, não era de se ver todos os meses. Era raro e só aplicável ao nível de pessoas descomplexadas como ele.
Em Luanda, estava eu a ministrar aulas de Rádio em uma IES (instituição de ensino superior). Quando ele se apercebeu logo solicitou vozes que podiam estrear na publicidade e fazer outros trabalhos de comunicação. Indiquei a Ana, uma jovem que tinha muito talento, e que me disse ter sido bem acolhida e treinada. É hoje voz incontornável em uma rádio da capital angolana.
Este ano, estivemos no seu último aniversário (62°). Já padecia, mas sempre esboçando alegria e vontade de viver. Tinha acabado de sair do hospital, por isso, questionei-o por "que nos convidara se ele não parecia estar bem"?
_ O nosso repasto já estava marcado e pago. Não podíamos cancelá-lo. _ Disse-me, seguido de um abraço.
Mesmo sem o vigor de sempre, quis estar com os seus amigos angolanos que muito prezava. Dividiu-se entre os seus convidados angolanos e portugueses com quem procurou conversar e entreter. Fálamos sobre o sabor da vida, da amizade, de negócios e sobre o futuro. Esse que não sabemos!
Quando procurou por uma segunda opinião médica, empenhamo-nos em indicar-lhe uma clínica e uma casa em Windhoek, aonde fora buscar saúde. Regressou dias antes do Natal. Trocámos mensagens há 4 dias (23.12). Não falámos sobre saúde. Evitei. Pretendia levar-lhe mensagems positivas, todavia, li nas palavras que me escreveu que não estava bem, mas tinha o desejo de viver.
"Nossas mulheres e filhos precisam muito de nós e temos de viver, nem que seja por eles", costumávamos dizer/escrever.
Perdi o amigo que me levou a conhecer Alenquer e outras façanhas da vida. Não o acomlanhei no tour a Maputo. Devo-lhe. Tínhamos combinado ir a Moçamedes, passando pela Lucira. Também não cumpri porque a estrada prometida ficou por ser concluída.
O António era um cidadão do mundo, opened mind, sonhador, ecológico e que não dava espaço a conflitos, quaisquer que fossem.
_ A vida terrena é demasiadamente curta para ser desperdiçada com baboseiras. _ Dizia.
Quando a Isabel Ferreira publicou o seu livro "Fernando Daqui", passei a chamar o António Pinto por "Tony D'aqui", uma homenagem "in vita" a um cidadão português que escolheu Angola como sua casa e os angolanos de todas as raças, credos e culturas, como seus irmãos. Ele aceitou o cognome.
Manuela Ramos Pinto (esposa), André e Catarina (filhos), estou convosco nesse momento triste. O António é daqui, de Angola, e não sairá nunca dos nossos corações!
Até já ARP!
quarta-feira, dezembro 25, 2024
UMA EXPERIÊNCIA QUE SUPEROU DIPLOMAS
domingo, dezembro 22, 2024
IRLANDA E LEONILDE VOLTAM AO AL NUR
Para a segunda visita, as primas benfeitoras, Irlanda Salongue Canhanga e Leo Lusitano Paulo, chegaram ao internato de rapazes "Al Nur" às 11horas, deste sábado, 21.12.24, para comemorar o Natal com os cerca de 60 rapazes, levando consigo almoço, lanche e mantimentos diversos.
Porém, depois do almoço que lhes foi oferecido e servido pelas beneficentes, os meninos e os seus tutores muçulmanos abandonaram os visitantes, recolhendo-se para fazer o Asr, a oração da tarde.
Os "maometanos" oram cinco vezes ao dia, nomeadamente, ao amanhecer (Fajr), ao meio-dia (Dhuhr), à tarde (Asr), ao pôr do sol (Maghrib) e à noite (Isha).
Segundo os frequentadores desta religião monoteísta "cada uma dessas orações tem uma importância espiritual significativa e serve como um momento de conexão com Alah" e são feitas voltadas para Meca e incluem recitações do Alcorão.
Os muçulmanos que consideram "Jesus um profeta, mas não filho de Alah", não assinalam o Natal (data festiva dos cristãos), sendo o Ramadão a sua principal festa religiosa.
Em 2025, o Ramadão está previsto para começar ao entardecer de 28 de Fevereiro e terminar ao entardecer de 30 de Março.
