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quarta-feira, dezembro 28, 2022

KWANZA-SUL DE LÊS A LÊS

Depois de visitar a Kilenda e o Musende, o desafio era chegar a Kasonge e fechar as doze sedes municipais da província. Já por duas vezes tinha tentado e desistido. O tempo mostrava-se bom. Havia três dias sem chuva, embora os contactos das nuvens viajantes prometessem descarga. O clima e a língua falada na região (Umbundu) mais nos levam a pensar que nos encontramos no Wambu em vez do Kwanza-Sul. É na margem direita do Keve[1]. O terreno plano e alto, presença de bovinos, maior cultura de milho e feijão do que da mandioca são alguns dos pequenos sinais que diferenciam, por exemplo, o Kasonge do Libolo (norte do KS).

À chegada ao Cruzamento ou Desvio, trafegando na EN 120, sentido norte-sul, o sinal mostra-nos Mbalundu à esquerda, Alto Hama em frente e vila de Kasonge à direita. A sombra produzida pela copa de uma árvore fez emergir um pequeno mercado onde são postos ao desejo e bolso do viajante cabritos, galinhas, feijão, abacates, mangas, fuba de milho branquinha, entre outros produtos que não escapam ao desejo de uma biena residente em Luanda.

A outra nota é o Keve que volta a apresentar-se, nas suas inúmeras curvas, aí próximo, separando o território do Kasonge (Kwanza-Sul) ao Mbalundu (Wambu).

- Ó mana, bom dia ainda! Está a ver aquela kamunda[2] onde está a sair fumo? - Perguntei para pôr conversa enquanto a mulher comprava feijão.

- Sim, mô conterrâneo, estou a ver. É o quê? - Respondeu indagadora.

- Aqui, onde estamos, é Kwanza-Sul, n’ê verdade? Quero saber se ali é Kwanza-Sul ou Wambu?

Moradora ali na fronteira, a senhora coçou a cabeça e encontrou meia resposta.

- Ó mano, ali ainda é estrada do Njanju. Se vai ao Mbalundu, o caminho é mesmo aquele. Já tem ponte nova.

- Obrigado mana, o rio é que divide as duas províncias, naquele lado. Assim, onde se vê o fumo, apesar de perto, é já território Mbalundu. - Expliquei.

Já tinha passado vezes sem conta pelo famoso Desvio de Kasonge, ora indo ao Wambu e Vye, ora trafegando pela estrada que tangencia a Missão de Njanju. Por duas vezes, tinha desistido de ir conhecer a vila sede do município que fica a 35 quilómetros do entroncamento.

- Ó mano, com esse teu carro, vais chamar cinco pessoas para lavar quando chegares em Luanda. - Dissera-me um jovem, em Dezembro de 2020, quando questionado sobre as condições da via e o tempo que faria para entrar e sair da vila.

A picada foi terraplenada e alargada, aguardando pelo asfalto. Os antigos pontecos deram lugar às pontes definitivas, proporcionando uma viagem segura e sem solavancos. Em tempo chuvoso, a poeira é mínima e o gado, riqueza dessas terras e povo, pasta à beira da estrada que assiste ao ressurgimento de novas lavras, fazendas e cantinas. Há prosperidade que se mostra aos olhos, contrariando os tempos em que era a força das armas e todo o seu séquito quem mais imperava.

A "meio" do caminho, um edifício em forma de naves, sem cobertura e apossado pela vegetação, desperta a curiosidade e obriga à paragem. Quem se apresenta, transeunte, é uma mulher de meia-idade.

- Bom dia, mana. Sabe dizer o que era isso?

- Bom dia, mano. Era fábrica. 

- Sabe dizer se era fabrica de quê?

- Ainda também não sei. Só ando a ouvir que era fábrica. - Respondeu, desfazendo-se do lugar em passo apressado.

