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domingo, novembro 29, 2020

QUANDO A MÃE TE CHAMA "MESTRE"

Um dia antes de me submeter ao júri, ordenei minhas duas irmãs:

- Vão à casa da mãe ou mandem vossas filhas para trançar o cabelo dela e arranjar as unhas. Imaginem que ela vai a um evento. Caso consinta, peçam a ela mesma que empreste o dinheiro necessário que pagarei quando voltar.
- Mano, ela tem o cabelo curto e não vai aceitar. - Disse uma delas.
- Vão e digam que eu é que vos mandei. - Ordenei sem mais detalhes.
- Mas eu, cega, sem mobilidade, estão a me preparar para ir aonde? - Dizem que questionou assim à neta que se fez presente.
- É o tio quem mandou. - Arguiu a Elizabeth Carina.
- Mas ele não viajou para o Putu?
- Sim. Mandou mensagem para traçar a avó. 
Hoje, uma semana depois, encontrei-a sorridente. Bateu palmas quando me ouviu cumprimentá-la.
- É o papá? A viagem, correu bem?
Não tinha reparado o cabelo dela pois o cobria com um lenço. Quando perguntei se as netas haviam cumprido o que orientei, ela destapou o lenço e avançou:
- Estou bonita. Até pareço que vou à festa. Ninguém me disse por que me prepararam.
- Mãe, fui terminar um curso e por isso mandei preparar a mãe para que ficasse como se estivesse lá perto de mim.
- E o curso correu bem?
- Sim mãe.  Correu bem. É pena que o banco não me tenha dado  dinheiro para comprar uma lembrança para a mãe. 
- Não há problema. Comida e medicamento aqui nunca faltou. E assim qual é o curso?
- É de mestrado, mãe. 
- Agora és mestre Luciano Canhanga! É assim que te chamam?
- Sim, mãe. 
- Então, não esquece papá. Manda mensagem ao tio Beto (irmão dela) e diz: agora sou mestre.
Fizemos as contas e parti para a fiscalização do estado da casa e de outras dependências.

domingo, novembro 22, 2020

DO PORTO A LISBOA

A senhora estava fina. Bem, não sei se fina ou finória. De corpo, tenho certeza. Era fininha.

A estranheza começou quando lhe estendi as cédulas.
- Não tem multibanco? - Provocou-me recebendo em resposta:
- A que hora parte o machimbombo? 
- Hum?! - Ela, com cara de parva.
- A que hora parte o autocarro?
- Hum?! Autocarro? O quê que é?
- A que hora parte a camioneta?
- Ah! Afinal é isso? É ao meio dia.
(No meu íntimo) - Fidacaxa. Se a língua é a mesma e tu é que tens menos domínio de vocábulos por que me vens com essa cara de quem ouviu Kimbundu?!
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domingo, novembro 15, 2020

DE LUANDA AO LIBOLO

Íamos pela estrada com pontes em alargamento no meu NISSAN Almera. Uma placa indicava desvio a 500 metros, quando na verdade eram 50. Por pouco caia num rio cuja passagem hídrica havia sido desactivada para ser substituída por outra mais larga. Travei a custo e fui chamar um "nervo" ao "capataz" da obra.

A minha progenitora, que ainda era visual, viu e ouviu calada. Recebera outra educação. Foram-lhe inculcados, no tempo colonial, outros valores: "mundele nzambi"¹.
Já no carro, quando retomámos a viagem, disse para mim.
- O papá, afinal, estudou mesmo. Preto a dar bafos a um branco?! Antigamente era só o contrário. Mesmo com tua razão, a razão passava para o branco.
Noutra viagem, tínhamos parado em um restaurante no Dondo e uma donzela magra, cabelos longos, olhos de gato e bom falar, atendia à mesa. Fui pedindo o que queríamos e ela, diligente e aprumada para o seu trabalho, ia atendendo sorridente.
- Eh! O país mudou. Branca mesmo, senhora que no tempo do kaputu só sabiam ofender "burra de merda" é que está a nos servir? Quem é que naquele tempo nos deixaria entrar naquele "bar" senão ir comer nos confins com os empregados pretos? Ainda bem que estudaste meu filho. Se ainda tiver mais estudos pela frente não pára. Continua!

