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quinta-feira, fevereiro 28, 2019

KALUMBU AO PÔR-DO-SOL

(Tentativa de descrição) 
Kwanza preguiçoso de tanta caminhada, Citembu-Lwanda-Atlântico. Distância já pouca. À beira, riqueza também pouca, apesar de margens largas, humificadas e propícias à agricultura e pecuária. É assim, do Dondo, velha cidade por muitos descrita e de muitos conhecida, ao desembocadouro.
Kalumbu assiste ao pôr do-sol de um dia de Fevereiro, antecedido por farta chuva. Sobre as águas translúcidas do Kwanza, uma porção, não pequena,  de plantas aquáticas (herbáceas), que quando paradas escondem peixes e jacarés, desliza flutuante, rio a baixo.
- Quê aquilo?
- É ngandu
- Nûé ngandu. É capim!
- Capim, assim enrolado? Toma cuidado. Às vezes inimigo se esconde no capim para jantar pessoa.
Lá, mais ao fundo, era outro o diálogo. Gentes doutra margem, Kis(s)amistas, negócio aviado. Ao fim da tarde é só despacho.
- Canoa te cobra na vinda, pessoa e produtos. Canoa te cobra "igualimente" no regresso, pessoa e sobra de produto, que às vezes preço da travessia e ida e volta, duas vezes, é maior do que preço da venda. Despachei só já  "numa" mana que também tinha cara de sofrimento.
Para as vianenses o dia tinha acabado. 
- É hora de voltar e fazer a janta dos filhos e do pais deles.
Para os da margem kis(s)amista do Kwanza, o coração que é só um pensa na canoa e no preço da travessia, no jacaré que gosta se esconder no erva aquática que flutua sobre a corrente do rio calmo. Pensa ainda, o mesmo coração nos filhos das traquinices, se alguém "se aleijou" e pensa também no marido que pode encontrar já sem camisa, pronto "a se ignorar", depois de avultadas doses de katula mbinza.
Só as manas e mamãs, umas aproveitáveis conselheiras nas igrejas, outras desaproveitáveis e perdidas na cerveja barata, dizia: só as mamãs e manas de Kalumbu é que não se agitam com o morrer do sol, pois conhecedoras do wenji daquela praça, aproveitam comprar barato das senhoras da Kisama e revender às manas retardatárias de Luanda, hoje à noite, ou amanhã  de manhã, antes das agricultoras de verdade pousarem os kingombo, idingo, madimá, jimbiji nyi ima yoso!

Publicado no jornal Nova gazeta de 28.02.19

sexta-feira, fevereiro 22, 2019

CHUVA NO MUSEKE É TAMBÉM alegria DO POVO

Quando chove, a avó pega o seu branquinho de três pernas, que chama de "mocho", e fica num canto a cachimbar ou a visitar as malambas acumuladas nos oitenta e tal anos que armazena no seu cabelo de algodão.
Avó Maluvu, manhã cedo, café simples, forte-fervido, açúcar kabucado, nem palavra nem sílaba. Apenas o branco do fumo que se dilui na brancura dos seus "jinvi".
Palavras, apenas quando o neto Miguelito lhe vem chatear com conversa fiada de "avô, chuva é crugulema?" E a avó passeia pela memória para formular uma resposta repleta de imagens amontoadas ao longo do tempo, desde a sua meninice aos dias de hoje, já sem força nas inama, mas com nguzu ainda no cérebro. E pensa:
- Tirando o barramento da passagem nos becos estreitos e os carros que, às vezes, sujam quem de roupa branca se dirige à igreja Tôco, quem que disse que chuva nos musekes só trás problemas? Quem quenhê que disse?
Então aquela "divertição" de ver as moças bangonas nos outros dias, a não dar confiança nem na mãe que lhe lavou machachala, nos rapazes do bairro já é mais pior. - Xê, num falo contigo, se cunhecêmos aondiê?! Dizia, quem que disse é problema ver aquelas moças todas, com mataku enfiados nos calções das irmãs kasule, a acarretarem água dos quintais para deitar nas ruas; as mamãs, com os panos até ao diafragma, a sufocarem as mamas xuwetadas, tipo chinelos que esqueceram no óbito, também ajudando ou avançando com o matabicho de peixe matona com batata doce; os papás com calções de ténis a dar ordem aos mizangala para tapar os buracos nas ruas ou a remendar as casas "prejudicadas" pela chuva nocturna ou ainda a podar as trepadeiras que lhes cercam os quintais...
- Quenhê que disse que chuva no museke não trás alegria aos kanuku que jogam a bola de trapo ou borracha, despreocupados com a surra por vir, depois de anodoar a camisola da igreja ou rasgar os sapatos da escola? Quenhê que disse, menino?! CHUVA NO MUSEKE É TAMBÉM alegria DO POVO!
Publicado no Jornal de Angola a 03.03.19