Apareceu, momentos depois, enquanto me posicionava para a foto, um homem pastor, levando uma catana e um porrinho. Fiz-lhe as mesmas perguntas, ao que obtive as mesmas respostas. Devia, eventualmente, ter seguido o conselho de Einstein[3].

- Se calhar, isso foi destruído na aurora da independência ou os moradores são jovens e emigrantes[4]. - Falei para o vento, retomando a marcha, mais lenta e contemplativa. O mel é um produto presente em todas as localidades onde se acham pequenos mercados ou bancadas de venda à beira da via.

No trajecto de 30 quilómetros, duas bandeiras pleiteiam lado a lado. São das principais forças políticas de Angola. O cenário contraria o verificado na rodovia Kibala-Musende onde apenas as "aves" se mostram insistentes à estrada. Quem frequenta a zona do Ngango (zona do ex-COP) visualizar, triste ou alegre, a depender da bandeira em que vota.

O marketing (ligado ao comércio) e a propaganda (mais à ideologia) se parecem na tendência de inculcar valores e atitudes (escolhas/opções) nos adultos de hoje e nos de amanhã. Deve ser por isso que se gasta tanto dinheiro em bandeiras. Mas, quem coloca uma partidária devia içar também uma Bandeira da República, a única que coloca todos os angolanos em sentido!

Não tardou, visualizámos um PA[5] da Pumangol que anunciava a proximidade da vila.

- Chegámos, marido! - Disse a Irlanda.

- Será? Vamos confirmar.

O tempo gasto a percorrer a distância relacionados à velocidade indicavam que Kasonge não podia estar distante.

Mais à frente, apresentavam-se uma igreja, casas acolá e descampados pelo meio. Duas, três e mais voltas em ruas distintas, encontrámos a sede municipal do MPLA e uma quadra polidesportiva. As ruas interiores continuam em terra batida e "com ar rural", mas Kasonge pode mudar a breve trecho.

Andando ao encontro do desconhecido, como fazem os exploradores, vimos dois polícias a quem nos dirigíamos em busca de informações. Uma viatura que nos seguia estaciona à frente e corremos, o seu ocupante e eu, ao encontro dos agentes. Era o delegado Jacob que foi bastante solícito e diligente. Trocadas as informações básicas sobre a origem, o destino e o que nos levava a Kasonge, o delegado fez questão de buscar o consentimento do Administrador David que nos recebeu com elevada disposição e cortesia, falando-nos sobre os esforços do município e da vila (ainda com características rurais) em ombrear com os demais da província e da região.

- Temos muitos projectos em curso e em Maio, festas da vila, vamos inaugurar alguns. - Avançou o jovem administrador, há dois anos à frente do município e que foi reconduzido na última reforma executada pelo Governador, à saída das eleições gerais de Agosto de 2022.

Limitado a norte pelos municípios de Uku-Seles e Cela, a leste pelo município de Mbundu, a sul pelos municípios de Londwimbali e Mbalombo, e a oeste pelos municípios de Mbokoyo e Sumbe, a sede de Kasonge (que responde pelo mesmo nome) foi elevada à categoria de vila em 1964, separando-se do então concelho do Seles.

Conhecida a vila de Kasonge, a última das 12 sedes municipais do Kwanza-Sul, David e Jacob, nomes bíblicos, mostraram-nos o caminho para Amboiva-Seles, desejando-nos "boa viagem e outras visitas".

- Voltaremos, com certeza, agora que sabemos que, com a estrada em asfaltagem, Kasonge já não fica longe!


13.11.2022

Texto publicado pelo Jornal de Angola a 11.12.2022


[1] Um dos maiores rios de Angola, também conhecido (mais a baixo) por Kuvu, serve de fronteira entre Kasonge (Kwanza-Sul) e Mbalundu (Wambu).

[2] Monte, pequena montanha.

[3] Não se conseguem resultados diferentes procedendo do mesmo jeito.

