Translate (tradução)

quinta-feira, agosto 29, 2019

QUANDO ADMINISTRAR WHATSAPP É VANTAGEM

Nas grandes cidades, como Luanda e Sumbe, "mijam" os governadores nelas estão instalados, não sendo, contudo por todos conhecidos. Assim também é nas sedes municipais. Quem "mija grosso" é  o administra-a-dor.

Man-Barras, considerado "um organizador" da polícia de viação e trânsito atendendo aos novos ventos que nos sopram a partir da Colina de São José, em Luanda, foi transferido de uma cidade para outra com tal propósito de organizar e baixar os níveis de sacarose contidos na "gasosa". Tão  grande era a sua fama e o temor que os automobilistas sem carta ou com carros indocumentados tinham dele. Man-Barras, homem vertical, sempre cabeça rapada, uma Barrabás. Gasosa para ele era algo com "sal e veneno", daí que, a quem estivesse em falta, mais valias entregar-se, confessar e levar a multa ou ser encaminhado à cadeia, se fosse cado disso, do que procurar subornar o novo chefe da policia de transito do Lubolu que fazia questão de trabalhar diariamente duas a três horas no terreno e sempre em pontos distintos.

Mangodinho que vivia na aldeia de Pedra Escrita, embora mesma subscrição administrativa,  não conhecia ainda Man-Barras nem esse a Mangodinho. O calhambeque de Mangodinho, um "acaba de me matar" de cor azulada e matricula AMF, e ele mesmo estavam documentalmente em dia. Livrete, título de propriedade, piscas e faróis, stop e travões,  taxa de circulação e seguro contra terceiros, tudo. Mangodinho não gosta de kavwanza e prefere pagar muito mesmo que tenha de usufruir pouco.
- Mais velho não se pode mais meter em encrencas.- Costuma afirmar nas conversas com os  jovens da aldeia.
Estava tudo em dia, estava! Mas, ao sair apressado de casa, se tinha esquecido da pasta que continha os documentos todos.
Pelo caminho, tinha já deixado uns cinco postos policiais. No Lubolu é como no Longonjo. A polícia monta postos de fiscalização de cinco a cinco quilómetros. Felizmente,  sendo um mais velho e um carro conhecidos, não  foi parado para as devidas averiguações. Porém, a  entrar, quase-quase, em Kalulu, lembrou-se que ali "a coisa era mais diferente e custosa". Enfiou a mão no porta-luvas para confirmar se a pasta estava lá e a mão  voltou vazia.
Os documentos ficaram. Ficou com as ideias a gira-girar.
- Regresso? E se encontrar uma malandro que me mande parar? Avanço? E se me encontrar com o novo chefe da polícia de trânsito que dizem nem gasosa bebe?
Decidiu avançar e confiar no socorro intangível de seus ancestrais e nos apelos aos santos e arcanjos cristãos  que já ouvira falar.
- Vou só. Já andei 58 quilómetros e só me restam 2 km. - Decidiu e assim agiu.
Para a sua desventura, era Man-Barras quem estava no "controlo" de Kambuku.
Mangodinho atrapalhação entrou-lhe nas pernas e nos cérebro. Pior é quando você sabe que está  em falta.
Estacionou diligente o mais próximo da berma, sinalizando antes a operação,  mesmo não tendo veículo  nenhum à sua rectaguarda.
Quando o chefe Barras o ia abordar, eis que apareceu um sub-chefe de motorizada, de quem Mangodinho era amigo desde os tempos da escola  Kwame Nkrumah e com quem trocava mensagens regulares via grupo whatsapp.
- Então,  camarada administrador, Como está? - Saudou Velhinho Toneco, o sub-chefe da polícia.
- Bom dia camarada Velhinho.
- Como está  a nossa comuna da Munenga? - Indagou de novo o polícia, pronto a partir, deixando o seu superior fazer as averiguações a Mangodinho.
Nisso, Man-Barras julgando tratar-se do administrador comunal da Munenga, apenas se limitou a abrir a cancela e fazer a habitual vênia.
- Boa viagem e tenha boa reunião, Senhor Administrador!

terça-feira, agosto 27, 2019

EXPLORAÇÃO DE TRABALHO INFANTIL NA BAIXA DE LUANDA

Os rapazes e algumas raparigas que vendem água, refrigerantes e algumas bugigangas pelas ruas da cidade de Luanda nem todos e nem sempre o fazem para ajudar os pais, dada a precariedade financeira dos progenitores e/ou tutores. Entrevistei alguns, na Rua Direita de Luanda, e soube que "o negócio é do patrão" que paga ao fim-de-semana uma quantia módica.

