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terça-feira, março 29, 2022

SUA CABRA!

Parece asneira, se a expressão for jogada com carga pejorativa por cima de uma mulher. Lá chegaremos.

Sabalu Lumbu, 60 anos, natural e residente em Ndalambiri, Ebo, é um tio que, até hoje, ainda não sabemos quem adoptou quem.
Nutrimos uma estima recíproca, sendo ele irmão mais novo da mãe do meu compadre João Martins. Conhecemo-nos na CADA. aonde, em 2018, fomos visitar a irmã do compadre João Martins que se encontrava internada no dispensário de TB. Falámos sobre uns assuntos circunstanciais. e, sem demora, nasceu uma empatia de tio para sobrinho.  A finada tia Mariana Almeida, irmã mais velha de Sabalu Lumbu,  é que já me conhecia.

Posto na sede do Ebo, a 12.02.2022, decidi que não sairia de lá sem o ver. Já lhe tinha ofertado um facto, em Novembro de 2021, quando fomos ao óbito da tia Mariana, o que o deixou maravilhado.
- Nessa aldeia, e mesmo na vila, ninguém tem fato como o meu! - Gabava-se de pessoas a ventos.
Desta vez, levei um presentinho para ele, mas me tinha esquecido do mesmo no albergue em que estava alojado. Saído do rio (do banho), Sabalu Lumbu, encontrou-nos já sentados em sua casa, pondo a prosa em dia (mahezu) com a esposa e a irmã  que saíra de sua aldeia (próxima) para visita-lo.
Mal chegou, como que procurando cumprir uma promessa antiga, meteu-se a rondar o matagal à volta de casa, intentando procurar por algo que somente ele sabia.
- Ti Sabalu, não está a sentar. É o quê então? Será que já deixou de beber? - Provoquei-o.
- Não meu sobrinho. Isso não se deixa. Se trouxe uma garrafita, pode tirar. - Respondeu.
Enfiei os dedos na algibeira e de lá saíram mil Kwanzas que ele recebeu com vênia. Porém, não se assentou. Transpôs uma esquina e desfez-se de nosso horizonte visual, voltando momentos depois ofegante.
- Já bebeu! - Pensamos todos sem o verbalizar.
A conversa seguiu rumo, intensificando-se à medida que fossem chegando pessoas a quem João Martins brindava com recordações dos anos 80 e 90 do século findo, antes de deixar Ndalambiri para instalar-se na Cela e depois em Luanda.
Depois da despedida, e já junto ao carro encontrámos um saco contendo batata-doce e uma cabra amarrada que seria transportada no SUV, o que me levou a  perguntar atónito:
- De quem e p'raonde vai esse cabrito?

- Sua cabra! - Respondeu, sem mais acrescentar.
A LuSa, assim baptizada em alusão às iniciais de nossos nomes (Luciano e Sabalu), ficou no Ebo a fazer companhia ao cabrito do João Martins, contando que dentro de dois anos me venha a dar um bode.
Por coincidência, na mesma noite, navegando pelas redes sociais, chegou-me uma estória sobre dois rapazes a quem foi dado dinheiro para a compra de tênis. Um comprou um par de tênis que perfilava na primeira linha da moda. O outro comprou uma cabra. Passados dois anos, o primeiro tinha os tênis rotos e andar quase descalço, ao passo que o segundo tinha já sete cabritos, podendo comprar igual número de tênis.
Fiquei a reflectir, para além do alcance simbólico e da consideração que se tem por quem recebe de oferta uma cabra, no valor comercial e multiplicador daquele presente do ti Sabalu Lumbu. Foi mais do que um simples caprino!

Publicado pelo Jornal de Angola, 06.03.22

quarta-feira, março 23, 2022

EU E O LIXO VOADOR

 JURUMEMU! Aquele segmento, entre Zango 2 e Zango 3, já me está a envolver em muitas estórias.