[4] Soube do administrador David Domingos que "fora uma fábrica de sumos e licores, paralisada com a guerra que se seguiu à independência, tento a cobertura, portas e demais aproveitáveis sido retirados pela população local". A existência de extensos campos de produção de ananazes e citrinos, bem como de mão-de-obra e água terão motivado os antigos donos a instalarem a unidade de processamento agroalimentar na via Desvio-Vila de Kasonge, EN 145. 

[5] Posto de Abastecimento. Regra geral os PA da Pumangol estão instalados à entrada (saída) das vilas e cidades do interior.


quinta-feira, dezembro 22, 2022

DONDO, KANDANJI E LAVADEIRAS

- Que nave é essa e o que nela se faz? – Essa é a pergunta que me ocorreu à primeira vista.

Quem passa pela Marginal do Dondo não resiste à imagem visual que convida ao abrandamento, paragem e constatação, seguindo-se a aferição do que se vende nessa nave, feita de serralharia e cobertura de chapas de zinco, espaço que passou da desordem total a local organizado e acolhedor, colocando ao dispor do viajante pratos como: Ikusu nyi mbonzo, funji nyi xitu, jingwingi nyi fadinga nyi kudya kwoso kwa akwa Ndongo[1].

Felizmente, a autoridade administrativa, em coordenação com a cervejeira local, conferiu dignidade ao espaço da feira alimentar permanente. As antigas barracas deram lugar à nave em que cada vendedora/cozinheira tem um espaço delimitado e nomeado que se subdivide em "comedouro" e cozinha.

Desde que, numa visita turística, o meu filho ARSC entornou a farinha da senhora, a minha "barraca" predilecta passou a ser a da Dona Páscoa, a quem ligamos antes de chegar para a competente encomenda, quer eu, quer a mulher. Já lá vão quatro ou cinco pares de anos e ela sempre a perguntar:

- O vosso menino está grandinho, nê?

E depois conta às colegas e ajudantes recentes.

- Já viram? Há males que vêm para bem. Um menino assanhado, certa vez, entornou todo o frasco de farinha. Os pais queriam pagar e lhes falei deixa estar. Ganhei clientes e nunca passam sozinhos, homem e mulher, filhos alheios. É mesmo já família que ganhei.

Para além de se poder apreciar um bom manjar regional na Marginal do Dondo (não há bacalhau com natas, nem cozido à portuguesa), o espaço tem toilettes públicas, mas acham-se distanciadas de um outro pólo (o Leste). Daí a necessidade de se pensar em construir outras no lado em que nasce o sol e dar-se cobro à imundície que se acha à esquina, junto ao atalho que leva à "lavandaria" pública, no rio. Há aí, numa explanada inacabada e semi-vedada, um esconderijo de adolescentes e miúdos lyambeiros que, volta e meia, fazem zaragatas[2] junto à feira alimentar, o que cria um sentimento de insegurança aos turistas neófitos.

Sobre a lavandaria já publiquei uma crónica no Nova Gazeta. O resumo que subtraio é que uns lavam roupa própria ou familiar ao passo que outros fazem kadyenge[3] para depois levar pão à casa, apreciar uns ikusu ou beber umas ekas-do-Dondo. Alguns saem de Kandanji aonde os turistas ainda não vão por falta de um meio flutuante para as travessias seguras e serviços conexos ao turismo.

- Quão bom seria apreciar, em Kandanji, um funji de kandumba[4] com ngwingi e mburi[5], pés na água fria e pachorrenta, ser pedicuriado por cardumes e olhos mirando os velhos edifícios e a marginal da centenária cidade?!

Kandanji (pedrinha em Kimbundu) tem um potencial turístico inexplorado. A aldeia de Luanda mais próxima da centenária cidade do Dondo fica no município da Kisama que tem o Libolo como vizinho a leste. Uma pousada no outro lado do Kwanza e uma embarcação para as travessias e recreio sobre o rio seriam uma autêntica muzwa[6] para o dinheiro do investidor.

