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sábado, junho 20, 2015

EM BUSCA DO FUNJE QUE ME CRIOU


Um gajo na terra dos outros, mesmo que saiba falar a língua deles, sofre. Sofre por desconhecer os nomes dos “jangutos”, por desconfiança que se apercebam que és estrangeiro e te armarem uma arapuca, sofre porque viver uma “vida mulata” de curta duração, sofre com o frio ou calor se calha em viajar num período de clima inverso ao deixado na banda, sofre até com a falta de buracos, lixo nas estradas e canos de água rebentados a jorrarem a toa por tudo quanto é canto. Há países em que você vive bem mas sofre com a saudade das coisas boas e más da “matherland”. Passou-se comigo nessa curta escala pela terra do vovô Mandela.

Cansado de peixes, frangos e carnes adocicados e ajindungados servidos nos restaurantes e nos aviões, fui procurar numa esquina próxima ao Sundton Conference Center, zona chique de JOBURG, algo que se parecesse aos nossos pitéus angolanos. Setenta e duas horas sem “funjar” é um record a que só me submeto quando estou mesmo “na estranja”. Em casa não. Lá é o funje, sejam quais forem os molhos, quem mais grita. Aliás, o nosso funje é patriota e revolucionário. Não foi ele que nos aguentou e ainda nos vai aguentando quando o arroz e maça da importação falhavam nas lojas? Por isso, onde quer que eu esteja tenho sempre uma reinvenção da estrofe do célebre poema de Agostinho Neto: “Ao nosso funje, havemos de voltar”!

Nas proximidades de Sundton Conference Center as ruas estavam apinhadas de polícias com carros blindados. Sozinho, naquela rua com magnatas que chegavam minuto a minuto e alguns acompanhados de batedores, senti-me perdido para ir ao Nelson Mandela Square e conseguir os Rands para reforçar os "cheiros à maneira" e procurar um pitéu de verdade.

Verdade se diga, cheguei à conclusão de que o angolano cheira bem e não é a toa que quase todas as “mboas” do Shoping me estavam a colar que nem mosca na coisa.

- Hello, how are you. I have same thing nice for you. - A mboa, bué ancuda, fez um sorriso interesseiro e começou já, ali mesmo, a me "aproximar" para ver se me kasumbulasse uns dodós, só que ela se enganou mbora com a cara da pessoa. Os dodós que ela queria me tramankaram ‘mbora com eles há três semanas...

- I can´t speak english. - Defendi-me, procurando afastá-la.

A mboa até não era tutu, tutu, quando comparadas com umas aí que conheço, mesmo na “Ngimbi”. Mas ela queria é o meu “kumbú” ou confirmar se eu era estrangeiro “bunfunfado” para mandar me tramakar, sei lá mais quê.

- I can help you with my Google translater sound. - Voltou a atacar, tentando encontrar alguma fraqueza do meu lado. Mas eu, um gajo viju, com trinta anos a viver na Ngimbi não fui na conversa e comecei a fazer ouvidos desinteressados.

- I have no money. - Voltei a defender-me e sondando já por onde sair voado. A kindoza tentou ainda contra-atacar-me com o "but you smell well and dress like a government in a conference". Se era verdade ou mentira é já com ela. O que fiz foi dar uma de às e zarpar dali. Era hora de ponta e o Shop começava a apinhar-se de gente. Já tinha dado umas tantas voltas e não tinha encontrado a casa de câmbio. Também não dava para bandeirar. Os mwadyes podiam ainda pensar que um gajo é “mbalu”. Desculpei-me com o "Sorry, I have to go, mum", ao que acedeu, embora relutante e procurando mais prosa. Bazei.

