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quarta-feira, dezembro 29, 2021

OS VEÍCULOS E OS PA NA VILA DO EBO

São raros os carros, na vila do Ebo. Mais comuns, embora também poucas, se comparadas a outras cidades e vilas mais movimentadas como Kibala e "Sela" (ex Santa Comba Dão), são as motorizadas. Essas parece que vão conquistar espaço, agora que a rodovia de Condé ao Ebo (vila) foi alcatroada.

Quanto ao combustível, parece não ser ainda um negócio muito rentável para o proprietário do Posto de Abastecimento, dado que um consumo lento leva tempo a terminar o negócio.
O grande consumo pertence à administração municipal que tem a missão de fornecer, para além do hospital municipal e serviços administrativos, também às poucas casas electrificadas que contribuem com um valor mensal de Kz 5mil. Esta, a administração, não recorre aos Postos de Abastecimento para atender a demanda dos seus geradores.
Note-se que a energia para o consumo domiciliar é fornecida apenas das 18horas às 23horas, quando não há chuva que interrompa a segurança da prestação do serviço.
Passeando pela rua longitudinal saída de Condé e que morre junto à administração municipal do Ebo (foi-lhe acrescido um traço de aproximadamente 100 metros, fazendo um T), vemos duas bombas de combustível: a do Bairro Dongo (na imagem) que é o primeiro, à entrada, e outro Posto de abastecimento, já velhinho, com as cores da companhia nacional e que, dizem, "raras vezes tem os líquidos combustíveis".
Mesmo assim, algo despertou a nossa atenção: o turismo que se vê na imagem carregado de recipientes de 20 litros que eram cheios e levados para Condé e outras paragens.
Seguindo o rasto, pudemos nos informar que, mesmo nas barbas da vila, há gente que não se apercebe que as bombas têm combustíveis, comprando o litro de gasóleo a Kz 200 e o de gasolina a Kz 250. É o mesmo preço praticado na circunscrição administrativa de Condé, que fica a 25 km, em dias fastos, subindo o preço para Kz 250 e 300 em dias nefastos.
Se calhar, fosse bom instalar mais um Posto de Abastecimento, nem que contentorizado, no Condé, dada a importância do vilarejo que se situa na rodovia entre Kibala e Gabela.
Longe do asfalto deve haver outras estórias!

quarta-feira, dezembro 22, 2021

DISTÂNCIA DESINIBE QUEM QUER TRABALHAR

Entre Kakuzu e Kizenga, está Kambunze, um sector administrativo com edifícios (muitos) em ruínas que mostram a grande e viva vila que foi em tempos idos, quando o comboio era o principal meio de transporte colectivo no corredor Luanda-Malanje.
Pelo que já andei desta Angola, há sedes municipais que nunca tiveram um conjunto de infraestruturas ao quilate de Kambunze. A vila está afastada uns 2 ou 3 quilómetros da rodovia asfaltada que nos leva a Malanje. Mas é a 30 quilómetros de Kambunze, a caminho do rio Lukala, que um mukwaxi¹ foi "plantar sua árvore", de cuja sombra espera abrigar-se quando se reformar definitivamente.
Diferente dos que procuram terras para cultivo somente ao pé do asfalto, o mukwaxi adentrou o sertão 30 quilómetros até encontrar terra com mais planura do que declives que lhe permitiram instalar pivots de rega.
"A agricultura de sequeiro é insegura e pouco produtiva nesses tempos de secas e estiagem", disse.
A água permanente e em abundância era outro desafio. Aproveitou as formações do relevo que permitiram construir diques em pequenas nascentes e ou zonas de possível retenção de água pluvial, como também foi ao Lukala, 12 quilómetros do centro da fazenda, para alimentar os pivots que já vão a dezena e meia.
Uma conduta de 500 milímetros alimenta os diversos tanques e diques espalhados pelos milhares de hectares. O bombeamento é feito por potentes dínamos, movidos à energia eléctrica da rede pública que fez chegar a todos os pontos do empreendimento.
Só de olhar para os investimentos em energia e água é de se lhe aplaudir a ousadia até rachar as mãos.
"Hoje pagamos uma factura mensal de energia que vai a volta de 4 milhões de Kwanzas, mas não a deixamos por liquidar sequer 24 horas, pois, quando comparado ao que se gastava em gasóleo e manutenções, é um grande alivio", confidenciou o gerente do Projecto Pipe que existe desde 2010.
A soja e o milho, às vezes comprados antes de ser semeados, são as culturas mais visíveis, mas há um pouco de tudo: mangueiras, morangueiras, bananeiras, abacateiros, citrinos, nespereiras e batateira.
O empreendedor apoia a comunidade local, organizada em cooperativas, que beneficiam de preparação mecanizada de terras e sementes melhoradas de batata-doce que cuidam e colhem, repartindo os lucros da venda.
"Nós empregamos nossas máquinas que cuidam de toda a preparação da terra e fornecemos as sementes melhoradas. Eles têm gastos com o plantio, sacha, colheita, transporte e venda. É só depois de descontarem os seus gastos que vêm para dividirmos os lucros", contou o gerente, acrescentando que "há agricultoras cooperantes que já compraram carrinhas, fruto desta parceria".
Difícil seria toda essa empreitada sem estradas interiores em condições. O que observámos foram picadas largas (perto de 20 metros) em manutenção permanente e com varias ramificações, conferindo conforto e segurança ao condutor e durabilidade aos meios rolantes. Se a distância entre Kambunze ao rio Lucala é de perto de 45 quilómetros, a malha rodoviária interna pode chegar aos duzentos quilómetros.
É isso que alegra a todos e fazem todos crescerem juntos. Ao contrário dos que se confinam à berma da estrada asfaltada, pleiteando terra escassa com os aldeões nativos, não há distância que impeça quem tenha vontade de empreender.
A vontade de fazer vence a mata cerrada e faz nela emergirem autênticas rodovias que invejam cidades litorais!
=
¹ Nacional, natural, local.
Foto: rio Lukala.