A propósito, a Kisama fica a sul do Kwanza (margem direita no sentido poente-nascente). Temos uma província que é o Kwanza-ao-Sul. Vejo a Kisama deslocada de Luanda como vejo o Kasonge mais para o Wambu. É apenas uma sensação que me persegue desde que tomei conhecimento da divisão político-administrativa de Angola.

Texto publicado no Jornal de Angola a 01.01.2023



[1] Tilápia com barata, funji/pasta de mandioca com carne, bagre com mandioca e demais comidas dos Ambundu

[2] Confusão, desacatos.

[3] Biscates, negócio.

[4] Funji feito com farinha/fuba de batata doce.

[5] Espécie de feijão que se parece a lentilha.

[6] Nassa. Instrumento de pesca.

quinta-feira, dezembro 15, 2022

KONDA: UMA VILA NO TOPO DA SERRA

À chegada, pela EN 110, quer saindo do Amboim (Gabela) ou do Uku (Seles), é uma "vida leve", como dizem os são-tomenses, que o recebe. A vila, com ruas asfaltadas e limpas, não se mostra agitada como as outras urbes repletas de comerciantes oeste-africanos e moto taxistas. Tudo parece fluir como o Keve abaixo das cachoeiras da Binga (manso e silencioso). Alguns recortes arquitectónicos, como a igreja Católica, a "piscina" e o mural com mensagens culturais e patrióticas, à volta do "palácio", despertam a atenção do visitante forasteiro e convidam-no ao registo fotográfico.

Oficialmente grafado com C, Konda é dos menores municípios do Kwanza-Sul. Tem 2.090 km² (3,6%) e cerca de 80 mil habitantes. É limitado a norte pelo município do Amboim, a leste pelo Hebo, a sul pelo Seles e a Oeste pelo município do Sumbe. Subdivide-se em comuna-sede, correspondente à vila da Konda, e pela comuna de Kunju e possui ainda as "áreas administrativas" de Asango II e Jombe.
As águas termais de Tokota¹, a 5 km a norte da sede, na montanha da Carcaça, e Nhime, a 30 km a oeste, na serra do Engelo, além das belas quedas d'água da cachoeira da Binga (EN 240), constituem, entre outras, as grandes áreas de lazer da região.
Se vai em turismo e gosta de comer em restaurante com alguma classe, previna-se e leve farnel. Sendo a agricultura e a pesca no Keve das principais actividades, "as pessoas com dinheiro para ir comer nos restaurantes são apenas os funcionários públicos e os vendedores na praça", explicou o jovem Henriques a quem pedi que me mostrasse um restaurante, levando-me a uma barraca junto ao Banco BIC.
"Aqui, as pessoas que vêm de fora, sem ter família onde se hospedar, são poucas. Cada pessoa come em sua casa ou em casa de parentes. Somente nos bares é que vendem bebidas e pinchos", acrescentou o Henriques para quem tasca e restaurante parecem ser a mesma coisa.
Segundo o jovem, "a Konda tem tido alguns dias de agitação", mas calha. "É mais quando vem delegação do Sumbe ou de outro município", clarificou.
Se gosta de campismo e desbravar a natureza, desde que tenha logística complementar, recomendam-se os encantos paisagísticos da Konda e a acalmia de uma vida pacífica de gente humilde e trabalhadora que "odeia" a zaragata².
O acesso ao município da Konda, cortado pelo rio Keve ou Kuvu, demanda viatura em boas condições técnicas, destreza e experiência do condutor. As duas margens do rio Keve são antecedidas de serras por onde serpenteia a Estrada Nacional 110. Há mesmo quem diga que "haja mais curvas e perigo nas serras da Konda do que na estrada sobre a Leba" (Namibe).
Recuando à génese da vila de Konda, a primeira casa comercial foi erguida em 1918, iniciando em 1928 a edificação de casas definitivas. A 13 de Dezembro de 1965, foi criado o Concelho da "Conda", pela Portaria nº14061, desanexando-se do Seles, do qual dependia administrativamente³.