Papá Ibrahim é o responsável do Lar Al Nur, em Viana, Rua da Sanzala, tutelado por uma organização pro-islamista.
"Quem não agradece o pouco, não o faz em presença de muito", disse Ibrahim, o tutor dos meninos.
Se o trabalho altruísta e beneficente são de extrema valia, olho para a islamização silenciosa e galopante com alguma preocupação, pois um dia "poderemos acordar com o Islão" como religião predominante em Angola, tendo de arcar com todas as suas "(des)graças". No meu Lubolu dizia-se "quem avisa amigo é!"
quinta-feira, dezembro 19, 2024
NEM TUDO ANDA PERDIDO
Cheguei a ele por via de um incidente de trânsito que um buraco "mortífero" e crescente me provocou (19.12.24) na via que liga a Estrada para o Kalumbu e o Zango V. Saindo da centralidade, quase a chegar à via Zango-Kalumbo, próximo do troço em que se juntam os dois sentidos (descendente e ascendente), há um buraco crescente, estreito, profundo (motivado pela chuva e descaso de quem devia cuidar dele) e com uns dois metros de cumprimento. A iluminação pública que enchia de gaudio os ocupantes das casas da Centralidade do Zango V e os moradores próximos deixou de existir. Ou fundiram as lâmpadas e não aparece ninguém para as repor ou, pior do que isso, ter-se-ão roubado os cabos que alimentam as luminárias. Só pode ser!
Tendo passado inadvertidamente pelo buraco, estoiraram, de uma só vez, dois pneumáticos da minha viatura, criando-me um grande embaraço, das 19 às 23h00. Tão logo o Odiano se apercebeu da ocorrência e da desgraça a que eu estava votado, encostou-se a mim, dando-me apoio e conforto. Aconteceu perto de sua casa e ele dirigia-se à busca da sua esposa que trabalha em uma pequena superfície próxima.
_ Kota, não te vou deixar aqui sozinho. A zona é escura e podem aparecer "garlas". _ Disse ele em forma introdutória, perante a minha incredulidade e desconfiança que foi dissipada pelo correr dos minutos, criando em mim confiança e segurança.
Contou um pouco se sua vida, suas lutas e pequenas conquistas. Limpou-me as lágrimas que me inundaram o coração e respondeu-me aos vários porquês que não exteriorizei.
_ Kota, uma vez, eu e o meu irmão saíamos da ilha e tivemos uma avaria. Era noite e não tínhamos meios para reparar a viatura. Recebemos apoio de pessoas que não conhecíamos. Eu penso que ajudar quem precisa é importante e pode criar fortes amizades. _ Explicou.
A chuva é "obra da natureza". A correcção dos estragos provocados pela acção da chuva sobre a obra humana e facilitadora da vida é tarefa de reservada a alguns.
_ Infelizmente, kota, aqui, esse não é primeiro carro que estoira pneus. São muitos e quase todos os dias. Sorte é que ainda ninguém despistou ou morreu. _ Disse Odiano, na tua jornada de consolo, terminada com um desafio:
_ O kota tem cara de possuir muitos conhecidos lá em cima. Pode só lhes mandar uma reclamação para ver se vêm tapar esses buracos da via da Centralidade? Assim se morrer pessoa vão vir lamentar?!
Mais não lhe disse. Ele falara por mim. Ajudei-o a lavar as mãos e a garganta que já ia ressequida de tanta fala e esforço em desmontar e montar 4 pneus, depois de aparecer o socorrista saído de Cacuaco com mais um pneumático suplente. Tivemos de combinar, dois a dois os pneus de uso permanente e os suplentes, o que nos levou igualmente a desmontar os dois sobrevivos.
Por tudo quanto disse e mostrou o Odiano, coadjuvado pelo esforçado e diligente Cardoso António, meu colaborador na Kam&mesa, tenho cada vez mais convicção de que as excepções existem e nem tudo (ainda) anda perdido!
domingo, dezembro 15, 2024
APROVEITANDO A CHUVA, PLANTANDO BATATA
As notícias desta semana, apontam algumas mortes feridos e desalojados como consequência da chuva em algumas cidades de Angola, sendo Luanda, Bengo e Benguela algumas reportadas pelos media. Pois é, enquanto a chuva é “amaldiçoada” por alguns citadinos, sobretudo em áreas com drenagem deficiente, ela é aplaudida pelos camponeses e agricultores que dela dependem para fazer os campos florescerem. Hoje, trago como anotações o plantio de batateira. A batateira quer produz batata-doce. Para início de conversa, importa anotar que há diferentes tipos de batata-doce, diferindo pela coloração, sabor, etc.
