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quarta-feira, janeiro 29, 2020

PODE PASSAR!

Talvez, precavendo-se de possíveis deslizes na festa de casamento, o puto Sembe, que também fora convidado ao casamento, preferiu um consumo comedido. Aos olhos daqueles que o conhecem e já o viram a assumir atitudes suínas, "o puto Sembe não bebeu". Ficou fino e quieto.

Sentou-se à mesa dos VIP. Quando, naquelas saídas de pouca dura, ocuparam a sua cadeira, não se rebelou e esperou que o ocupante se levantasse para ele voltar a pôr os glúteos no assento e dançou pouco: duas músicas apenas.

- Xê, Sembe está já tipo grande Kilamba. Fato bem passado, camisa azul axadrezada a condizer e bebida só vinho caro e a servir tipo tem preguiça. Vamos lhe ver amanhã, na continuada, ou mesmo quando regressar à aldeia de Pedra Escrita. - Disse, meio enciumado, Mangodinho à sua Isabel.

Em sentido contrário, sem apelo e nem agravo, Mangodinho encharcava-se com tudo que tivesse álcool e que lhe passasse pela frente.

Mas foi no dia seguinte que se fez a prova dos nove. Sembe, que saiu da festa à meia-noite, dizem que “era para não se estragar”, acordou às quatro e ficou a matutar no que fazer. Tinha viagem de regresso para aquele mesmo dia.

- Voltar assim, sem desfrutar, um gajo que veio para comer e beber? Esse casamento, tirando o kota Mangodinho que já fez piruetas dele, fica sem estórias para contar! - Verbalizou em solilóquio.

Ajeitou a roupa informal. Fato e ténis, todos azuis, mawanas e boné. Caminhou quilômetro e meio para suar e abater o estômago.

Doze e trinta, Sembe fez-se à casa dos pais da nubente.
- Com licença! Já está na hora da continuada?
- Sim pode entrar e puxa a cadeira.- Respondeu-lhe a dona de casa que aparentava cansaço do dia anterior
- Hoje é dia. O copo e o prato vão ter de me respeitar.- Disse Sembe, recitando um aforisma Kimbundu. “Wali imbungu ki mutuka” (quem comeu até se fartar não pode escapar de um lobo).

Verdade ou mentira, Sembe cumpriu. Recebido com sobrados do repasto anterior, fez do estômago um saco. Aliás, ates serviu uma aguardente.

- É para abrir o apetite, manos. Não me olhem só assim. - Argumentou.
Seguiu-se a pratada regada com vinho que degustou até ao fim. Quando os “mwene-a-bata” (dono de casa) chegara e se sentou à mesa da sala interior, o puto Sembe foi chamado também.

- Come um pouco de funji. Ontem estavas muito ausente e quase ninguém te viu. – Disse o comissário Sabalo, pai da noiva e tio de Sembe e Mangodinho.

Entre um dedo de conversa, uma garfada e um gole, tragou o que lhe fora presente. Uns copos de vinho e outros de aguardente que não o deixaram ébrio de momento.
Já no avião, máquina de ferro no ar, Sembe não se emporcou, mas no assento se transformou em pedra e roncador. Dormitou até o pássaro poisar o chão da Ngimbi, não se dando conta que a sua carteira de documentos caíra para debaixo do banco.

Ao transpor a migração, mão no bolso, carteira com bilhete nada. Revista na pasta de mão, nada. Revista na pasta de roupa, nada.
- Ai wê, môs doccs! – Gritou.
Um polícia de fronteira se abeirou e sentiu o alambique.
- O moço tem o canhoto da passagem?
- Sim chefe, tenho. Faxavor, me ajuda só ir nas aeromoças procurar debaixo do banco.
- O moço tem certeza que veio com os documentos em mão?
- Sim, sô polícia. Exibi o bilhete ao entrar no avião.

Diligente, o agente, três riscos em vê no ombro, subiu no pássaro e deu-lhe o achado, fazendo o sinal do “pode passar!”