quarta-feira, dezembro 15, 2021

OS TECTOS QUE O VENTO LEVA

Andei por Malanje e Kwanza-Norte. Adentrei municípios, comunas e aldeias interiores, onde os passageiros de carros que passam apressados não se dão conta da existência de gente que trabalha, que devia estudar em condições melhores e que luta contra o sol, contra a fome, contra a falta de rodovias e contra o frio.

Em Kambunze (Malanje) e Ndanji-ya-Menya (Kwanza-Norte), só para exemplificar, vi imagens como esta (foto tirada na comuna de Ndanji-ya-Menya ou Dange ya Menha). Repare o tecto do equipamento social erguido pelo Fundo de Apoio Social, FAS. Ninguém faz nada?!
Como este vi muitos: mercados comunitários (em maioria), escolas e equipamentos escolares (alguns ainda com tinta fresca) estão sem tectos. Levado pelo vento, pelas mãos larápias ou por ambos?
E a comunidade vê e não reage? A autoridade do Estado inexiste? A administração local não repõe, quando é acção de força natural do vento? Não põe ordem com as forças para a manutenção da ordem, quando são mal intencionados destruidores de coisa pública quem arrancam os tectos?
É conhecido o destino de carteiras, quadros, secretárias, sanitas e outros meios das escolas sem cobertura?
É amparado o material médico de postos e centros de saúde visitados pelo vento e ou mãos gatunas de cidadãos que podem ser localizados e castigados à medida dos seus actos?
Infelizmente, tenho apenas olhos que vêem e mente que pergunta.

quarta-feira, dezembro 08, 2021

OFERTAS E CARÊNCIAS DE KALANDULA

Cascata encantadora!

O Lukala, nascido no Negaje, cai de uma elevação superior a cem metros, criando um cenário visual raro.

Enquanto a água enfeita de "branco" as paredes pedregosas, cá abaixo é o hongolo¹ que nos mostra "quantas cores tem o mundo"!
À chegada, os rapazes que se apresentam como "guias turísticos", uns maltrapilhos e outros exibindo t-shirts com essa inscrição, apontam três locais para contemplar a beleza ímpar: o miradouro, a parte baixa do rio, onde a água se reorganiza, após a quada, e a pousada do Sr. Faísca, única naquela instância, que se acha no lado oposto, sendo que a entrada é antes do desvio para Kakuzu.

João Domingos Manuel é guia. Tem 20 anos e estuda a décima segunda classe no institutos médio da igreja católica. Explicou o porquê da ausência de iluminação junto ao miradouro, "construído em 1927".
De sua voz, soube que "primeiro deixaram de pagar aos guardas e depois os populares de uma aldeia próxima roubaram as baterias e as placas solares".
Mesmo identificados, continuou, "não foram repostos os bens surripiados, pois as lâmpadas também reclamaram substituição".
O jovem explicou ainda que "não há taxa fixa" para o acesso ao local.
"O visitante paga o que puder/tiver", valores que "vão às mãos do soba".
- Ah! Não é a administração de Kangandala quem cobra e cuida do local? - tentamos ainda indagar.
- É com o soba que me divido o dinheiro. - rematou.

Havia outro infante que trajava uma camisola escura, já sem cor exacta, se foi preta ou castanha. Era um pouco veluda e trajada no avesso. Seus pés mostravam o quão ele e a água não se comunicam com frequência. Perdi-lhe o nome. Foi o primeiro a se apresentar como guia. Dizia-me que "o rio nasceu na província do Negaje, município do Uije" (inverteu). Não o dispensei, mesmo depois de encontrar o João Domingos Manuel, mais hábil e com conhecimentos melhor estruturados.

- Estuda, anda com os mais velhos para saberes e, quando fores grande, te tornares num bom guia. - Dei-lhe conselho e Kz 500, antes de deixar o recinto.

Naquele domingo, 31.10.2021, o local estava cheio. Viam-se até expatriados. Não vi apenas tonalidades de pele. Ouviam-se vozes em línguas europeias e asiáticas. A beleza e raridade do "acidente natural" são convidativos. Os filósofos deixaram escrito e clarificado que "o belo deve ser contemplado". Faltava, entretanto, algo que fizesse o visitante demorar: os serviços de restauração e toilette.
Tirando jinguba mal torrada com banana assada na brasa e umas kabwenyas fritas num óleo que nunca se deitava, nada mais havia. Nada mesmo!
- Que turismo é esse que apenas engorda o olho sem atender ao estômago e às necessidades da bexiga?