Em Angola, as regiões que mais produzem batata-doce incluem as províncias de Benguela, Uíge, Malanje, Cuanza-Sul, Moxico e Lunda Sul. Em Benguela, por exemplo, a produção de batata-doce tem aumentado significativamente nos últimos anos, especialmente na área de Dombe Grande. Todavia, é possível ter batata-doce em quase todo o país, incluindo Luanda, tendo em conta a fácil adaptabilidade da herbácea.
As espécies de batata-doce mais produzidas no nosso país são a Ipomoea batatas (batata-doce comum) e a Ipomoea batatas var. purpurea (batata-doce violeta), existindo outras.
A espécie Ipomoea batatas tem tubérculos de cor amarela ou laranja e é a mais comum. É conhecida por seu sabor doce e textura cremosa. A Ipomoea batatas var. Purpurea tem tubérculos de cor violeta ou roxa e é menos comum. É conhecida por seu sabor mais intenso e alto teor de antocianina, um antioxidante.
A batata-doce é uma importante fonte de nutrientes e possui várias utilidades para o homem e animais domésticos:
Ela é rica em carboidratos, vitaminas (especialmente vitamina A e C) e minerais (como potássio e magnésio), sendo utilizada em uma variedade de pratos, desde sopas e saladas, purês, bolos, pães e sobremesas e ainda em panificação e confeitaria, especialmente em dietas sem glúten. Pode ser fermentada para produzir etanol, utilizado como biocombustível. Possui propriedades medicinais, como a redução da pressão arterial e a melhoria da digestão e contribui significativamente para a economia agrícola.
As folhas são comestíveis e podem ser cozidas como espinafre. São ricas em vitaminas A, C e K, além de minerais como ferro e cálcio. Servem ainda para forragem para Animais, sendo utilizadas como alimento nutritivo para gado bovino, cabras, porcos e outros animais. Possuem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, ajudando na saúde em geral, podendo ainda ser usadas como cobertura vegetal para melhorar a qualidade do solo, aumentando a matéria orgânica e a retenção de humidade.
A batata-doce é também usada na indústria alimentícia como espessante e em outros produtos como adesivos e cosméticos.
Quanto ao melhor método de plantar batateira, aqui estão algumas dicas essenciais:
A batata-doce prefere solos arenosos e bem drenados. Evite solos pesados e argilosos; Antes de plantar, prepare o solo arando e remova as ervas daninhas. Adicione matéria orgânica para melhorar a fertilidade; plante as mudas de batata-doce em sulcos ou montes, com espaçamento de cerca de 30 cm entre plantas e 1 metro entre linhas; mantenha o solo húmido, especialmente durante o período de crescimento inicial. Todavia, evite o encharcamento.
Controlar as pragas e doenças é crucial. Geralmente, a batata-doce geralmente está pronta para a colheita entre 4 a 6 meses após o plantio, dependendo da variedade.
Em terrenos declivados, que deixam escorrer a água da chuva, esse é bom período para o plantio. Em terrenos alagados ou baixos, o melhor é esperar que a chuva diminua ou cesse.
domingo, dezembro 08, 2024
LAMENTOS TRAZIDOS PELA CHUVA
"Chover é obra da natureza" e chove em todo o lado. Em outras paragens, a administração, através de trabalhos de engenharia hídrica, cuida de encaminhar as águas pluviais a córregos naturais e valas artificiais que as conduzem ao mar ou outros canais de recepção. Não acontecia no Rangel.
Em vez de se atacar o culpado pela situação de intransitabilidade nas ruas do Rangel e em outros bairros de então, atacou-se a vítima. E parece que procissão continua.
