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terça-feira, setembro 29, 2020

QUERO-VOS PERNAS!

Há duas semanas que vou fazendo a pé o percurso Zango V vs entroncamento com a Estrada Kalumbu-Via Expressa, ora de manhã, ora ao dealbar do dia.

Na última rotunda, antes da cidade, aí onde desembocam os rejeitados da ETAR, em direção a Kalumbu-Kwanza, há uma bifurcação em forma de tomada para futura estrada e um andarilho frequentado por gente que só aparece de carro e bem aparentada, cujo destino se perde na distância do devoluto.
Aldeia à frente não se vislumbra. Fazenda ou quinta quiçá. Porém, as vestes contrastam com o estilo de vida ou ambiente campesino.
Que haverá de enigmático por trás do "montulho"


de terra vermelha saída da vala que transporta as águas podridas do Zango V?
Entre contemplações e curiosidade, perguntei aos membros locomotores:
- Podem levar meus olhos até próximo do enigma?
- Estamos sem força, mestre! - Responderam a teketar*, carregando já perto de dez mil passos.
Quem sabe um dia ganhem forças bastante para levar-me a descrever aonde vão aquelas senhoras de idade e bem nutridas, vezes sós e outras vezes acompanhadas por moços pulungunzeiros?!**

*tremer.
** cheios de força, vigorosos.

terça-feira, setembro 22, 2020

AMBULÂNCIA NO BAIRRO

- Xê, sabes duma coisa, Joana?

- Coisa de quê então, Belucha? Me conta então.
- Falaram então aquele vizinho acusou.
- Lhe acusaram quê? Assim já é fitiço nê?
- Não lhe acusaram feitiço, sua distraída.
- Então fez quê, roubou ou meteu filho na mulher do outro? Também da maneira que bebe e pega nos rabos das mulher'alheia não s'esperava outra coisa.
- Joana, você és mesmo distraída. Parece ainda estás em Kangandala. Abre o olho, pá.
- Mas, ó Belucha, você conversa que inicias nunca terminas. Assim eu é que vou adivinhar o teu mahezu. Começa então ja a boatar você que te nasceram na cidade. Mesmo aquele tô bairro Kangambo de Malanji também é quê? Comparando com Kangandala onde me nasceram ainda é mais melhor. Vai conta já.
Belucha mão na bochecha e outra nas costas, como que aquecendo o mona que trepidava de frio. Caminhavam ao chafariz.
- Pronto já Joana. Só não te arrespondo mais porque eu é que dei iniciada de abusar teu bairro. É assim. Estás a ver o vizinho Januário, nê? Disseram ambulância foi em casa dele lhe buscar.
- Belucha, assim é quê? Será que fez acidente? Nós, em Kangandala, se pessoa vê ambulância foi socorrer acidente na via.
- Mas aqui é Luanda, Joaninha. Não andas a ouvir Covid? Disseram acusou!
- Má, má, má! Belucha, faz favor. Viste bem? Ouviste mesmo bem ou estás só incriminar homem lheio?
- Vi a ambulância, Joaninha. Também ouvi aqueles moços que ficam na rua a falarem que agora quando ambulância te vai buscar é porque acusou covid-19.
- Belucha, sei mesmo que você estudaste mais do que eu que parei na terceira classe e também vieste já há muito tempo em Luanda. Mas vou te dizer, minha irmã. Discriminar as pessoas é crime. Pior do que isso é estigmatizar que tem doença que não foi buscar. O tal corona não é como a sida. Às vezes lhe encontrou mbora no trabalho, assim como pode ser mentira.
- Tens razão, mirmã. As pessoas, às vezes exageram.

terça-feira, setembro 15, 2020

UM VIVER RURAL À VOLTA DO ZANGO V

Sem as obras invasoras de um terreno que devia ser reserva da cidade ou tampão e sem o táxi colectivo azul-e-branco, o percurso da mae e seus quatro filhos podia enquadrar-se em um "caminho do mato" onde o atalho estreito não permite andar lado a lado.