Do outro lado, na pousada que repousa majestosamente no morro, dizem que uma noite custa Kz 130 mil e paga-se também pelo acesso ao local e parqueamento da viatura.
- Come-se bem e há sono tranquilo. A vista também é maravilhosa! - Contou-me um mwadyakime² que agriculta pelos lados de Kakuzu.
Por isso, a Pousada de Kalandula será o próximo roteiro, ates de visitar outras quedas, menores, nomeadas Museleji que ficam a uns poucos quilómetros à jusante de Kalandula.
=
¹ Arco-íris.
² Mais velho.
Obs: crónica publicada no Jornal de Angola, 14.11.2021

quarta-feira, dezembro 01, 2021

VIANA REAL

É sábado. Dirijo-me a uma barbearia que fica nas imediações da Igreja Metodista e, mal pus o corpo no passeio, a saudação do barbeiro é:

- Kota, tens mais uma máscara?!
- Para quê? - Indaguei surpreso.
- Para tô kasule, mô pai. Sei que se eu não me mascarar, o pai não vai cortar cabelo!
Sem pedir a dedução do valor da máscara ao serviço que me prestaria, fui ao carro e peguei mais duas: uma para a minha reserva e outra para ele.
Hora e vinte depois, quando tinha pedicure feita, cabelo e barba aparados, procurei sair para o carro.
Um rapaz, franzino, meio sujo, cara de quem sofre um sofrimento alheio, pois crianças deviam ser felizes na sua inocência... o rapaz levava uma caixa para engraxar sapatos e aguardava-me junto à porta do carro, se calhar, para pôr-me a ver o meu rosto no sapato limpo.
- Papá, por favor, pode pagar-me uma pomada? - Disse, quase implorando, ao mesmo tempo que mostrava a fome, os ossos que lhe restavam do corpo e a vontade de ganhar seu pão justo.
Travei as lágrimas para puxar a minha fita, dos idos anos de 84-87, e atender-lhe ao pedido.
- Espera aí. Quanto é a graxa? - Questionei para puxar conversa.
- É cem.
- E a pomada?
- É trezentos, pai.
O rapaz parecia começar a perder a paciência. Li-lhe nos olhos que procuravam cliente que desse sapatos a engraxar ou por um patrocinador para a requerida pomada.
- Espera filho. Onde é que vives?
- Na Boa Fé?
- Tu deves ter sete ou oito anos. Me parece...
- Não pai. Tenho 11 anos.
- Com quem vives?
- Vivo com a minha mãe.
Para prender a sua atenção, eu vasculhava o carro, aos olhitos acesos dele, a ver se encontrasse dinheiro.
- Que faz tua mãe? - Voltei a indagar.
- Não faz nada.
- E teu pai?
- Não vivemos com ele.
Não perguntei se tinha irmãos.
Peguei em duas notas de duzentos Kwanzas e pedi que se aproximasse.
- Tens cem?
- Não. Mas vou procurar.
Era a vez dele de vasculhar a caixinha e os bolsos até encontrar uma moeda que me entregou.
- Os trezentos são teus e tens a pomada paga.
- Muito obrigado, papá! Posso limpar poeira nos teus ténis?
- Não precisas. Ainda irei ao campo e voltam a sujar. Mas responde uma coisa.
- Estudas?
- Sim. Estudo à tarde na escola ao lado dos Escorpiões da Boa Fé.
- Muito bom, filho. Ouve. Vou te contar uma verdade. Nos anos oitenta, para ti é já há muito tempo. Havia guerra e eu sai do Libolo com dez anos. Posto em Luanda, também vendia para ajudar a mãe que era viúva e comprar cadernos. Estou aqui hoje, como me vês. Estuda. Está bem? Se estudares, podes ser administrador de Viana, governador de Luanda ou mesmo ministro. Estás a ouvir bem, nê?
- Sim papá!
- Toma os cem Kwanzas que me deste de troco. Pensa sempre no conselho que te dei. Não fica bandido por causa do trabalho ou da estiga dos colegas e amigos. Eu também passei por isso.
O rapaz recebeu a moeda e meteu-se na padaria, que se achava a metros, para comprar pão. Afinal, já tinha dinheiro para a pomada!
Parti em direcção à administração municipal para me encontrar com o chefe da "Brigada kamartelo". Há muito que os fiscais do Zango brincam como javalis na minha lavra.
Nem por voz nem por mensagem o encontrava. Parti para a obra. A entrar para a rotunda do Zango 2, surge um motoqueiro da polícia e outro que me mandam, arrogantemente, retirar o carro da via porque vinha uma coluna de civis que, no pensar deles, "tinham mais direitos do que todos".
Abri o vidro e disse ao polícia:
- Carros deles têm dois eixos como o meu. Também vou trabalhar e ninguém vai ao piquenique.
O jovem polícia mostrou educação mas estava a cumprir ordens. Continuou accionando a sirene e mandando abrir o caminho para os "donos da estrada" passarem.
Os apressados e poderosos lá se foram. Era uma coluna de uma dúzia de jeeps.
- Quem era o todo importante mobilizador de batedores?
A resposta ficou perdida na floresta da arrogância renascente que alguns patriotas de ocasião vão impondo ao povo heroico e sempre generoso para com os passageiros de última carruagem.
Segui atrás do fumo deixado por eles que se perderam no horizonte. Parecia terem ido ao Kalumbu ou proximidades.
De regresso, aborrecido, com os "assaltos" semanais à minha obra por parte dos fiscais de Viana e do Zango, sou novamente apanhado no mesmo local pela mesma coluna.
O primeiro batedor mandou-me retirar o carro. Ignorei-o. Veio o segundo, o mesmo que me abordara em voz. Baixei o vidro e mostrei meu crachá. Mas ele não tinha tempo. Outro polícia de trânsito, que se achava fora daquela patrulha a fiscalizar os candongueiros, fez-me sinal para que eu acostasse, sem no entanto parar. Entendi-lhe a elevação. Parei ao pé dele e disse-lhe em voz doce:
- Meu jovem, também estou a trabalhar. Se eles têm pressa que arranjem boas estradas ou que saiam cedo de casa!..
O jovem polícia aprumou-se e "ofereceu-me" uma continência a que agradeci prontamente.
Salvou o meu dia de um pecado por palavras asquerosas.