O jovem estigmatizado é hoje o Soberano Kanyanga
domingo, dezembro 01, 2024
HOJE VAI A ENTERRAR UM GÉNIO
(Rangel em Luto)
Os génios são raros e aparecem na vida das pessoas e das sociedades de forma esparsa. Cada génio o é no seu mundo (que pode ser grande ou circunscrito). O inventor da lâmpada foi um génio. Mozart também foi (ninguém tocava como ele no seu tempo cronológico e histórico), assim como quem (nascido no meio da pobreza) retira a família da indigência, dá dignidade e, acima de tudo, um nome reconhecido e respeitado pela sociedade.
Ainda pequeno, no areal defronte ao antigo Supermercado Kiluanje (onde se acha hoje a Escola Ekwikwi II), Nelson destacou-se no trato com a bola, o que lhe fez ganhar a alcunha de Ndunguidi, por sinal, nome de um craque do futebol angolano de então e de todos os tempos.
Pandy Santana, contemporâneo de Nelson Cabanga, recua ao "Ano da Formação de Quadros", 1979, e decreve o amigo de infância com quem conviveu mais de 45 anos:
"Um amigo do futebol com bolas de meias e sacos, das brincadeiras nocturnas à luz da Lua no nosso musseque Rangel. Já adolescente, Nelson deixou Luanda rumo a Ngunza Kabolo, Sumbe, onde ingressou no Instituto de Petróleo, formou-se engenheiro e construiu uma carreira exemplar, sempre pautada pelo brio e pela dedicação.
Mais que um profissional de sucesso, Nelson era um visionário, um empreendedor. No bairro, onde guardamos com alguma vaidade as nossas memórias da infância, criou o Capirica, um espaço que se tornou um marco no Rangel, ponto de encontro de gerações, amigos e de outras pessoas de pontos próximos da banda. Com este projecto, ele uniu pessoas e fomentou a cultura, o desporto e algumas iniciativas de solidariedade, marcando positivamente a vida de muitos.
Homem de família, Nelson edificou não apenas um legado profissional, mas também uma bela família, que agora carregará a sua memória como inspiração".
Quanto a mim, o primo Nelson, ultimamente "kota Cabanga", era o primo inspirador. Conheci-o apenas em 1989. Eu saído de férias do Lubolu e ele do Sumbe onde estudava no INP.
Ele era amigo de seus amigos e eu construindo ainda os meus poucos (da minha faixa) em Luanda. Havia, contudo, algo comum que era/é a escola. Quando, em 1992, ele terminou o ensino médio e começou a trabalhar em uma petrolífera francesa, perguntei-lhe que curso tinha feito e, em 1993, escolhi igualmente o de Geologia e Minas, no mesmo instituto que, entretanto, não cheguei a fazer.
Lembro-me como hoje o dia em que fomos ao Kikolo (entre o Cemitério e a igreja católica) comprar os primeiros blocos com que construiu a casa para a família. Foi ele quem retirou os pais da casa de renda.
O tempo correu. Ele crescendo na indústria petrolífera e eu no jornalismo, fomos aprofundando a comunicação e os laços de parentesco. O nosso último plano era desenhar a árvore genealógica, aproveitando os poucos idosos que ainda nos restam. A empreitada fica pela metade. Algumas coisas estão anotadas e publicadas, mas falta o detalhe trazido por uma amena discussão. Quando me apresentou a Capirica, de novo o imitei e projectei a Kam&mesa.
_ Ó Nelson, tens de deixar que os parentes usem as instalações da Capirica sem pagar no mínimo metade dos custos. Tens salários e manutenção no fim de cada mês. _ Alertei ao me aperceber que cedera quartos para parentes que se deslocam ao Rangel.
_ Tens razão, primo, mas eles são nossos parentes e têm mais dificuldades do que nós. _ Respondeu-me. Corria o mês de Setembro e estávamos engajados em solucionar o funeral e pós-funeral de um nosso cunhado.
Chegou Outubro e a saúde do Nelson fraquejou.
_ Primo, estou avariado no cubico. A velha Maria está a cuidar de mim. _ Disse-me em mensagem no dia da independência.
_ O Nelson doente em casa e a tia Maria a cuidar dele só pode ser coisa leve. _ Pensei enganado.
Dias depois, mandou-me descrever fotos de nossos parentes já finados.
_ Primo reconheces?
_ Tio Ferreira (teu chará), tio Ernesto e avó Hebo. _ Anotei.
_ E o último? _ Indagou o Nelson Cabanga.