sexta-feira, fevereiro 15, 2019

MORNA PAIXÃO


 Nas terras de Chernenko, Staline, Lenine e Putin, os amores são sempre à primeira vista. As pernas negras do underwear (meias de vidro) sobreposto à carne amarela duma "donzela" fazem pensar numa negra da Kibala, recortada como viola que alimenta noites dançantes de xirimina.
A comida nos restaurantes também. Cereais que nos levam ao Kunene da masambala (milho miúdo) tem mesmo sabor de arroz e dizem ser do melhor que há em emprestar saúde ao corpo africano dilace...rado de maleitas e pragas.
O pão banhado em leite e passado na frigideira, sem óleo, é outro encanto... Mas então, o que não encanta aqui se a matemática aplicada à construção é à medicina (quem diria?) também faz milagres e motiva estudos para melhor compreensão e, quem sabe, réplica, lá na banda?
Tudo encanto para quem desfila a praça pela primeira vez, excepto os brutamontes de alguns czarianos que se julgam seres superiores na nossa idiossincrasia de pensar.
É cultura deles, cultivada já séculos, no relacionamento com outros. Até nos edifícios são imponentes e mostram essa grandeza de estar e de Estado. Apenas o tempo nos leva a entranhar essa forma de estar, pensar e agir e copiar-lhes os bons modos, aqueles aplicáveis à nossa secularidade, aos nossos mores.
Mas voltemos ao amor e paixão à primeira vista. Quem nunca a sentiu? Se ainda, tem tempo e não precisa ter pressa. Camões, o kawoyu da nossa metróia, escreveu "a paixão é como fogo" porém ela queima sem mostrar chama. Sim, isso mesmo. O duro é quando essa paixão começa a perder o furor, a chama... O que era doce perde a sacarose, depois ganha sabor acre e salgado. Assim está o pitéu. Um desencanto ao quarto dia. O estômago começa a inviabilizar o desfile. É outra a praça querida. É preciso andar, mudar a rota, buscar por ofertas alteres ou encontrar outros gostos, antes que a Sibéria tome conta do rol.