Há uma semana, foi a caravana de uns chicoespertos escoltados por dois motoqueiros da polícia a mandarem todos a "abrir alas" para eles passarem...
Ontem,  foi o cobrador que jogou uma pet do carro para a rua. Quantas vezes você terá assistido a pessoas que deviam ser gente a jogar livro à rua? A mim inquieta. E a si?
Íamos a 30km/h, mais ou menos. O sentido era Zango-Viana.
O Toyota Hiace ia à frente de mim e levava apenas duas pessoas, sendo o condutor, em fato-macaco escuro e sujo, e outro maltrapilho que aparentava ser cobrador. Quando nos prestávamos para fazer aquela curva à direita para apanhar outra faixa ascendente, o suposto cobra-dor jogou uma Pet à rua, trazendo para fora a dor que minh'alma sente quando tal acontece.
- Pim, pim. - Buzinei duas, três vezes.
Olharam para mim, um e outro, e fizeram sinais deselegantes que me soaram a um "vá-pô!". O caro leitor sabe do que digo. Se não sabe, saberá quão doloroso é ouvir um "vá-pô!"
Acelerei e encostei-me ao lado do condutor. Expliquei-lhe que vi sair do seu carro para a rua uma garrafa vazia e que jogar lixo na via era acto reprovável.
- Só uma garrafa e o senhor vem reclamar? O  senhor está a perder o seu tempo ou pensa que vamos parar o carro por causa de uma garrafa?
Confesso. Senti-me deslocado. Quando a ignorância é tamanha, chegamos a pensar que nós, detentores de conhecimentos e regras de higiene, é que estamos deslocados no tempo e socialmente.
Passei à frente do Hiace. Costuma ficar, mais à frente, um polícia. Pensei em encontrar o agente educado que me brindara com uma vênia, sete dias atrás. Não o vi. Pretendia pedir-lhe que parasse o carro e mandasse o cobrador, que se ria à brava da minha "ignorância ou implicância", recolher aquele descartado e colocá-lo em local apropriado. Não tive, desta vez, a mesma sorte.
E os dois sacanas, sim,  isso mesmo, ainda ultrapassaram-me a rir-se de mim.
- Kota se não sujarmos o quê que o vosso governo do MPLA vai limpar?! - Atirou-me o condutor, levando-me a engolir em seco tamanho batráquio.
- É a casa mais limpa aquela que mais se varre ou a que menos se suja?! - Continuo a gritar para mim mesmo.
É no que da "quando se poupa muito na educação", ganhando-se analfabetos funcionais, latrocínios, dislateiros e outros antissociais, conforme escreveu, e muito bem, Filipe Zau.
Às vezes, sinto-me deslocado perante o quadro de desvio social posto aos meus olhos.

sexta-feira, março 18, 2022

OUVINDO "PASSOS DE MILHARES..."

Os Metodistas dos anos oitenta do século XX sabem cantar "Oiço os passos de milhares;

Uma herança resgatada;
Firme Ndondo, Nyanga-a-Pepe, Kyôngwa, Késwa, Kela..."

Visitei a Missão que é para nós Metodistas o mesmo que deve representar Dondi para os irmãos da IECA. E foi a pensar no simbolismo das duas missões que levei, 31.10.21, a minha esposa que é da IECA.
Era domingo, eu trajava calções (não podia adentrar o templo). Os irmãos realizavam um culto. Não deu para fazer melhor do que estas imagens.
Aos meus olhos, a Missão, que também acolhe o Instituto Médio Agrário (desde 1992), mostra que teve um período de "adormecimento" que levou à destruição de alguns de seus equipamentos assolados pela velhice e algum descaso. O cerco militar (movido pela rebelião) a que a região esteve votada pode também ser tido em conta.
Felizmente, já se vê alguma tinta. Embora se peça mais ferro, cimento e arado para os campos.
Vi Faculdade de Teologia, Centro de Formação em Ciência Doméstica, Colégio, Centro Médico, Suinicultura, campo agricultado, escola primária e obras paradas de instalações que, pela sua configuração, devem ser de uma outra escola...
É bom que a vida volte. Que os sobreviventes dos que conheceram o Quéssua nos seus tempos áureos o visitem e debitem ideias. Será bom que os gestores da coisa nostra saibam ouvir, apontar e pôr em prática.

Vi também a pobreza a deambular pela rua longitudinal da Missão. São meninos e meninas que vêm de aldeias próximas. As mangas verdes são apedrejadas...
A ocupação dos campos, antes de se atingir a Missão, é um facto. Crescem casas, lavras e até vi uma denominação religiosa que não é Metodista.
Aprendi e acredito que A CHAMA VIVA DO METODISMO É INAPAGÁVEL!

domingo, março 13, 2022

UM LABORATÓRIO QUE "FAZIA MAL" A PRETENDENTES A GOVERNO

Há muito me tenho perguntado sobre o sentido de os fazedores de guerra interna destruírem infraestruturas como pontes, escolas, hospitais, palácios, energia e água, entre outros.

Vejamos:

Quem quer poder devia saber que, se lá chegar, precisará de tudo isso para governar: estradas e pontes para ele e seus governados se locomoverem. O atalho desenhado na mata pela mesmice do pé humano não será mais o caminho;

Precisará de escolas para eles mesmos, seus filhos e os governados se formarem. A ausência delas seria um retrocesso, pois as cabanas improvisadas ou a sombra de árvores no meio da selva deixam de ter serventia, sendo os laboratórios um aditivo imprescindível para garantir praticidade aos conteúdos teóricos;

As suturas realizadas sobre a pedra e os curativos apressados com iodo e mercúrio devem dar lugar a uma assistência médica e medicamentosa de qualidade e em instalações apropriadas, assim como toda a administração e o exercício do poder faz-se em instalações com o simbolismo e comodidade adequados. Aliás, sempre assim foi e, em África, é exemplo a tomada de antigos palácios coloniais;

Numa cidade, e para quem toma e exerce poder, a luz ténue do luar, das estrelas e dos notívagos pirilampos cede lugar à iluminação eléctrica, assim como a água barrenta, em que javalis e homens se revezam para afugentar a sede, é substituída pela água potável e de distribuição canalizada.