_ Este é o Moisés. Não precisei de descrever porque é de mais fresca memória. _ Expliquei, ao que ele concluiu:
_ Afinal és mesmo kota!
Conhecedor do seu mundo, vivendo e respirando o seu Rangel, Nelson foi autor de várias crónicas publicadas no seu mural de Facebook e algumas no Jornal Cultura, descrendo vivências no Rangel e Sumbe, sempre apimentadas com aspectos históricos e culturais.
Retomo o Pandy Santana para dizer que nenhum discurso nos ameniza a dor da perda do "kota Cabanga" que é grande. Todavia, "as suas conquistas e o seu exemplo permanecerão como testemunho de uma vida vivida com propósito e generosidade".
Os que ainda têm voz choram.
Os que têm lágrimas lacrimejam. Os que têm força procuram levar o Nelson à sua última morada.
O Nelson era um homem de paz e com um coração que bombeou o altruísmo até ao último toque. Que o seu exemplo nos inspire, alivie o fardo da pobreza intelectual e material e amenize os nossos egos!
Até já, kota Cabanga!
Soberano Kanyanga, 01.12.24.
sexta-feira, novembro 29, 2024
O ISLÃO E A "SORTE" DO NOSSO FUTURO
No sábado, 09.11.24, convivi com as crianças do Lar Al Nur que acolhe rapazes em Viana. Sita na rua que nos leva da Vila ao Bairro Sanzala.
sexta-feira, novembro 22, 2024
A CHUVA, A AGRICULTURA E O CONDUTO
sexta-feira, novembro 15, 2024
ESCAPARAM COMER KALULU DE GALINHA
Para o conhecimento comum, apodado de outras interpretações fenomenológicas e científicas, o tempo era de chuva e devia chover. Mas, mesmo vistas dos altos céus, as nuvens eram crianças esbranquiçadas a brincar no areal e que correm apressadas atrás da bola de trapos, sem nunca definir previamente o destino. Fazia, por isso, sol de assar castanhas e saudades de chuva e temperos que apenas traziam, na imaginação, o cheiro às narinas.
sexta-feira, novembro 08, 2024
BEM-VINDO, CAMARADA WELLCOME!
As lojas eram do povo. Os governantes também. Até os malucos tinham donos, os seus parentes que deles cuidavam e com eles se preocupavam. Havia malucos, mas não os víamos desnudados e famintos como agora. Para o acesso ao pão, faziam-se filas nos depósitos, mas os malucos também comiam.
sexta-feira, novembro 01, 2024
A CONVERSA QUE NÃO TIVEMOS E O ÚLTIMO PEDIDO
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terça-feira, outubro 29, 2024
O HOMEM NAS VIDAS DE UMA MULHER
Domingo cinzento de um mês chuvoso. Tudo parecia andar preguiçoso: o cantar madrugador dos galos, o uivar matinal das lobas ciosas, o acordar das gentes cansadas da tonga semanal e o acumular das nuvens do céu ainda acinzentado, sem sol nem fundo azul. Apenas três vozes se ouviam na sanzala.
Registisso, Ignorisso e Esquecisso, contemporâneos desde a mukanda e feitos amigos para a vida, caminham em direcção à area em que fizeram lavras. É lá também onde se produz o Kanyome que afugenta o frio mais intenso de Cyapya Ndalu e transforma os homens reservados e silenciosos em falantes e filósofos momentâneos. Ignorisso é um deles. Sem esse aditivo, contam-se-lhe as palavras proferidas durante uma marcha conversante de hora e meia que abate seis quilómetros.
Naquele dia, a conversa era fiada. Registisso e Esquecisso, os que sempre tomavam a iniciativa, não teinham anunciado nada. Nadinha. Os primeiros duzentos metros, depois do ponto de encontro que foi a Escola do Povo, tinham sido de surdina colectiva. Apenas a respiração barulhenta de Ignorisso os fazia co mpanhia, até que, fazendo recurso à memória, Registisso abriu um dos capítulos de sua vida.