Texto publicado no Gazeta: Lavra & Oficina (UEA), ed. Out-Dez. 2021

sexta-feira, novembro 26, 2021

KITUMBULU E OS EMPREENDEDORES SEM CONTINUADORES

Sem energia e com os estridentes gritos do neto e da filha derradeira, puxei a fita e comecei a "vê-la", desde os tempos de menino, quando ganhei lucidez para juntar estórias à História dos que me rodeia(ra)m.
Tive pouco tempo de convívio com o meu avô paterno que morreu no "Ano da agricultura"¹. Quatro anos mais tarde, quando eu contava apenas oito, seguiu-se-lhe o meu progenitor. Todo o roteiro de capítulos gravados foi-me narrado pela minha mãe, uma nora que se esmerava em conhecer os caminhos e a genealogia do marido.
Conta-se que o Velho Kaphuku² (Ngana Muryangu) tem a sua origem na região de Karyangu³, de onde saíra em busca de sol e sorte, a mesma sorte que dizem "persegue os audazes".
O rio Longa passa por Karyangu e embranha-se por pequenas planícies e zonas escarpadas, até se afogar num estuário, junto ao Atlântico.
Seguindo o Longa abaixo, Ngana Muryangu atingiu a região de Ndala Kaxibu, antes de atravessar o rio, na região de Kuteka⁴, e se instalar em Kitumbulu⁵ onde plantou café, mandou povoar um riacho e fez vida, atraindo ou juntando-se a outros makulu⁶ avisados do seu tempo.
Alguns, ao que a História vai desvendando, terão se instalado em Kitumbulu, zona escondida entre montanhas, por causa da perseguição colonial aos esclarecidos de então, depois dos acontecimentos de 1961.
O café, monocultura que dava dinheiro ao Estado colonial português, era uma boa escapatória ao autóctene que se queria ver distante dos exploradores e dava a possibilidade de agregar ao refúgio o lado empreendedor.
Ora, todos eles, e todos meus parentes pelo lado paterno e materno Ngang'Embombo (Matabicho), João dos Santos (João Kitumbulu), Kyuma Albano e Kaphuku (Ngana Muryangu), ninguém teve continuador no seu empreendimento cafeícola. A cafeicultura era um refúgio mas também um "funeral" de tudo quanto tinham amealhado e podiam colectar naquele momento. Valeu-lhes apenas a liberdade de não irem ao pseudo-contrato, estarem empenhados nas suas tarefas coordenativas da comunidade e apoio à revolução, ganhando alguns trocados para pagar impostos e "comprar sal".
As terras que lavraram e cultivaram estão aí. Intactas. Todos, em Kuteka, sabem de quem são e a mensagem vai passando de geração em geração, mesmo com os descendentes directos ausentes e, nalguns casos incógnitos. As frutas das árvores que persistem às intempéries vão sendo colhidas e comidas. E os recados chegam.
- Colhi um balde de laranjas na fazenda do velho Kanyanga (meu avô materno).
Quem, porém, vai fazer a poda das plantas resilientes ao tempo e às intempéries e ampliar os campos? Nem nossos pais, nem nós fomos talhados para a agricultura longe do asfalto.
Sem guerra, eventualmente mantivéssemos o contacto e os afectos. A guerra e as escolas afastaram Kitumbulu e criaram em nós outras ocupações, outras formas de trabalhar e de empreender!
Por essa via, outros "Kitumbulu" podem estar a nascer nas cidades e a correrem o risco d enão terem continuadores. Veja-se, a título de exemplo, um investimento (de todo o suor) em uma "farmácia", sem que um dos herdeiros tenha paixão pela saúde. Talvez alguém esteja a construir um edifício comercial, podendo deixá-lo por concluir, sem que um dos herdeiros tenha vocação para a construção e ou para o comércio!
Vendê-lo-ão à primeira oferta, sem uma mínimo prospecção do mercado imobiliário. Será mero descaso para eles (herdeiros) e um desperdício para quem podia desfrutar do fruto do seu suor em vez de empreender. Terá sido o caso Kitumbulu!
Quanto a mim, ficou apenas no sangue o gosto pelas plantas e pelos animais domésticos que levei até à grande cidade.
=
¹ Ano de 1978.
² Fernando Ndambi, tb conhecido por Ngana Muryangu.
³ Leste de Kibala.
⁴ Regedoria da comuna de Munenga.
⁵ Área proxima da aldeia de Mbangu- Kuteka.
⁶ Mais velhos. Para além de Ngana Muryangu, apontavam-se João dos Santos (João Kitumbulu), saído da região de Kindongo, e Matabicho, de Mbangu-Kuteka.