Quanto à origem dos mesmos, é diversa: Namibe, Huila, Huambo, Benguela, Bié e até Kwandu-Kuvangu.
Uma boa perícia pode apurar quem são os que "abusam" estes memores, expondo-os a todos os sóis, sede, poeria e fome, bregando pela sobrevivência, num ambiente em que proliferam malfeitores.

Nesta, terça-feira, 27 de Agosto, um desses meninos, recém-chegado dos gambos, onde provávelmente seus pais terão perdido o gado que ele ajudava a pastorear, foi vítima de um futo. Um "diamporô" exibiu Kz 2000, pedindo 4 refrigerantes (ao preço de cada Kz 100) e o respectivo troco de 1600. Sem que tivesse entregue a cédula de kz 2mil, deu Kz 100 ao rapaz para que fosse comprar um saco para ele transportar as ditas gasosas. Desavisado, o rapaz foi à procura de saco e quando voltou ao local em que deixara o cliente e a mercadoria, "só encontrou vento". O aludido comprador, bandido de primeira hora, pôs-se ao fresco.

Se é preciso "caçar" os bandidos todos que inundam Luanda, é, de todo mister, que se chegue, de igual sorte, aos exploradores de trabalho infantil, que podem também ser raptores de menores para as usar como "mão-de-obra escrava".

quinta-feira, agosto 22, 2019

SONGO NA ESTRUTURA DA ALDEIA RURAL TRADICIONALISTA

  (tentativa de descrição da divisão político-administrativa da aldeia rural tradicionalista)
A vertente "positiva" da divisão político-administrativa do Estado angolano, apresenta-nos o país subdividido em regiões (norte, sul, centro e leste e costeira/oeste), províncias, municípios, comunas/distritos urbanos, cidades, sectores/zonas, quarteirões, aldeias, etc.
Olhando para a organização do que foi/é o potentado de Kuteka, nas margens do Longa, abrangendo territórios adstritos à comuna de Munenga (Libolo) e comuna de Dala Cachibo (Ndala-ya-Xipo, município da Quibala), noto que o soberano (designado rei) exerce poder sobre as aldeias de Hombo, Mbango, Kabombo, Kipela(?) e Mbanze (a capital), podendo cada aldeia ter outras aldeolas (unidades dependentes e de menor aglomeração populacional), podendo ainda subdividir-se em sectores residenciais ou zonas, também designadas (no caso de Mbango) por "songo" (comunidade afectiva).
Sendo "songo" a menor unidade de organização territorial nas comunidades rurais tradicionais, pode equivaler, quando comparada com a comunidade urbana, a bloco ou quarteirão.
Na antiga aldeia de Mbangu-yo-'Teka (Mbangu-de-Kuteka), Kinhendu, Kitinu, Kabota e Zawlena Kilombo, todos parentes próximos eram do "songo/quarteirão" de Ketele, enquanto outros aldeões como Kyuma Albano eram do Nguya.
O "songo" é/era fundado na base de um parentesco mais intrínseco (consanguinidade e/ou amizade pura), credo (religioso ou animístico), origem migratória, ocupação socio-profissional (pescador, caçador, etc.), entre outros quesitos, não estando dissociado de um todo que é a aldeia, unidade administrativa do potentado (reino).
Nessa reflexão/busca, trago à colação um extracto do cancioneiro popular que cita:
"Bu songo yeto twoso twatata, kabwete otuxitila, so tulizek'ayo" (no nosso sector/comunidade todos somos homens, não há quem moa fuba, por isso passaremos noite com fome).
Um exemplo da ex(pers)istência de "songo" é encontrado na aldeia de Pedra Escrita, no Libolo, que cresce por via da migração de povos de aldeias afastadas da via asfaltada para essa, com destaque para os povos de Kuteka que, regra geral, erguem as suas habitações ao lado dos primeiros emigrantes da mesma procedência. Assim, quem se dirige à Pedra Escrita e procure por alguém que tenha nome redundante é questionado sobre a origem do procurado.
Explicando, por exemplo, que "procura pelo domingos do Mbangu" torna-se fácil ao "cicerone" percorrer mental e visualmente o "mapa da aldeia e suas sub-unidades/comunidades" e passar uma informação assertiva.
Voltando ao "Estado" tradicional de Kuteka, verifica-se que o soberano (Kañane ou Phela) exerce poder sobre a população das aldeias acima citadas, e estas possuem jurisdição sobre as terras (cultiváveis e não agricultáveis, montanhas, florestas/muxitu), rios, coutadas para caça, etc. Os limotes do potentado são físicos (acidentes naturais) mas conhecidos por toda a comunidade, sendo sua invasão por estranhos (sobretudo em termos de caça) passível de multas.
O povo desse potentado internaliza aspectos comuns como língua, credos e um sistema de jurídico-administrativo próprio.
Importa aos historiadores contemporâneos resgatarem esses relatos histórico-sociais e político-administrativos das nossas comunidades para que se possa compreender a genesis da estrutura e organização das comunidades rurais tradicionalistas do nosso país.