Mal cheguei à esteira rolante, um outro tipo, que me recordou os “enganadores” do finado Roque Santeiro, abordou-me empunhando uma pasta e um pequeno embrulho que tinha uns mambos tipo anel ou outras joias: "Please brother. I have something very nice foy You". - Disse ele, abrindo a sacola e retirando um pequeno embrulho avermelhado em que se supunha estar o tal "something very nice fou you". - Respondi-lhe com um soletrado "I can not understand you because I no speak english". O “manga” ainda tentou insistir, acompanhando-me até ao fim da escada, mas eu apanhei a outra e continuei a trepar o edifício, somente de abuso. O indivíduo regressaria ao piso inferior para domar outra possível vítima, normalmente estrangeira e desavisada.

- Vai rezar caçar noutra coutada mazé, pá! – Disse para mim mesmo.

Era já a minha quinta volta e no sobe e desce, ora caminhando sobre escadas outra indo na boleia do tapete que, afinal de contas, faz muita falta a quem esteja cansado, a procura do “changing post”. Abro um aparte para questionar por que as nossas poucas instituições com aquele meio de transporte entenderam aposenta-lo antes mesmo da maturidade.
Na tentativa derradeira, encontrei o "changing post" e lá consegui uns poucos “Mandelas” que me levariam a caçar a funjada ou um parente próximo do pitéu que me fez crescermos. E não é que encontrei mesmo uma funjada de carne assada? Até os pólices de JOBURG abandonaram os postos (ou aproveitaram a renda) e foram se lambuzar com as mãos no sítio em que os rastas e outros artesões realizavam a feira de artesanato para os "foreigners se desdolarizarem” e levarem estórias do país do arco-íris para a casa. Só não consegui é fotografar os magalas a pitarem, sem vergonha e nem receio (como acontece por cá, entre as nossas gentes que se faz passar por europeus quando nunca sequer passaram o estreito de Gibraltar), a sua "papa and beef". E o canal entre o prato e a boca eram mesmo os dedos, sem kijila!

- How much this food? - Indaguei estrategicamente na ignorância do nome real do “janguto”. Porém, como azar não custa, a senhora que me atendeu na roulotte colocada sobre o passeio, lançou-me um "wich one"? Só que o “mwangolê” é vivo e, sendo libolense, um pouco mais ainda.
Encostei-me à roulotte, quase sentindo a sua quentura e engolindo aqueles cheiros que faziam um cão faminto fazer das narinas uma nascente. Fiquei entre um polícia e um kota negro, fininho, que tinha os cabelos penteados para trás e que falava uma língua distinta do inglês. Eles têm perto de dez línguas oficiais, entre as de origem africana e europeias. Reparei rapidamente nos dois pratos que a “mboa” acabara de servir e apontei ao que tinha uma pasta branca feita a base de farinha de milho.
- This one. Estiquei a mão para que mais dúvida não houvesse. E para que a sul-africana não desse conta do meu sotaque e da minha pobreza lexical, lancei de imediato um "how much"?
- Thirty Rands. If you want Coca, must pay fourty one rands.- Fiz as contas rápidas e saquei uma cédula "cabeça grande" que já tinha o “ngimbu” a sair da algibeira.
Levei o marmitex ao hotel, que ficava a vinte metros, onde, também com as mãos, para não ofender Shaka Zulu e seus ancestrais, devorei o conteúdo com o polegar, indicador e o dedo médio da mão direita. E soube a Libolo, nos tempos da minha infância. Só faltou Xxila!

Obs: crónica publicada pelo Semanário Angolense a 04 de Julho de 2015.