_ O meu pai morreu em 1982, aos 42 anos, de doença natural, cárdio-respiratória. É normal num contexto anormal em que vivíamos no início da década de 80. Talvez pela doença que o apoquentava, desde adolescente, não tinha uma estrutura corporal robusta e atraente. Viam-se-lhe os ossos e vezes há em que se lhe podiam contar as costelas desenhadas no corpo desnudado. Era, todavia, um homem dedicado e esforçado como bom trabalhador agrícola, caçador e pescador nos rios da região em que habitou. Era engenhoso. Criou peixe em um rio que não os possuía. Hábil na caça com cães. O que dele melhor se falava era a sua habilidade em levar carne para casa. Evitava tomar makyakya e não fumava. Já a minha mãe era o inverso na sua mocidade. Fumava em cachimbo (era princesa e atrevida). Como a nossa casota era pequena (redundância propositada), os seus desentendimentos rápidos chegavam aos meus atentos ouvidos. "Feio, pobre, etc." Lembro-me de ouvir estas e outras expressões que ele geria com elegância e muito silêncio.
Os dois amigos ouviam sem interromper. Algo comovidos. Algo ansiosos em ouvir a próxima nota, até que Esquecisso interrompeu.
_ E nunca os viste a lutar? Teu pai tinha paciência. Eu quando o sangue me ferve não admito abusos...
_ A vias-de-factos, terão chegado apenas uma vez, mas longe de meus olhos. Cheguei a tal conclusão porque ambos estavam arranhados.
_ E que achavas do teu pai, em relação à tia que era mais dada a trafulha? _ Questionou Ignorisso.
_ Aos meus olhos, o meu pai valia pouco perante a minha mãe que se gabava de possuir poder: poderio político, por ser princesa, e poderio económico, por ter parentes em Luanda que sempre a podiam auxiliar financeiramente em caso de alguma necessidade mais premente. Ele, era uma espécie de "cão-de-merda que não tinha onde morrer". Mas, era um bom pai. Carregava-me ao ombro eu para a escola e ele para a tonga. Queria ter um filho professor" que, depois, ensinasse as outras crianças a sair da escuridão. Ele sabia assinar, lia e escrevia as cartas de outros parentes da aldeia. Em contrapartida, a minha mãe, sobretudo depois de viúva, esforçou-se em criar os filhos. Com e sem marido exerceu poder, mas nunca chegou a ser homem. A masculinidade é doação única e divina!
À medida que a prosa de Registisso ganhava profundidade, a cadência do passo aumentava e o destino se encostava mais aos olhos. Nisso de visitar o guarda-memórias, Esquecisso também visitou as suas e trouxe ao conhecimento dos companheiros uma situação ainda recente.
_ Olhem! Vocês sabem que no mês passado estive na capital onde fomos nos despedir do irmão da minha ndona. Nas poucas vezes em que conversei como amigo com o meu recém-finado cunhado pude saber do sofrimento por que todos passamos em vida. A desvalorização por parte de quem decidimos caminhar juntos, mesmo nos entregando às causas até ao último esforço. O quê que somos aos olhos delas?
_ Somos meros "cão-de-merda", recebidos com reclamações, resmungos e bafos, atirando-nos ao "rosto" os nossos insucessos, mesmo nunca deixando de tentar o melhor. _ Responderam Registisso e Ignorisso que, desta vez, interagia como nunca.
Empolgado, Esquecisso continuou com as indagações.
_ Para que valemos mesmo? Vocês sabem?
_ Pra nada! _ Respondeu Registisso, complementando o amigo.
_ O que eu assisto é que os filhos já existem e alguns são grandes. A sexualidade abranda. Algumas vezes (quase sempre), na hora do "vamos ver", o indivíduo é recebido com reclamações, quando não são ataques e ou dislates. Que fazer?
_ Nada! _ Respondeu desta vez Ignorisso.
_ Volto à estória sobre os meus pais. _ Atirou Registisso. A minha mãe foi viúva por três vezes. Um individuo que morreu sem deixar história, o meu pai que morreu aos quarenta e dois anos, deixando quatro filhos e o sucedâneo de quem a minha mãe teve um filho. Amo a minha mãe como ninguém. Todavia, me pergunto até hoje:
O que faz os homens morrerem antes das mulheres, vocês sabem? _ Atirou provocante, sem, no entanto, dar tempo a respostas.