Publicado no jornal Nova Gazeta a 30.05.19 

quinta-feira, agosto 15, 2019

O KASIMBU DA MINH'INFÂNCIA

Naquele tempo, Setembro era o mês do retorno à escola, depois de três meses de "licença". Por isso, Maio, mês do início do Kasimbu (cacimbo ou estação seca) que se estende até Agosto, era o mês das provas finais de conhecimento e exames. 

Chegado o mês das férias prolongadas, os que atingissem a idade da circuncisão (no Libolo, era normal dos cinco aos dez anos, podendo acontecer, excepcionalmente, antes ou depois desse intervalo) estariam a contar os dias (se cônscio disso) ou à espera de serem surpreendidos pela chegada do "mestre da faca afiada". Os mais crescidinhos, já talhados para a caça, começavam a preparar os instrumentos de caça (por queimada de capim), a alimentar os cães e a consertar as alparcatas. Nalgumas casas e famílias, kasimbu é período de conduto abundante, dado que os rapazes estão libertos da escola e empenhados em mostrar toda a sua mestria na fabricação e montagem de engenhos ardilosos para capturar tudo o que se mova e que os hábitos alimentícios admita à mesa: puku, ngwari, kandimba, hima, xiwe/kambwiji, ngwingi, hala, kezu, ngulungu, kyombo, moma e toda a sorte de viventes terrestres, aéreos e aquáticos.

Os que se tenham dado bem na escola, alguns eram presenteados com viagens a uma aldeia mais vistosa ou a uma capital qualquer: a sede comunal, a sede municipal, a capital provincial e, se os pais mais pudessem e quisessem, a capital do país. E quando voltassem à aldeia natal, era recorrente dos viajantes a expressão:

- Ewo, mu Luanda Uwabeee! (quão linda é Luanda!)

E contavam-se cenas de roer as unhas para quem nunca tinha deixado a aldeia nativa, umas verdadeiras e outras de enfeitar a línguas e os ouvidos da audiência. Faziam-se círculos, dias sim, dias sempre, para ouvir os aguçadores de curiosidades contarem estórias até que outras cenas ou motivos se sobrepusessem.

- Quão linda é a cidade!

Na estação seca, rios com menos água e menos alimentos para a vida aquática, mais faina nas nassas (muzwa) carregadas de dendém e outros restos que atraem os cardumes às armadilhas. Outras quantas vezes, rios barrados ou recortados pela escassez de pluviosidade, cestos preparados. Mulheres, crianças e adolescentes valentes. Os homens adultos têm a caça, numa comunidade com papéis socias bem distribuídos, como actividade distribuída. Cascas de árvores trituradas e ervas ou folhas entorpecentes como "twa" ou "kalembe". E o peixe em área delineada e circunscrita de um trecho de rio ou lagoa flutua ébrio para garfadas alegres, noite adentro e manhãs seguidas.

Com a realização das picadas à volta das fazendas e das lavras (para que fogo posto ou acidental não devore o fruto do trabalho árduo de todos os tempos) e depois das queimadas, iniciava-se a preparação do ano agrícola.
 Preparar o "kibembe" (terreno que esteve em sistema de pousio) para o milho, a batata-doce, o feijão e a jinguba. 