Publicado pelo Jornal de Angola do dia 26.01.2020

quarta-feira, janeiro 22, 2020

O "RAPTO" DA MULHER

(de Mangodinho)
O contar, de boca em boca, do ocorrido na capela católica fez de Mangodinho a figura central, rivalizando mesmo com a prima Adi e o noivo Victorino. Todos, mais de duzentas pessoas, que foram à festa de casamento procuravam saber por Mangodinho.
- Quenhêle? Me mostrêle, o homem a quem o padre negou a hóstia na cerimónia religiosa. - Pediam aos primeiros a chegar ou aos que tivessem assistido à cena.
- Tal é aquele. - Apontavam, com ou sem gestos.
Mangodinho, cada vez mais Bangão, como quem diz, "aqui, nem mesmo o tio que é comissário de três estrelas, é mais famoso do que eu", continuou, fanfarrão, o seu desfile pelo salão. Ora com o copo carregado na mão, passando de mesa em mesa, ora de palito na boca se espalhando pela pista de dança. Mangodinho, era só ele.
Às três da manhã, quando boa parte dos convivas mais velhos já se tinha retirado e a festa entregue aos jovens e adolescentes que entornavam doses de álcool sem receio de um "Xê miúdo(a) não bebe assim, tipo te estão a dar corrida", Mangodinho já não era pessoa.
Saído do urinol, perdeu o sentido de orientação e não conseguiu localizar a mulher que continuava a fazer companhia às garrafas vazias e pratos de bolos e outras guloseimas por comer.
- Isabel? Isabelêê?! - Gritou sem resposta.
Tentou umas voltas, mas as pernas deixaram de obedecer.
- Tio, faxavor. Temos uma situação grave aqui no salão.
O tio que se despedia de um colega da corporação, pousou o copo de água e virou-se para ele.
- Que se passa Mangodinho?
- Tio, faxavor, aciona só o patrulheiro. É mesmo verdade que estou a falar.
Já quase a perder paciência, o tio pegou-lhe pelo braço, como quem dirige uma criança, e rematou:
- Ou te explicas ou mando te levar à casa. Vamos, diz lá seu sacana. O que se passa, pá?
- Tio, é mesmo verdade. Raptaram a minha mulher!
- Mas ela é raptável? - Indagou o tio, levando os olhos à mesa onde se encontrava a senhora, já sem o brilho da mocidade.
- Seguranças, por favor, chamem o patrulheiro. - Solicitou o tio.
Mangodinho pensando que os polícias haviam sido chamados para atender a sua preocupação, foi carregado até à arrecadação, onde dormiu como pedra até ao meio dia seguinte. Quando acordou, nem a mulher, nem o tio, nem os parentes, nem os convivas. Era apenas ele no meio de tralhas.
Na foto: Soberano Kanyanga e sua Milika (25.05.2019)

quarta-feira, janeiro 15, 2020

MANGODINHO PRA CÁ - MANGODINHO PRA LÁ

Já se tinha notado a sua altivez de fingimento na cerimónia civil do casamento da prima. Mangodinho era único. Fato cinza axadrezado e camisa também axadrezada de gola excessivamente larga. Na cabeça, nem um fiozito de cabelo e a barriga mostrava querer fugir-lhe da camisa. Mangodinho, no assento traseiro, repetia os ditames do conservador.
- Quem casa quer cá?
- Casa. - Completava.
Na capela da ngelú, já tarde feita, Mangodinho, enfrascado, poros abertos, em clima de exigir casacos com sobretudo, meteu-se num dos bancos do meio, a exalar o que lhe estava no estomago, a correr pelo sangue e entrar-lhe ao cérebro.
- Ess'homem caloria assim, tipo lhe atiraram balde de água?- Ouviu-se entre os presente, sem ele fazer caso.