 

sexta-feira, novembro 19, 2021

A ÁGUA E O MAGRINHO

Vila do Ebo, 13 de Novembro. O ano é esse mesmo.

A cadeia montanhosa e pedregosa que abraça a região, faz com que haja um microclima com nuvens a encobrir o topo das elevações que se vestem de branco quase todos os dias. Tal faz com que a água, em gotículas finas, grossas ou até acompanhadas de granizo caia ao acordar, ao almoçar e ao jantar.

Esse clima, com água e lama, faz as crianças se sujarem durante as suas brincadeiras e tarefas confiadas à idade. Dentre os petizes conhecidos está Magrinho. É slim, de pouca fala e educado a não mentir. Bem, Magrinho tem outro nome, o da escola como dizem, e a data de nascimento que só a mãe e o professor conhecem.
Quando se lhe pergunta em que ano nasceu, Magrinho diz que foi em Novembro!
Na visita ao Ebo, vi magrinho brincar com outros irmãos. Quando perguntado "quem havia sujado o carro, Magrinho teve a coragem de apontar o irmão e denunciar-se.
- Foi o João e eu, tio!
Tomámos boa nota da sua verticalidade e fizemo-nos amigos. Passou a ser Magrinho pr'aqui e Magrinho pr'ali. Durante os três dias, ele foi a mascote da casa, fazendo-nos esquecer, por curtos instantes, o momento lúgubre que nos levou ao Ebo.
Mas a melhor do Magrinho, que não sabia dizer quantos anos tem, variando entre dois e 12, quando o irmão mais velho tem nove, foi quando o tio Beto Spina, vendo-o sujo e prestes a ir dormir, o ordenou a lavar o corpo.
- Magrinho!
- Tio!
-Vai tomar banho.
- Não, tio. Hoje não vou tomar banho.
- Vai lá, pá! Tens medo do frio?
- Não, tio. A água está a levar as pessoas!

A resposta derradeira de Magrinho parecia cómica, risível. Mas levou-nos a mergulhar no assunto que nos levara ao Ebo. Nossa mãe Mariana Almeida, a avô materna do Magrinho, fora arrastada, quatro dias antes, por uma corrente de água ao atravessar um riacho pelo que passou variadíssimas vezes ao longo dos seus sessenta e três anos.
Ficámos a reflectir na inteligência do Magrinho que passou a detestar a água, por lhe ter arrancado a avó.
- Não, tio. A água está a levar as pessoas! - Tem razão o Magrinho.

sexta-feira, novembro 12, 2021

NGASAKIDILA, MALANJI!

Depois de termos sido convidados pelo Governo Provincial para presidir ao Júris do Prémio Provincial de Jornalismo de Malanje 2019, eis que surgiu novo convite para integrar a equipa avaliadora em 2021.

Melhor do que em 2019, o Presidente foi eleito entre os pares, missão que Marcos Gabriel, Ema Massunga Da Silva, Adelino Ngunza e Isidoro Natalicio Isidoro acabaram por me atribuir. O Ngunza foi vice e o Natalício secretário.

Foram intensas reuniões e viagens, cansativas de Luanda a Malanje, entre os dias 30 e 31 de Outubro e 10 e 11 de Novembro, para além de intenso trabalho de casa, debates e troca de argumentos técnicos, usando vias virtuais.

O Regulamento do Prémio, a "doutrina", a experiência e a consciência de cada um dos integrantes foram elementos balizadores da actuação do Júris que concluiu o seu trabalho a faltarem minutos da gala de premiação, 11.11.2021, no auditório da Rádio Malanje.

E não nos ficámos pela análise minuciosa e anúncio dos melhores em cada categoria. Fizemos recomendações aos jornalistas para que mesmo não havendo comunicação de concurso, cada escriba se esmerasse em preparar uma reportagem (sem pressa) que seria da agenda seting, obedecendo à planificação, listagem de fontes (documentais e pessoais), busca de informação in situ, cruzamento de informações, redacção/edição/montagem e difusão. Foi ainda recomendada a abstenção ao uso indevido de propriedade intelectual alheia (plágio).

À entidade promotora e às direcções dos medias de Malanje foi sugerida a formação contínua (por medida) dos jornalistas para que possam reportar melhor Malanje e participar em outros concursos como o Prémio Nacional de Jornalismo ou mesmo o da SADC.

Fazemos vênia ao Governador mwata Kwata Kanawa, que no final da actividade, nos chamou para dizer que "tinha gostado das recomendações e sugestões".
Obrigado, Malanje e meus pares, pela oportunidade!

segunda-feira, novembro 08, 2021

LAMBIJI E CONDUTO

 - Ombelela nyê?!- Perguntava o tio Vinte e Cinco à mulher, sempre que chegasse da tonga¹.

- Lambiji kihi, Elombo?! - Indagava, igualmente, o meu pai, antes dos amicíssimos juntarem as jantas, uma noite em casa do tio Vinte e Cinco e outra em nossa. Era assim religiosamente.