_ Nos dias que correm, a minha mãe não pára de elogiar o bom homem que foi o meu pai. Já lá se foram 42 anos. É a imagem que lega aos netos e às minhas irmãs mais novas que tiveram menos convívio com o papá. Fez a sua parte. Engoliu os sapos e sorveu igualmente a água do charco. Morreu herói. Talvez, um dia, sejamos também lembrados assim, como herói que foi vilão! Se calhar, tal como o meu pai, o teu finado cunhado tenha já sido transformado em querido e saudoso herói e nós, quiçá, no post-morten, venhamos a sê-lo também. Que acham?
Ignorisso e Esquecisso que o ladeavam estenderam os braços e o envolveram num abraço. Estavam já prestes a chegar ao alambique do Ensinisso, irmão mais novo de Ignorisso que estava a destilar kanyome para o seu alambamento.
_ Olha, mano Registisso, quem deve ouvir novamente a nossa conversa é esse miúdo que quer ter mulher, apontou o irmão mais velho, antes mesmo do kwata-kwata.
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Publicado pelo Jornal de Angola de 27.10.24
quinta-feira, outubro 24, 2024
AS TCHETCHÉNIAS DE NOSSAS VIDAS
As notícias, más, que nos chegavam, via media, reportavam batalhas tão intensas, na capital tchetchéna, Grozni, entre os contendores.
Como os luandenses são bons imitadores e com elevadas doses de criatividade, os nossos "makongo" familiares também passaram a ser designados por Tchetchénia.
Igual ou pior que a guerra na Tchetchénia terá sido o conflito entre o Irão e Iraque, no início da década de 80 (1980_88) e que também ficou popularizado no nosso linguajar luandense de então.
_ Esse wi está à procura de Irão-Iraque e vai ter! _ Dizia-se em alusão a quem estivesse à "procura" de brogodjó.
Voltemos à Tchetchénia. Lembro-me de uma minha sobrinha, hoje bem formada e casada, que, por ter nascido no tempo da primeira guerra da Tchetchénia e por a relação entre os pais ter sido tensa, foi apelidada, pelos tios (todos nós adolescentes e jovens de primeira caminhada), de Tchetchénia. É o nome pelo qual ainda a tratamos carinhosamente.
Uns nem sabem que ela tem um nome bem-sonante ao que juntou o apelido do esposo.
Bem, a Tchetchénia surge aqui (nesse texto) para ilustrar que no lugar em que se acha o edifício (na foto) à esquerda existiu um inacabado que fora assaltado por oportunistas e ou homeless person. Um meu primo, já finado, tinha um quarto em um dos 14 andares do antigo prédio da Tchetchénia. Era assim designado por ser um "paraíso de confusão".
Os "tchetchenos" foram desalojados e realojados, tendo o edifício sido demolido. Deu lugar ao que se vê na foto (à esquerda).
terça-feira, outubro 15, 2024
VISITA GUIADA A MASSANGANO
Uma das razões dos fins-de-semana prolongados ou pontes, quando o dia de feriado calha quinta ou terça-feira é fomentar o turismo interno. Dezassete de Setembro, Dia do Herói Nacional, calhou numa terça-feira e, por isso, as famílias tiveram os dias de sábado, domingo, segunda e terça-feira para descansar e desfrutar.
_ As obras decorrem bem e já há cinco quartos prontos" de muitos outros por concluir. _ Explicou o investidor.
Uma vez confirmado o estatuto de município, Massangano (que, ao ganhar novo estatuto, devia ter o topónimo ajustado à sua etimologia e semântica) poderá ter uma câmara municipal e um edil, numa situação de termos autarquias.
Metros à frente, começa o conjunto de escombros que guardam a história de Massangano.
_ À direita, está o que foi tribunal e casa de reclusão. Se viras novamente à direita, encontras as ruínas do que foi a cadeia. Tinha celas subterrâneas. _ Desta vez o narrador é o administrador comunal adjunto de Massangano.
"Aqui eram avaliados e comercializados como objectos. Os aptos para qualquer transação eram, depois, baptizados na igreja onde recebiam um nome e embarcados, rio abaixo, até ao que é hoje o Museu da Escravatura, seguindo para as Américas e outros destinos". Mas, sobre Massangano não é tudo. O nosso cicerone conta que havia um forno e mostrou o caminho.
"Nele eram jogados os indivíduos sem valor comercial, doentes, inválidos, deficientes, etc. Estes eram jogados no forno como se de leitões se tratassem", conta Carlos Cacoba, possuído de comoção pelos infelizes.