Ora seguia trôpego as melodias do cancioneiro católico, arrastando e pronunciado alto palavras inexistentes, ora seguia a homilia com assobios. Nele, estavam mirados todos os olhos e cochichos.
À hora da comunhão, Mangodinho foi também, sendo o penúltimo na fila. Aprumados, crentes, descrentes e ele, animista, ensaiavam gestos para receber a hóstia. Uns com a mão esquerda sobreposta a direita (para receber em mão). Outros com as duas mãos  sobre o peito (para receber pela boca). Ele, Mangodinho, um antigo militar emprestado às forças para-militares, nem postura, nem palavras responsivas sabia.
- Corpo de Cristo! - Evocou o padre, aguardando pela resposta correspondente.
- Ordem, sua excelência! - Retribuiu Mangodinho convicto de ter dado a melhor resposta.
O padre, alto, franziu o rosto e olhou à multidão, a ver se lia neles alguma sugestão. Nada!
Baixou os olhos a Mangodinho, a quem endereçou o sinal de que não  receberia a hóstia.
Todo o resto, até no repasto que fechou o casamento da Adi Carlos Victorino, foi só "Mangodinho pra cá e Mangodinho prá lá".

quarta-feira, janeiro 08, 2020

BALANÇO? SÓ NO FIM!

Em todos os tempos é preciso ter um projecto e uma causa.
A causa é a mesma: continua.
O Projecto (Kam&mesa) também continua.
Balanço só em 2022 e 2027, respectivamente!

quinta-feira, janeiro 02, 2020

AO TRABALHO: DEPOIS DO BOM-ANO

- Bom dia kota Mangodinho. Entraste como?

- Xê miúdo. Cuidado com as palavras. Entrar aonde?
- Entrar mesmo, kota... - Miúdo Russo ficou engasgado, pois, em vez da resposta costumeira "entrei bem", seguida de um apertado kandandu, Mangodinho respondeu com disparo.
- Hei, cuidado. Os mais velhos , as vezes inauguram o ano entrando e saindo, podendo resultar em aumento populacional, em Outubro. Por isso quando pergunta tem de perguntar bem. Entrar no novo ano ou entrar aonde?
- Pronto já, kota Mangodinho. Aprendi mais uma coisa. Já agora, como foi a transição do Mangodinho para 2020?
- Ah, assim é que se pergunta, miúdo Chico. Transitei bem. Bem acordado para que ninguém me contasse. Não chupei e comi à hora. Felizmente, a vida agora está nos carris. Os fazedores de barulho, pensando que exibir posse de aparelhagem chinesa é barulhar, estão a deixar o mau hábito. As ruas estão limpas. parece que as pessoas deixaram de comprar caixas e latas, ou a deixarem já as caixas e as latas nas lojas. A Elisal está como menos trabalho. Os bebedores sem escrúpulos também diminuíram lá um coxito. ou estão a beber e esconder os carros ou estão a conduzir sem beber. Afinal, o país tem carris. Possas, pá!
- E, assim, o Mangodinho vai trabalhar?
- Eu não vou ao trabalho. Já estou a trabalhar. Passar casa em casa, saudar, orar, perguntar se há saúde, aconselhar se deixaram um pouco de dinheiro para matricular as crianças na escola e comprar a roupa do dia de estreia, ver se dinheiro dos comprimidos não foi metido na cápsula de kapuka, tudo isso é trabalho. E você, miúdo Chico, está com essa cara de kimbonzado porquê? Conselho na tua cabeça não se fixa? Fidacaxa, pa!
- Não, Mangodinho. É só mesmo cara de sono. Desde ano passado que se cortei mô inimigo com katula mbinza. Já não estamos a se entender e lhe falei: você na minha goela já não passa. Assim, mesmo, Mangodinho, confiança com álcool é só mesmo já na ferida.
- Ainda bem, miúdo Russo. Árvore cresce com as os ramos e as folhas. Pessoa cresce com juízo. Se teu patrão te dispensou hoje, ajuda o tio a visitar as casas. Eu dou conselho nos mais velhos e você dá nos jovens iguais.