segunda-feira, junho 15, 2015

terça-feira, junho 09, 2015

A DIFICULTADORA DO FÁCIL


Em 31º lugar, do Top 100 Grandes Sul-africanos, Oliver Reginald Tambo, nascido em 1917 e Falecido em 1993, foi um político anti-apartheid sul-africano e figura de destaque do ANC) que lidera o país do arco-íris desde a queda dos segregadores de Apartheid. Tambo e Nelson Mandela foram membros fundadores da Liga Juvenil do ANC que em 1943 decidiu passar das simples petições ao governo segregacionista aos boicotes, desobediência civil, greves e a não-cooperação, valendo-lhes várias reprimendas de um governo agressivo, sem compaixão e que pretendia ver o negro sul-africano sempre debaixo da bota da minoria branca.
Ao "homem do Cabo Oriental" os Sul-africanos homenageiam com a atribuição do seu nome ao imponente aeropoerto de Joanesburgo. Se não fosse a manha duma conterra mwangolê duma empresa prestadora de serviços à SAA, teria tido uma viagem despreocupada. Tudo à hora, sem o “talvez” de outras companhias, algumas de bandeira.
Mal eu desconfiava que aquela cara tristonha tinha alguma surpresa desagradável e não tardou mandar-me pôr a mochila à balança.
- Deve ter apenas entre oito a 10 quilos, procurei convencê-la ao que não foi na cantiga.
- Está bem, vamos pesá-la e depois saberás se é para despachar ou levar em mãos.
Dez quilos batidos, sem mais nem menos gramas. Convencido de que levaria comigo a mochila, a moça corta o ticket de bagagem e põe  a mochila a rolar para o despacho.
- O voo será pequeno e por isso são permitidos apenas oito quilos. - Argumentou sem convicção.
Fiquei bwamado. - Oito quilos? Nem já no avião do meu serviço que é embraier 145 despacho esssa mochila. Será que a SAA vai voar hoje com Kazabula? - Questionei, sem que dela obtivesse resposta plausível.
- Moço já disse que é avião pequeno. Se tem computador tira já a mochila vai ser despachada. - Disse possuída de poder e arrogância.
 Dei meia volta e comecei a marcar os passos em retirada, procurando sorver um ar fresco que me oxigenasse a alma maltrada. Dentro de mim, à medida que fui pensando na figura cujo aeroporto me receberia quatro horas depois, vieram-me também ideias sobre como seria aquela moça se fosse uma branquela, filha de boers, no país do sol nascente e no tempo em que Mandela, Walter Sisulu e Oliver Tambo desafiavam os cassetetes e as balas dos opressores. Teria sido, com certeza, mais uma das que não se cansaria de lavar as mãos de sangue alheio. Preferi chamá-la apenas nas minhas viagens ao pensamento por a dificultadora do facilitado, nome que lhe cai à medida.
...
Continua
...
Obs: crónica integral publicada pelo Semanário Angolense de 21 de  Junho de 2015. 

segunda-feira, junho 01, 2015

A CAPITAL ESCOLHIDA POR "MANO ANTÓNIO"

Nunca entendi por que razão Agostinho Neto escolhera Lucapa como "futura" capital da novel província criada em 1978 e por que a nova centralidade foi erguida no Dundo, mais distante de Luanda, do que Lucapa. Nem cheguei a descobri-lo nessa primeira entrada na "penúltima cidade do nordeste". Apenas pude contemplar a exuberância da planura do espaço que "mano António" quis como capital da "Lunda wa kusangu". Um espaço que se estende de norte a sul e do leste a oeste afundando-se em ribeiros que tanto supririam a cidade de água potável, como conduziriam as descargas pluviais aos afluentes do Nzadi até chegarem ao grande "kalunga lwiji".
- Bom dia, mano. A viagem está a correr bem? - interpelou o policia.
- Sim , chefia. Respondi-lhe com atenção. Mas ele se dirige ao lado oposto e coloca as mesmas perguntas aos meus passageiros.
- O mano não abre a boca? Questionou o policia ao meu acompanhante que ocupava o assento traseiro.
Lembrei-me que era um teste para se certificar se éramos nacionais ou não, sem que fosse necessário pedir os nossos documentos de identificação. Provoquei uns gracejos e os meus dois passageiros abriram as bocas, ensaiando um português sem sotaque afrancesado.
- Podem seguir. Boa viagem. -  Ordenou o polícia, três riscos em cada ombro, ao que obedeci.
Minutos depois cruzávamos Lucapa ...


Nota: Texto integral publicado no Semanário Angolense de 05.06.2015.