As ruas de Massangano eram iluminadas a candeeiros. Os postes construídos emmpedra onde eram afixados os candeeiros a azeite torcida mantêm-se hirtos e gritam aos ventos e aos que passam a história sobre o seu desempenho e serventia.
Outros espaços que continham casas do tempo áureo da localidade estão em desaparição, podendo ser vistos poucos outros escombros e ou bases "escondidas" entre os casebres dos actuais moradores, feitos a base de pau-a-pique, barreadas e cobertas de chapas de zinco ou folhas de palmeiras. Outras casotas são de adobe (tijolo de terra bruta sem cozimento em forno). Há, porém, um detalhe: todas as casotas de Massangano têm energia eléctrica e podem ser vistos também alguns fontanários.
Tendo conhecimento de edifícios seculares reabilitados na Europa e notado o estado de depreciação avançada que apresentam os sobrados de Massangano e outras ruínas históricas espalhadas pelo país, uma pergunta me persegue: existirá alguma disposição legal que impeça a reconstrução de ruínas históricas como as de Massangano?
Ora, reza a história que Massangano foi, na verdade, a primeira Câmara Municipal, a primeira sede de governo portuga no território Ngola que evoluiu para Angola. Paulo Dias de Novais foi o primeiro governador português a chegar a Angola e tinha como principais acções explorar os recursos naturais e promover o tráfico negreiro (escravatura), formando um mercado exclusivo de escravos.
Novais obteve do rei D. Sebastião (1568-1578) uma Carta de Doação (1571), que lhe dava o título de "Governador e Capitão-Mor, conquistador e povoador do Reino de Sebaste na Conquista da Etiópia ou Guiné Inferior", nome pelo qual a região de Angola era então conhecida, ou simplesmente Capitão-Governador Donatário. Partiu de Lisboa em 23 de Outubro de 1574 e desembarcou na chamada Ilha das Cabras (actual Ilha de Luanda) a 11 de Fevereiro de 1575. Na ilha já existiam cerca de sete povoados e Novais encontrou sete embarcações fundeadas e cerca de quarenta portugueses estabelecidos, enriquecidos com o comércio negreiro, ali refugiados dos Jagas. Acredita-se que já estivessem ali estabelecidos há alguns anos, uma vez que na ilha também existia uma igreja e um padre.
Estabelecendo-se na Ilha das Cabras, Novais recebeu uma embaixada do rei Ngola Kilwanje Kya Samba (29 de Junho de 1576), recebendo a permissão deste para se mudar para terra firme, para o antigo morro de São Paulo, onde fundou a povoação de São Paulo de Loanda.
Pelos termos da Carta de Doação recebida, Novais deveria expandir o território para Norte até às margens do rio Dande (Bengo), para o Sul, e para o interior ao longo do curso do rio Kwanza. Tinha ainda a obrigação de construir uma igreja, fortalezas e de doar sesmarias, para assentamento dos colonos. Partiu em direção às terras do Ndongo, em busca das lendárias minas de prata de Kambambe, avançando pelo vale do Kwanza até à sua confluência com o rio Lukala, onde (perto dela num terreno alteado que permitia visualizar qualquer embarcação que circulasse nos dois sentidos do rio) fundou a vila de Nossa Senhora da Vitória de Massangano, em 1583.
Novais faleceu em Massangano, em 1589, aos 79 anos, e lá foi sepultado, defronte da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em túmulo de pedra. As suas cinzas foram mais tarde transladadas para a Igreja dos Jesuítas em Luanda, pelo Governador Bento Banha Cardoso, em 1609.
Terminando como começámos esta "visita descritiva", a primeira Câmara Municipal de Angola pode ser restaurada, depois de 2025.
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Texto publicado pelo Jornal de Angola de 22.09.2024
terça-feira, outubro 08, 2024
AS CHALADICES DO CHICO "PÉ DE MULETA"
_ Vão, mas escrevem o que vos disse, seus analfabetos. Vila é lá. Aqui é Kakungulu. Se querem se gabar que estiveram na vila é melhor amanhã pegarem mota e chegarem lá. Estão aqui os vossos tios que vieram da capital. Pedem já. Mota é só cem!