A rua em referência (na imagem) é paralela à Principal do Zango 5, como é tratada.
Não pude ver o rosto da senhora, senão a silhueta captada distante pela objectiva do meu telefone.
Fez recordar-me a avó Kilombo, nos anos 80 do século XX, após perder o marido numa batalha contra uma doença de fórum respiratório. Tinha quatro filhos, sendo que uma estava à guarda de um "irmão", em Luanda, vivendo com o 1°, a última e mais uma.
Sem marido e sem ninguém adulto para cuidar dos outros, durante suas ausências de curta duração, a avó Kilombo, ao tempo ainda trintona, "viajava" com seus três filhos, sempre que tivesse necessidades. E o cenário era exactamente como mostra a foto: a kasula no colo e outros dois irmãos se revezando em pegar o pano da mamã.
Caminhavam. Ela com uma kimbamba à cabeça e a kasule ao colo. Os infantes, cada com o seu peso: afome, a sede, a distância, a ferida do sapato apertado ou pé descalço, uma galinha para ofertar o anfitrião, uma garrafa de água ou kisângwa ou outra coisa útil à viagem. Também podiam ser dez ou mais quilos de macroeira à cabeça do filho primeiro.
A "mamã do campo" não só me levou ao Libolo dos anos 80. Fez-me também viajar pela Lunda e pelo aforismo "kusema ca ndemba", onde o galo fecunda e vai cuidar unicamente de si, enquanto a galinha, coitada da "calhi", cuida dos pintainhos!
E, vamos ainda tendo o "mato" a viver na cidade, dada a prevalência dos hábitos e costumes campestres de pessoas forçadas a viver na grande cidade!..

terça-feira, setembro 08, 2020

NGOYA: CONSTRUTO INACABADO OU ADIANTAMENTO NA ACULTURAÇÃO?

Um dia depois do Live no Kubico que juntou Kumbi Lixya, Man-Prole e Bessa Teixeira, um dos programas de entretenimento da Televisão que "É nossa" estendeu o sinal ao Sumbe para perguntar ao jornalista local sobre o impacto do Live na capital cwanza-sulina, tendo a jovem apresentadora iniciado por perguntar "como se dizia boa tarde em língua local".


O jovem, sem pestanejar ou recorrer ou que já teria ouvido bastas vezes, atestou que "em ngoya é mesmo mboa tali" , quanto a mim, uma kimbundizacão de boa tarde (Pt).
Perante tal desfeita aos mais velhos, cultores de nossas línguas (principal elemento dignitário de um povo), aos investigadores e cientistas das línguas; tal "desfeita" e tão banal quanto foi só me pode levar às seguintes hipóteses:
a) Que a língua ngoya que se apregoa existir no Sumbe, e que pelas ondas da RNA pretendem tornar extensiva a todo o Kwanza-Sul, é uma invenção inacabada, portanto, inexistente;
b) Que, caso mui remotamente tivesse existido, seria a língua angolana mais avançada na sua perda de identidade ou acomodação de lusitanismos, ao ponto de deixar de conter no seu léxico uma simples saudação; ou, na pior das hipóteses;
c) Que tal povo e língua "ngoya" são pós-dependência de Angola e a tatear ainda na construção e composição do seu "corpus identitário" em que se posicionam a língua autónoma e demais elementos identitários periféricos.

Uma casa inacabada é um projecto que pode dar em casa ou em nada. Portanto, não façam os incautos "pescar" um pedaço de canoa náufraga, confundindo-o com bagre. As línguas têm léxico próprio, têm vida...

Eme nganange. Eye phe? 

Muphe nga, kwimuna kwi?

terça-feira, setembro 01, 2020

EUFEMISMO, DISFEMISMO E JORNALISMO

Só para situar: eufemismo e disfemismo são figuras de estilo ou de retórica. A primeira visa encontrar palavras brandas para descrever uma situação cujo impacto pode ser alarmante. A segunda é o oposto. Sem ser hipérbole (exagero), amplia a intensidade da ocorrência, dando-lhe maior impacto "sentimental".

O jornalista que faz jornalismo é aquele mano ou mana que deve evitar adjectivos, eufemismos e disfemismos, servindo-se da linguagem coloquial.
Depois de nossas autoridades sanitárias se terem servido de disfemismo, em relação àquilo que seriam, eventualmente, os casos de covid-19 a essa altura, o que felizmente não está a acontecer, optaram por um eufemismo para se referir aos perecimentos causados por essa pandemia. Surgiu a expressão "foi a óbito de covid-19" que tem soado "foi ao óbito ..."
Dai que, de tanto ouvir "foi ao óbito" a septuagenária Kilombo, invisual mas atenta à televisão e que se gaba de "ouvir como se estivesse a ver", se tenha perguntado.
- Mas então o mesmo governo que proíbe ir aos cemitérios é o mesmo que permite as pessoas ir procurar óbito? Andam a ir procurar comida ou bebida?!
Tem razão, a meu ver.
Na conferência de imprensa diz-se ou pelo menos ouve-se "foi ao óbito de covid-19" e alguns jornalistas, sem olharem pora aquela regra que manda "falar barato sem cair no populismo", também vão reproduzindo "foi ao óbito".
- Mas foi lá fazer o quê com essa doença perigosa que anda a matar muita gente?! - Questionou-se ainda a velha Kilombo.
Então: morreu, faleceu, pereceu, ou "foi ao óbito"? Já não basta a "kikonda" perdeu a vida?