Publicado pelo jornal Nova Gazeta 2018

sexta-feira, fevereiro 08, 2019

UMA VISITA INUSITADA

Que as abelhas seguem perfume, já é há muito sabido. Por isso, os prospectores mineiros devem ser parcimoniosos no uso de perfumes, evitando os odores mais activos, para não atrair o insecto do mel.
Conta-se que numa mina de Moçambique, as abelhas não deixavam entrar os prospectores africanos recém-licenciados na Europa, por estes pretenderem apresentar sempre "bem-cheirosos" e distintos do normal operário que sempre habitou o interland. É outra conversa.
Do que não sabemos ainda, é o que as rãs seguem dos homens. Será o seu espaço invadido? O conforto da temperatura alterada por meios artificiais, em contraposição ao clima natural e exterior?
O hotel em que decorre a prosa é zambiano, na zona chick que acolhe os hotéis mais vistosos e visitados, chopings e outras valências modernas como o Chicago, um casino-bar que acolhe noctívagos e apreciadores de "boas carnes" e quejandos.
O andar, para espanto, é o quarto. Estamos a falar de 12 metros, mais ou menos. A entrada do hóspede foi às 22horas. Se quem entra move a maçaneta da porta, a partir do corredor, é líquido que o batráquio, às 22 horas não estava lá atracado. Só podia tê-lo feito no silêncio da madrugada.
Foi ao sair que me deparei com o que outros chamaram de "inusitada brincadeira entre eu e o jovem da limpeza".
Aberta a porta do interior do quarto ao exterior, é ao fechá-la que me deparo com o que se parecia a um boneco de borracha em forma de rã. Aproximei-me, sem medo de bicho qualquer, e reparei que  "a borracha"respirava. Era sim uma rã viva e saudável que brilhava à luz artificial no corredor alcatifado.
- Porra! Que brincadeira é essa?! - Soltei malicioso sem se fazer ouvir.
Subi ao nono andar, para o matabicho carregado, para não mais o estômago reclamar almoço. Desci novamente ao quarto andar, apenas para confirmar se o visitante se tinha ido embora ou se aguardava por uma outra diligência menos amistosa.
Chegado  à porta 433, lá estava ele, o batráquio, quieto como criança sonolenta. Foi então que chamei pelo jovem que cuidava da limpeza.
- Hello! Please, come here to see any thing. (Bom dia, venha cá, por favor, para ver uma coisa).
Aliás, o jovem já tinha  limpado todos os quartos anteriores e posteriores, deixando o meu por limpar.
- Então, jovem? Já viu o que está na porta? Falei num inglês arrojado.
- Yes I saw. I think it was a toy and you did not wanted be disturbed (sim, eu vi. Julguei que fosse um brinquedo a indicar que não queria ser perturbado).
- Leve, seu bicho, por favor. - Ordenei em meio de um sorriso leve.
Depois de umas tantas voltas, verifiquei que a área frontal e lateral do imóvel hoteleiro era propícia a acomodar rãs e semelhantes, dada a relva e humidade. Porém, a parte traseira do edifício era cercada por lojas cobertas de chapas metálicas, que elevavam o calor.
Ela só podia estar a seguir a regulação do calor por via induzida. E, sendo a rã um bicho de salto alto, era normal que num só esforço atingisse o quarto andar!

Publicado pelo jornal Nova Gazeta a 15.11.18

sexta-feira, fevereiro 01, 2019

PITÉUS NA SOYUZ

Entre "kudyatende e katleta" é melhor pedir SPACIBA.
A falar Português, ainda consegui passar o "tira água". Já no inglês, estava no "mais pior". Quanto ao Russo, makanya. Não passava do "piva, karashô, nasdaróvia, rhui, kurva, samalhiot e pravda. Em Moscovo para passeio, nessas maluquices que, às vezes invadem a cabeça de pobre com dinheiro, Manelito meteu-se num restaurante. Chique de roer e lamber os dedos na hora da janta. Uma kindoza, já de idade um pouco avançada, fazia gemer com seus dedos delgados o piano que se achava na sala, vasta, arejada e redonda. As melodias não conhecia, porém, a harmonia fónica fazia-o viajar por todos os lugares de elegância refinada que ia conhecendo. Manelito já nem sabia onde estava, se em Paris, Veneza, Nova Yorque, Macau, Tóquio ou Abu-Dabi. Viajava a cada dedilhar da velhota. E não era só no pensamento. Era mesmo o corpo todo a experimentar a contemplação do belo que era aquela polifonia.
Na hora do pitéu, sem a utilidade do seu Kimbundu materno, sem um dicionário que lhe quebrasse o galho, olhou à direita, à esquerda e aos jovens atendedores, garçon e garçonete, com finura no falar e até no andar.
- What is this? - Indagou.
- Kudyatende. - Recebeu oralmente.
- Kudya kê? Comer ditende, eu?... (comer lagarto, eu?) Entre pura coincidência fonética e ou semântica, preferiu guardar a indignação.
- É melhor ir perguntando. Quem sabe dessa língua escura na interpretação apareça algo que dê jeito?! - Continuou, já agora, a olhar para a garçonete:
- Please, what is this? Perguntou, olhando para um manjar acabado de servir a um vizinho de mesa.
- Katleta. - Respondeu ela, toda delgada.
- Atleta pequeno?! Na minha banda o "ka" é diminutivo. - Pensou. Assim isso que parece carne moída, forrada com pasta de ovo é carne de atleta ou para atleta? Ficou só pelo pensamento pois receava haver na vasta sala um lusoglosador que podia chacota-lo. Ficou-se pela sopa, que sabia pronunciar, seguido de um "Spaciba!"

Publicado no jornal Nova Gazeta de 21.02.19
Publicado pelo Jornal de Angola de 31.03.19