Vim dar continuidade, mãe. Quero, no teu silêncio, a bênção. Vai correr bem. Sei.
===
¹branco é deus

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domingo, novembro 08, 2020

OS LICENCIADOS DE LUANDA E OS DE BOLONHA

O Tratado ou Processo de Bolonha (19 Junho 1999) estipula, entre outros, a integração europeia (e outros signatários como Rússia e Turquia) e a reforma do ensino universitário dando maior responsabilidade ao estudante e diminuindo o tempo lectivo.

Assim, à luz desse Tratado, o estudante de licenciatura passou dos 4 ou 5 anos para 3. O mestrado dois anos e o doutoramento 3. Somando os anos, o indivíduo pode ser PhD em apenas 8 anos lectivos.
Os licenciados de Luanda continuam a fazer 4 a 5 anos, maior responsabilidade/peso no processo para o professor, estudantes (sobretudo trabalhadores/nocturnos) que não se empenham em pesquisa bibliográfica e trabalhos de campo, entre outras maleitas.
Com esse sistema, temos professores universitários, os licenciados de Bolonha, a ministrar aulas a quem podia (somado o tempo de permanência na universidade) estar a terminar o mestrado (Luanda).
Feitas as contas e pesados os conhecimentos, quem no fim dos 3 ou 5 anos, apresenta maior solidez de conhecimentos?
Há que iniciar um "Processo de Luanda" reformar os métodos e os curriculas universitários de sorte que o professor mostre o caminho ao viandante (orientador e orientado). Sócrates, o filósofo e não aquele outro, apelava seus pupilos a irem à busca da verdade/conhecimento...

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, texto que diz "e uma aprendizagem baseada no estudante quantificada através dos créditos ECTS. bologna process Logótipo do processo de Bolonha. Sessão informativa sobre os planos de estudo numa universidade espanhola."

domingo, novembro 01, 2020

"PLATÃO DA KIBALA"

Uma dúvida colocada por um amigo quanto à denominação dos meses e o início do ano na cosmogonia batu (realce aos ambundu, ovimbundu, tucokwe e bakongo) que eu defendia ser Setembro o 1° mês e ele Janeiro (como na Europa) fez-me desviar a rota do trabalho e ir ao encontro do Rev° Gabriel Vinte e Cinco.
Para mim, ale associa o conhecimento natural, ganho pela experiência, indagação permanente e busca de respostas (transmitido pela oralidade por seus mais velhos) e o conhecimento científico-acadêmico, sendo, por isso (minha apreciação), uma PONTE entre os detentores do saber consuetudinário e  do positivo (cientifico). É uma pessoa que tem conhecimentos e conselhos para todas as idades e tipos de organização intelecto-racional.

Bem podia caracterizá-lo de "Sócrates", porém, o maior filósofo helênico não deixou obra escrita, sendo a sua escola e magistério conhecidos por meio de PLATÃO, seu discípulo.
Gabriel Vinte e Cinco tem livros publicados sobre o Kwanza-Sul e Metodismo Unido em Angola. É, por isso, o meu Platão da Kibala.

O mestre confirmou que Setembro é para os Kibala, povos sedentários originários do Ndongo e que habitam o centro do Kwanza-Sul, o 1° mês do ano.
Abaixo os nomes, a começar pelo correspondente a Setembro (mês do início da chuva e campanha agrícola):
1- Kamoxi (Setembro do calendário gregoriano)
2- Kakyadi
3- Katatu
4- Kawana
5- Katano
6- Kas(s)amano
7-Kas(s)ambewa
8- Kanake
9- Kava
10- Kakwi/Kakunyi
11- Kuthu-Kathulu
12- Kithulumune (Agosto)

Já a terminar, quando a conversa bem encarrilada parecia não ter fim, contrariamente ao relógio que caminhava apressado, o mais velho (Platão da Kibala) falou sobre os jovens que querem saber tudo num único instante, sem estimular a abertura da "biblioteca".

- Para cortar a barba de um idoso é preciso jeito. Os jovens têm de ter paciência em procurar pelos mais velhos, estimulá-los à conversa, e evitarem vir com perguntas para responder de forma apressada. É preciso sentar, contar mahezu* e conversar. - Assinalou, ao mesmo tempo que agradecia o empenho deste articulista na recolha e divulgação de "sentimentos, conhecimentos e fazeres do nosso povo".

* Conversa introdutória, semelhante a yala nkuhu (Kikongo). Nela, cada parte faz uma revista sobre o estado de saúde, o motivo da viagem/visita e os últimos acontecimentos de cada parte.