Por que será que amputaram Kalulu e outras vilas e cidades angolanas daquilo que lhes faria falta postos na situação de governo? Só pode haver uma razão: sabiam que nunca ascenderiam a governo. Agiram como se fossem estrangeiros que pretendiam impingir um sofrer eterno aos kalulenses e de cujo veneno nunca beberiam. Só pode ser!

Esses degraus (imagem 1) é o que sobrou do Laboratório de Biologia e Química da Escola Preparatória de Kalulu, rebatizada por Kwame Nkrumah no pós independência de Angola. Aqui passaram quadros do Libolo e do país. Um laboratório de Biologia, num município agropecuário como o Libolo faz uma incomensurável falta e diferencia a formação. Infelizmente, dele resta apenas o chão que acolhia as paredes.

Que razão levaria quem quer ascender ao poder destruir um laboratório escolar?

Nas suas investidas de 1983, 1989 e no pós eleições de 1992, entre minagens e dinamitações, os homens das selvas também deitaram abaixo a conservatória do registo civil. Provavelmente se tivessem e estejam ainda a gabar dos actos destruidores praticados, gritando aos quatro ventos que foi obra.

Sim. Obra de diabos!

terça-feira, março 08, 2022

O TRONC'O E O MICATE

(Estórias de uma viagem ao Mayombe)

O tronc'oco é conduta par'água que se recicla nas operações mineiras (Buco-Zau). Quando assim acontece, a natureza reclama menos dos golpes, alguns rudes, que os seus gestores, homens, infligem contra si. E quando a actividade humana, imprescindível, reconhece repor a parte afectada da floresta, melhor ainda. Só se ganha em consciência colectiva e reposição do bem maior: vida!

O palácio que os holandeses deixaram na cidade mais a norte de Angola é um "monumento" que faz reflectir o quanto arquitectos e engenheiros civis já foram engenhosos (Cabinda). Felizmente, a consciência humana tem se esforçado em "perpectuar" para largos anos aquela marca secular de navegadores/exploradores que passaram por nós com algumas décadas de permanência.

Já comeu micate com jundungu? Em Belize é iguaria oficial na administração municipal. Quem for ao município mais setentrional de Angola e não provar dos micates e jinguba torrada é porque não se apresentou à administradora Suzana Abreu faz questão de dar a provar a seus hospedes temporários: micates, chá de kaxinde, jinguba torrada e jindungu. Houve quem tivesse feito sandes de micate, colocando jindungu no meio.

E o Mayombe, que beleza! Arvores que disputam o sol, esticando-se dia sim, anos tantos, sugando o humus das próprias folhagens recicladas pelo poder natural e intemporal. E, mais abaixo, polimetais que se escondem entre raízes fortes do Mayombe e águas fartas que se dirigem pachorrentas ao Atlântico.

É, sim, Cabinda do ananás que se diz melhor, do pau que se diz forte para levantar cansados e do kintweni sem adversários na doçura do ritmo, ao meu ouvido folclórico.

quarta-feira, março 02, 2022

"DEIXEM SE MEDIR CAPACIDADE"

Nos meus tempos de garoto, quando dois miúdos ou miúdas de idades diferentes não se respeitassem como mandam os hábitos, os mais velhos deixavam (num ambiente de neutralidade total) que os adversários medissem forças ou "capacidade".

Uma peleja aberta, sem que alguém pusesse "colher", até que o mais fraco apelasse por perdão do mais forte, ao que os mais velhos entravam a apaziguar, reconhecida a vitória de um sobre o outro.
Tal peleja abria um novo tipo de relacionamento entre os oponentes que passava de adversários (se desafiando) à submissão respeitosa por parte do mais novo/fraco e tratamento igualmente respeitoso (meu mais novo) da parte do vencedor.
Uns eram tidos como "dikota" porque "bilavam bwê). Não eram "dikota" por causa da idade. A "pulungunza" também ditava regras de coabitação social.

Às vezes, o derrotado pedia uma segunda jornada que lhe era aceite com o mesmo júri ou adicionando outros. O resultado ditava sempre uma nova ordem.
"Deixem se medir capacidade e ninguém acode", fosse no primeiro "kibeto" ou na busca de desforra.
- A Rússia e a Ucrânia estão a se "medir capacidade bélica"?
- Deixem-nos lutar, sem se imiscuir. A neutralidade é aqui chamada. Nossos "bilos" aconteciam, regra geral, quando fôssemos à caça ou à pesca.
Quando os russos e ucranianos terminarem a peleja, alguém vai tratar o outro por "mano", surgindo uma nova ordem regional.
Jogar areia nos olhos de um dos lutadores, molhar o espaço vital dele, pôr kibyona e outras malabarices é inclinar o campo.
Deixem "se medir capacidade" e curem-se, posteriormente, as feridas do perdedor e do vencedor!
Perante uma situação análoga de conhecida intransigência entre os contendores, a minha mãe diria: deixe-os lutar para se respeitarem!