Porém, o vizinho Cacebola, um ovimbundu que tinha estudado um pouco mais e que era capataz (ajudante do gerente), preferia pronunciar o termo conduto para se referir ao que acompanhava o pirão.
Era fuba de milho, feijão e peixe seco amarelado ou acastanhado que o "patrão-Estado" continuava a distribuir aos camponeses da fazenda. Estávamos a finalizar a década de setenta do séc. XX.

www.mozindico.blogspot.com faz referência a conduto (Angola) como "iguaria" acompanhante, sobretudo para o pirão/funji e outros alimentos.
Na meu consciente, o termo entra por volta de 1978, quando a minha família se mudou de Kitumbulu (fazenda de meu avô Fernando Ndambi) à fazenda Israel (comuna da Munenga).
Os trabalhadores ovimbundu da fazenda (rebaptizada Hoji-ya-Henda) usavam termos como pirão em vez de funji e conduto para a iguaria acompanhante.
Até então, o termo familiar, no "nosso Kimbundu de Kuteka", era lambiji².
Se calhar, por ser um povo ribeirinho (Longa), o peixe tenha sido o principal conduto de sua dieta, fora os vegetais que, senso geral, recebiam a designação de lambiji.
Genericamente, lambiji/ mbiji podia ser peixe, verduras, insectos (grilos, cigarras, térmitas/salalé, gafanhotos) ou carne.
- Lelo, lambiji kihi?³
- Lambiji xiwe!⁴
Ombelela era/é outra expressão usada pelos ovimbundu com quem privei na infância para se referirem à iguaria acompanhante do pirão.
O termo conduto vem ganhando força e "expansão nacional", impondo-se no léxico da Língua Veicular (Pt). Porém, é mister assinalar e registar as particularidades de cada região e povo, no que diz respeito às suas particularidades sociológicas e linguísticas, pois a construção do todo nacional passa, indubitavelmente, pelo "eu" de cada comunidade.
O angolano Carlos Figueiredo, professor e investigador de História e Linguística do Libolo, diz que "conduto é termo português, bastante usado no norte de Portugal, sendo que o seu uso em Angola terá a ver com as fases da colonização das diferentes áreas da então colónia, pois o termo era comum no Português da Idade Média. Note-se que a colonização de Benguela Nova (actual Benguela) e Planalto Central, ou seja das zonas Ovimbundu, dá-se a partir do início do séc. XVII, ou seja, quando ainda se falava o Português do período clássico. Esta ocupação é muito anterior à colonização do interior do Cuanza-Sul, que vai acontecer apenas no final do século XIX, quando já se fala o Português moderno. Portanto, no Libolo, a palavra “conduto” foi usada também para definir a a ração dada pelos colonos aos trabalhadores."
Fernanda Bandos, portuguesa, acrescenta que "conduto é um termo usado pelos meus avós portugueses, mas que tem sido substituído pelo termo acompanhamento em muitos restaurantes em Lisboa."
Por seu turno, o quissongoense (Libolo) Artur Cussendala recorda que, na sua aldeia, "todo o acompanhante é tratado genericamente por mbiji (peixe)".
O escritor e pesquisador social Gociante Patissa, quando solicitado a debitar sobre a expressão mbelela/ombelela, explica que "conforme as variantes do umbundu, mbelela ou ombelala podem referir-se exclusivamente ao conduto que tenha a ver com carne (de animal), passando o resto a integrar a categoria de "lombo", o que abarca também peixe e feijão. [É assim] na região de Benguela, os considerados vacisanji e vassale (estes últimos mais próximos do Kwanza-Sul)".
No leste/nordeste de Angola, onde predomina a língua Ucokwe, ikasa é o designativo do acompanhante de xima⁵. O poeta e jornalista João De Figueiredo Wassamba confirma que tal designação genérica "aplica-se a carne, peixe verduras, insectos e demais acompanhantes".

=
¹- Empreitada. Parte distribuída, na fazenda, como empreitada diária.
² Acompanhante.
³ Hoje, qual será o acompanhante/conduto?
⁴ Será (carne de) paca.
⁵ O mesmo que funji para os ambundu. Os tucokwe comem, preferencialmente, pasta feita de farinha de mandioca (fuba de bombô).

=
Publicado no Jornal Litoral de 9 de Março de 2023

segunda-feira, novembro 01, 2021

LONGESO

Desde que o "Jornal de Sábado" foi ao Wambu fazer e transmitir as notícias daquele dia, a partir de Mbalundu, que o longeso¹ passou a ser assunto de comentários e "interesse nacional", sobretudo por parte dos adyakime².

Quando pequeno, nas hortas do Limbe³ e, mais tarde, de Kalulu, sempre que desbravasse a terra, surgiam pequenos tubérculos saídos quase que do nada. Pequenos, comparados a grãos de jinguba⁴, nunca tinham desperto a nossa atenção, salvo raras excepções de alguns mais velhos que, à escondida os lavavam e experimentavam, sempre longe de nossos olhares.
Foi depois da RNA ter, em crónica, anunciado que "Mbalundu era o único município do país onde se podia encontrar os [super-afrodisíacos] longeso" que comecei a rebobinar a minha longa metragem de recordações até chegar a ele.
Bem atrás de minha casa, em Viana, está a centenária Lagoa de Terembembe, aonde os homens canalizam, hoje, todas as águas pluviais e urbanas de Viana. Onde haja água e terra há longeso!
Quem quiser comprar, pode procurar-me para ganhar a capacidade metralhadora e de "produção gemelar". Tenho uma honga⁵ de longeso.
=
¹ tubérculo de uma herbácea cujas folhas se podem confundir com as de alheiro, presente nas zonas baixas e ribeirinhas.
² Mais velhos (Kimbundu).
³ Aldeia (extinta) da comuna da Munenga, ficava a dois Km da actual Pedra Escrita, na EN120.
⁴ Amendoim.
⁵ Lavra em terreno plano e ou baixo. Horta.