=
1- Quente.
2- Confusão.
3- Fonte: Jornal de Angola,15/08/2015.

sábado, dezembro 10, 2022

MARROCOS, O SAHARA E A UNIÃO

Usei o sábado, 19.03, para participar da minha primeira Assembleia Geral da União dos Escritores Angolanos (admitido a 5.03.22). Enquanto se aguardava pelo quórum, aproveitei, no espaço da União, fazer a dose vacinal de reforço, tendo me sido injectada a AstraZeneca que se comportou bem até ao meu regresso à casa, depois da Assembleia.

Momentos depois, estacionada a viatura, comecei a sentir o corpo todo a entrar em falência. Os membros apresentavam carências e dívidas na relação entre o pensamento fértil e a acção condicionada.
Tal como senti o meu corpo, apercebi-me que assim é o estado da (agora) nossa União: dívidas relativas a salários de colaboradores que chegam a dezenas de milhões de Kwanzas; dívidas com o pagamento de obrigações à segurança social; dívida com uma unidade sanitária, que leva quase década; entre carências e falências várias.
Dos "a receber", anotei: meros kilapis de escritores que levaram livros para vender e que não devolveram a parte institucional por falta de contrato e regulamento. Mais a receber não há no relatório 2019-2021, aprovado, sem voto contra, pela Assembleia.
Olhando do Largo das Escolas para dentro: uma "floresta" e uma estufa que ofuscam a designação, o brio e o brilho da mais antiga instituição associativa intelectual. Quem vê, ao passar, a marca da UEA? E aquela "lavra" de plantas ornamentais, logo à frente de tudo, sombreada por frondosas árvores que desconhecem a têmpera de um machado, catana ou serra eléctrica?!
Adentremos: bambus. Lindos bambus, demandando poda também. Nas dependências do edifício central, velhas mesas, cadeiras e armários que guardam lindas estórias, conhecimentos e reflexões sempre novas. Mas é trôpego o imobiliário, reclamando substituição.
E você que me lê, se calhar se pergunte: o que andou essa malta a fazer durante esse tempo todo? Que fez a equipa do último Secretário Geral?
Pois é. É sobre o último marido da senhora que todos têm os olhos mirados!
1- A UEA é instituição de utilidade pública, merecendo receber dotação orçamental para despesas funcionais, não destinada a pagamento de salários. Entre 2019 e 2021, não pingou na conta da União sequer um vintém de Kwanza.
2- A principal empresa angolana, que era patrocinadora de longa data e com bom caudal, deixou de apoiar, por alegadas dificuldades financeiras.
3- As medidas de prevenção e combate à covid-19 provocaram o fecho de muitas actividades e o  enxutamento das empresas, levando os arrendatários dos imóveis anexos a devolverem-nos. Hoje, demandam obras de reparação para que, com a reabertura dos negócios, se tornem atractivos a novos inquilinos.
3- Pela mesma razão acima evocada (Covid-19), a proibição das actividades sociais, culturais e lúdicas levou à paralisação do café, do njangu e outras dependências da União abertas ao arrendamento pontual.
Em suma, em menos de três anos, "perto de dez fontes de financiamento se fecharam".
Que fazer? Como salvar a União?
A mim, parece que não basta uma voz gritante. São necessárias muitas gargantas estridentes e, acima de tudo, uma combinação de cérebros pensantes que convirjam na solução do mar de dificuldades e manutenção da liberdade e coabitação dos criadores da arte literária e do pensamento evolucionista. É preciso apelar às instituições públicas, privadas e filantrópicas (fundações) a ajudarem a resgatar e preservar o legado histórico-cultural e social da União dos Escritores Angolanos. Todos (membros e sociedade) somos poucos para a empreita.
Se tal não acontecer, mais passa o tempo, mais surgirão "ideias marroquinas com o fito de abocanhar o Sahara Ocidental".
Aí será o fim!
(O autor é membro da UEA)

Obs: Texto publicado pelo Jornal Cultura a 30.03.2022

sábado, dezembro 03, 2022

PRONUNCIANDO CELA

 "Sela ou Tchela"?