Ainda durante o kasimbu (cacimbo) os deltas dos rios e outras partes mais baixas (sem que haja rios) chamadas "kitaka ou naka" ganhavam o verde da rega. O cultivo de hortaliças acontece com maior intensidade no período de estiagem para os campos altos e rega nas zonas ribeirinhas. E o milho, a jinguba, a batata, o tomate, a cebola e alho, enfim... tudo volta, mesmo sem chuva!
 
Publicado no Jornal de Angola de 09.06.19

quinta-feira, agosto 08, 2019

A ORIANA DE ENTRECAMPOS

A Camponesa é uma "tasca de esquina" (Av. 5 de Outubro, 347, 1600-035, Lisboa), cuja sinalética aponta como sendo "Pastelaria, Cafetaria e Snack Bar". Localizada em Entre Campos, a casa está sempre apinhada, apesar de ter (diga-se) espaço de acolhimento interior minúsculo (para o número de frequentadores), mas sempre bem arrumado de forma a poderem nele caber mais pessoas sentadas.
À entrada, no largo passeio a olhar para a estação de comboios, um sombreiro acolhe os utentes que preenchem outras mesas com cadeiras. É, normalmente, aqui que se sentam os fumadores e aqueles que ficam por uma bica.
Mas quem faz "A Camponesa" encher o recinto e os bolsos?
Há uma jovem que trata todos os angolanos que adentram o espaço por tio. A jovem simpática que corre de um lado ao outro, conversando e atendendo com mestria, é Oriana e é angolana. Ela sabe quando intervir e quando deixar os clientes em paz. Conhece as dores e, às vezes, age como bálsamo.
Diz que "ganha pouco" mas a sua simpatia cativante, que faz o espaço encher, proporciona-lhe alguns cêntimos de euros que, ao longo do dia todo, podem pagar uma refeição.
Quando perguntada "se não se cansa e não tem tido dias tristes", Oriana apenas responde:
- Gosto do que faço e com o sorriso que vocês dizem que esboço encapuzo as minhas mágoas.
Essa jovem angolana, há mais de 15 anos em Lisboa, habituada a ter o cliente como a razão do seu trabalho e de seu sustento, bem podia ser modelo para muitos empregados em hotéis, restaurantes e similares em Angola, que fingem trabalhar ou que erradamente pensam que fazem favor ao utente/cliente. É uma pena que Lisboa "fica longe" e a Oriana uma apenas, embora se possam encontrar em Portugal outros bons profissionais do ramo da hotelaria, idos de Angola, dada a vocação turística do país.
Pessoas como a Oriana devem ser contratadas para formar (formal ou informalmente) angolanos que trabalhem no nosso país nesse segmento de negócio, de modo a conferir qualidade ao serviço que as nossas casas prestam. É que há muito a ciência empresarial comprovou que para ter uma boa clientela (grande e regular) não basta a qualidade inferida do produto. O serviço tem de ser de elevadíssima qualidade, sendo que esse desiderato é atingível apenas com pessoas que tenham vocação, formação, que gostem do que fazem e que estejam comprometidas com o trabalho.
A Oriana mostrou que um bom atendedor de cafés pode, ao fim da jornada, ganhar mais do que um Ministro ou Deputado à Assembleia do Povo!

Publicado no jornal Nova Gazeta de 25.04.19 e JA de 19.05.19

quinta-feira, agosto 01, 2019

UM BIENO NA EUROPA

Enquanto escrevo essa prova, estou a pensar num jovem do Bié ensinado e educado a cumprimentar tantos quantos encontre.
Wandalika está no aeroporto de Viena, à tarde um formigueiro, a cumprimentar tudo e todos quanto vê, até estátuas e manequins nas boutiques.
- Mboa tarde, mano!
- Mboa tarde, mana!
Não atentos e nem habituados a tal, todos quantos percorriam os terminais do aeroporto pareciam-lhe mal humorados e deseducados.
Wandalika não deixava, entretanto, de os saudar amistosamente, tão pouco de reclamar pelo silêncio que recebia em troca:
- Ainda aqui são assim mal 'indixipilinados' por cá-di-quiê? Pessoa 'combrimenda' com toda vontade e ninguém 'arresponde'? Kalye aniña, pa!