segunda-feira, outubro 25, 2021

SEGUINDO PEGADAS DE CÃO

À chegada, dois cães de aparência saudável e uns galináceos que se confundem com a cor do areal despertam a atenção de quem acosta a embarcação, antes mesmo de ir ter com os makwenze da polícia que guardam e garantem a inviolabilidade da nossa fronteira fluvial.
Há uma vênia que se cumpre: a saudação que é sinónimo de educação e bons costumes e a identificação do objecto da visita, mesmo tratando-se de local de interesse turístico-histórico.
Os jovens, filhos alheios, não complicam ninguém e são bons cicerones pelos três principais motivos daquela península (no passado conhecida por mwan-a-nkukutu) o marco em betão da Administração do Soyo, que dizem ser católico; as "tendas" dos protectores de tartarugas e o marco deixado por Diogo Cão num longínquo ano do século XV.
- Ir ao Soyo sem chegar à Ponta do Padrão - dizem - equivale a ir a Roma e não chegar ao Vaticano!
Será?!
Ainda a pensar no ditado, ergui a cabeça, para além da água farta e da areia. Mangais fechados com raízes que "caem dos céus", figueiras, mangueiras, palmeiras, acácias e vegetação rasteira fazem parte da flora marcante.
- Kota, ali, antes do marco deixado pelo Cão, é um símbolo da Igreja. Os gajos xindaram em língua estrangeira. - Explicou o jovem polícia de guarnição fronteiriça que se diz natural do Rangel, em Luanda.
- Podemos ver o que escreveram? Se calhar, com o google translator, eu consiga dizer-vos o que está gravado. - Disse-lhe, procurando convencê-lo a mostrar a placa em betão que não ficava distante do acostamento.
- Kota, escreveram em italiano. - Ripostou em sua defesa.
Aproximamo-nos. Confirmei a inscrição, nítida na língua modernizada por Camões, o conterrâneo de Diogo Cão que por lá passara em 1482.

"MUNICÍPIO DO SOYO
POR AQUI PASSAM OS CAMINHOS DA HISTÓRIA
1490-1491".Li, com a ajuda da mulher, 5 anos mais nova e com a visão ainda em dia.
- Oh! Como é que o kota leu sem traduzir? Ou fala também o italiano dos padres?! - Indagou o jovem admirado.
- Em cima usaram mesmo Português. A numeração é a romana que se aprende na quarta classe. - Elucidei-o.
O jovem balbuciou umas palavras imperceptíveis, uns resmungos a soar "no meu tempo isso não se ensina na escola".
Caminhámos alguns metros até ao marco deixado pelo Diogo. O que se vê é a reconstituição feita há 102 anos (1919), pois o original "foi levado pelo bravo mar", deixando pela trás "apenas as correntes". - Explicou paciente o jovem cicerone.
- Aliás, kota, você foi nosso Prof° e sabe das coisas. Mas, olha! Aquilo que falou que ensinam-lhe na quarta classe (numeração romana), deve ser apenas no tempo do kota. No nosso tempo é só já vuzar. Relógio é no telefone. Os números que ensinam são somente esses da tuga...




- Pois é, jovem. Compreendo. Nasci ao tempo de Spínola. Comecei a estudar ao tempo de Neto e quando fiz a quarta, Zé-Du ainda era jovem. Nós começamos a aprender a numeração romana na segunda classe, quando nos ensinaram a ver as horas (Ciências Integradas). Aprofundamos na quarta classe onde acrescemos a potenciação aos números romanos. - Expliquei-lhe paternalmente, ao que acolheu com um convite.
- Chefe! - Virou-se para o meu irmão polícia que nos levou à Ponta do Padrão. - Quando o pai voltar ao Soyo, "lhe traz" novamente aqui! - Rematou, ao que anuímos.

segunda-feira, outubro 18, 2021

A POEIRA E O ESQUECIMENTO DE URBES KWANZA-SULINAS

Mal acordei, as primeiras leituras foram sobre a disponibilidade de água que pode aumentar em Kalulu e sobre a poeira no Sumbe e Benguela Velha (Porto Amboim).

A terceira leitura que me chegou foi sobre o turismo e crescimento industrial e económico em municípios como Ebo, Kilenda e Kasonge, aventando alguns que "a província precisa de um nguvulo mais dinâmico", conjecturando até nomes.

Sobre os temas lidos, apraz-me comentar que, na conjuntura actual, o KS não depende do pulso do governador. Depende de outros factores como Planos de Desenvolvimento Urbanístico e Industrial dinheiro real e pensamento nas futuras gerações.

Problemas que enfrentam cidades como Sumbe e Porto Amboim devem ser resolvidos à montante e não à jusante. Haverá sempre barro a deslizar das montanhas às cidades e entupindo os colectores (espreite ainda o que a Kanata faz ao Lobito).