- Ku Sela ngeti kutunda yo ngeti kuya Kwosonge¹!

Como libolense, ainda kandenge, sempre ouvi os mais velhos a referirem-se à Sela ou Santa Comba (Dão)². Em Kimbundu ou variante desta língua bantu qur se fala na região entre os rios Nyiha e Kuvu ou Keve³ a pronúncia é mesmo "Sela" e não "Tchela" que, no caso, exigiria a inicial "C", dada a correspondência fonética do alfabeto Kimbundu⁴.
Conheci a cidade do Waku Kungu em finais de 1998, como jornalista principiante, fazendo parte de uma comitiva do então Primeiro-ministro Dr. França Van-Dúnem que fora visitar o projecto Aldeia Nova. Passei a cruzar o território de forma mais contínua em 2007 e, sempre que passo ou paro, empresto o ouvido aos falares de gente local que continua a pronunciar "Sela".
Bem, desta vez, adentrei sem pressa e percorri a capital da Sela. Cidade construída sobre o sopé da montanha húmida expansiva e fecunda, com várias edificações "vivas e mortas", como a Estalagem do Monte que reclama por um reconstrutor ou pela intervenção supra-humano que desimpeça um "ocupador" de a ter sem a reerguer.
Apesar dos estragos da guerra impiedosa e do descaso, a cidade era/é, deveras, grande, bem traçada e com área expansiva. Pena foi ter caído, como tantas outras do interior e litoral, em mãos de aldeões que não a valoriza(ra)m, deixando-a soçobrar, sem manutenção condigna das habitações, redes técnicas e serviços públicos.
A meu ver, mesmo sendo cidade associada à agroindústria, Waku Kungu é urbanidade para a classe média e onde a burguesia emergente deve/via continuar a construir ou possuir e reparar habitação para repouso sabatino. Daí que não seria heresia sugerir que a administração convidasse os "proprietários" por uso campeão das habitações uni e plurifamiliares a fazem obras de restauro, corrigindo deformações advindas do desgaste temporal e outras invencionices dos homens alheios à ordem, coesão e estética citadinas.
No Waku Kungu, capital da Sela, tomei ainda nota de antigas instalações reconvertidas para outros fins, como é o caso da antiga delegação da TAAG, da antiga escola de enfermagem, do antigo "lar" de estudantes e do acolhimento de bolseiros.
Tendo sido, estas instalações (do tempo da RPA⁵), tomadas por pessoas no Governo ou próximas, apregoa a voz acusadora e, às vezes carregadas de inveja, que sejam "aproveitadores ou oportunistas".
Perguntei e falei comigo mesmo:
- Para que valeria ter "sede" ou loja da TAAG (herdeira da DTA), tendo ela deixado de voar ao Waku Kungu há mais de trinta anos? O que seria das instalações?
- Para que adiantaria ter as instalações da Escola de Enfermagem que a tutela ministerial descontinuou?
- Para que adiantaria ter instalações da Emprotel-UE, empresa extinta?
Algumas instituições/instalações devem mudar de objecto social, passando pela recuperação física, ao passo que, havendo necessidade de se recuperarem alguns serviços como um Lar para Estudantes de aldeias distantes como Sanga e Tongo (apenas exemplo), instalações ociosas e ou totalmente inutilizadas/destruídas devem merecer a atenção das autoridades para a sua restauração e reutilização.
Waku Kungu merece o estatuto de cidade e tal não deve ser apenas de "papel". Deve ser cidade, de facto, com todas as valências que façam inveja à terra do ditador Salazar, Santa Comba Dão!
Numa nota histórica publicada no portal Património de Influência Portuguesa (HPIP), da Fundação Calouste Gulbenkian, a arquiteta Maria Manuela Fonte, refere que o Gabinete de Urbanização Colonial desenvolveu o projeto do colonato e cidade, sendo os planos assinados pelo arquiteto Fernando Batalha em 1952. O colonato, construído em 1952, era constituído por 15 aldeias que seriam povoadas por trezentas e cinquenta famílias (cerca de 3.000 habitantes), das quais metade eram oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro e os restantes de outros pontos de Portugal.
A vila de Santa Comba Dão, sede do povoamento agrário, era a que mais se destacava pela representatividade e dimensão, sendo que "o seu desenho, de composição simétrica com uma grande alameda ao centro, onde se localizam as várias peças de equipamento, termina este percurso, ao longo de suave declive, na sua igreja matriz, cópia fiel da original construída em Portugal em Santa Comba Dão, terra de Salazar", descreve sinda Maria Manuela Fonte.
Prossegue que "em Santa Comba Dão existiam edifícios com várias funções e programas, nomeadamente os Paços do Concelho, camaratas para colonos recém-chegados, messe de operários, mercado, hospital e pousada, inicialmente construída para ser convento de religiosas, mas que foi utilizada como a Estalagem do Monte.
=
1- Venho da Sela e vou ao Kasonge.
2- Antigo nome (colonial) de Waku Kungu
3- Kuvu (do Kimbundu) para a terra. Semelhante significado para Keve (Umbundu). O rio atravessa e serve de fronteira entre regiões/localidades umbundófonas e kimbundófonas.
4- Instrumento publicado pelo Governo de Angola e que data da década 80 do séc. XX.
5- República Popular de Angola ou primeira República.