Quanto a Kalulu, minha "mother land", que foi das primeiras circunscrições (mais de cem anos), ela teve vigor enquanto o trânsito Luanda-Centro se fazia pela ponte Filomeno da Câmara, passando por Kabuta (sofreu o mesmo azar que Golungo Alto que viu o comboio passar-lhe ao lado para Malanje).

Sem a reparação (asfaltagem) daquela via que liga São Pedro da Kilemba-Kabuta-Kaluku-Kibala...), Kalulu continuará a ser um enclave esquecido à esquerda da EN120.

E, como Kalulu, o KS tem vários outros enclaves: Ebo, Kilenda e Kasonge são exemplos. Quem é que vai lá em visita, para além dos que estão comprometidos afectivamente com a localidade?


segunda-feira, outubro 11, 2021

O PERMK E ÂNGULOS DO KWITU

 

A cirurgia feita com cimento e tinta, em sede do PERMK¹, disfarça o quão a cidade foi estropiada entre 1992/93.

Olhando, porém, com atenção, vêem-se ainda "gangrenas" de feridas nunca curadas e cicatrizes de perfurações que afectaram os edifícios e pessoas neles refugiadas.
Quando conheci a cidade, em 1998, o canteiro que separa os dois sentidos da Avenida Joaquim Capango (rua principal) acolhia campas, aboboreiras e milheiral.
De um lado da Avenida tinham estado os defensores, sem rectaguarda alimentar. Do outro lado (em que se encontra a administração municipal) estavam os sedentos invasores com uma logística intacta, camuflada aos olhos cegos da UNAVEM e CMVF².
Há que se narrar a história desse período lúgubre do Kwitu e julgar, na cabine de voto, os autores de nossas más memórias.
=
1- Programa Especial de Reabilitação Mínima do Kwitu.
2- Comissão Mista de Verificação e Fiscalização. Órgão que acompanhou a implantação dos acordos de Bicesse até à realização das primeiras eleições em Angola (1992).

sexta-feira, outubro 01, 2021

AINDA SOBRE O "ARROZAL BENGUELENSIS"

Durante os meses de Agosto e Setembro/2021, fiz milhares de quilómetros por estradas. Percorri Cabinda de sul a norte, fiz Luanda-Soyo-Luanda, Luanda-Cuito-Luanda e Luanda- Quibala-Luanda, fora o roteiro Luanda-Huambo-Chipindo-Longonjo-Menongue-Cuchi-Lubango-Benguela- Sumbe-Luanda, feito em Maio.

Notei que os acidentes com camiões, sobretudo os articulados, e alguns ligeiros também acontecem mais ali onde a estrada está degradada. Na ida e regresso do Cuito vi dois pesados capotados à entrada de Calomboloca, só para citar um de vários exemplos que se acham a mãos de semear.
À propósito da relação entre qualidade das rodovias versus acidentes ou capotamentos de camiões carregados, Moh Canhanga escreveu que "se a estrada tivesse sido reparada não teríamos a 'novela' do arroz em Benguela". Elogiei o jovem, que espreitou para fora de caixa e viu que havia mais árvores naquela "floresta" de debates, para além dos jovens fotografados em flagrante posse do produto transportado pelo camião acidentado.
- Teria havido capotamento se a rodovia estivesse em condições de circulação?
- Talvez sim, talvez não!
Há acidentes causados pela degradação das rodovias, como há outros acidentes que ocorrem em perfeitas pistas, onde é chamada a responsabilidade do condutor ou o estado técnico do equipamento ...
O mérito da colocação do do jovem Moh Canhanga vai para a necessidade de se olhar para fora de caixa e buscar outros ângulos de análise.
Ora, os behavioristas (comportamentalistas) americanos realizaram um estudo para aferir o "instinto animalesco incubado no homem" e a tendência em destruir coisa alheia.
Pararam, durante uma semana, um carro novo num descampado para ver qual seria o comportamento da população.
Mesmo sem que se conhecesse o dono, ninguém o danificou.
Na semana seguinte, alguém passou e quebrou, propositadamente, um dos vidros. Em menos de 48 horas, o carro ficou totalmente descaracterizado.
Voltemos ao arroz de Benguela. Se o primeiro que se deparou com o acidente tivesse ido para socorrer e proteger a carga, eventualmente os demais colaborassem nessa demanda. O primeiro que tomou para si um saco de arroz abriu o caminho e despertou o lado animalesco dos demais.
Já fiz um estudo semelhante com o lixo. Quando construi a minha casa, a envolvente era uma lixeira (espaço em que a vizinhança preguiçosa e antabônica depositava os seus descartados). Empenhei-me uma semana a limpar e controlar. Os mesmos que ali deitavam lixo, perderam a coragem de largar o primeiro saco num espaço totalmente limpo.
Depois de ler o estudo dos behavioristas americanos, larguei um saquinho de lixo no espaço e, no dia seguinte, estava a área repleta de sacos!
Levei mais uma semana a limpar e controlar.
Resumindo: um de dois factores ou ambos terão propiciado o assalto ao camião de arroz em Benguela.
a) a qualidade da rodovia;
b) o estado psico-social e ético do primeiro assaltante.
Tenho dito.

Soberano Kanyanga
29.09.2021

PS: publicado pelo Jornal de Angola de 03.10.2021