quarta-feira, novembro 30, 2022

ATÉ QUE PONTO CRECHES PARA IDOSOS AUMENTARIAM LONGEVIDADE?

Phande-a-Umba tem a mãe viúva, idosa e invisual. Malocha viu o pai partir e tem a mãe, também idosa, a morar sozinha em uma casa, na cidade, fora do seu habitat.

Quer a mãe de Phande como a de Malocha viviam no interior do país, em comunidades cooperantes, diferente de Luanda, onde as idosas se sentem isoladas, pior ainda, com as limitações impostas pela covid-19.

Malocha e Phande têm experimentado juntar as duas mães em alguns fins-de-semana, para conversarem. As septuagenárias reclamam a ausência de coetâneas para conversar, contar os filmes de suas vidas e experimentarem novas coisas.

- Os filhos dão comida, empregada e assistência médica. Disso não podemos reclamar, mas será que a vida é só comer dormir e acordar? - Reclama a mãe de Phande.

- Sabemos cozinhar, lavrar, consertar e fazer outras coisas. Mas o quê que a pessoa faz se vive sozinha? - Reclama a mãe de Malocha.

Embora Phande tenha erguido uma casa adaptada às condições de mobilidade condicionada da sua progenitora, tem pensado que se existissem "creches" para os idosos passarem o dia e voltarem no final da tarde às suas residências, o tédio e solidão seriam menores e aumentaria o prazer pela vida. 

Argumenta que os idosos trocariam experiências, conversariam sobre suas vidas, suas afinidades,  dificuldades e anseios,  encontrariam aspectos comuns e, eventualmente, uns voltassem a se apaixonar e casar, como tem acontecido em alguns dos poucos lares de idosos em Angola.

Quer idosos, quanto idosas podem, num lar ou creche, praticar e ensinar artes e ofícios. As mulheres, por exemplo, podem atender encomendas de bolos, kizaka, nfúmbwa, kisângwa e outros, repartindo os proventos entre elas (colectividade da creche). Os homens podem consertar assentos, pintar jarros, etc., enquanto mantêm as conversas em dia e sem pressa.

Em tempos, alguns idosos no Rangel (Luanda) que viviam com suas famílias, preparavam-se, manhã cedo, para saírem em direcção ao bairro Palanca, como se fossem trabalhar. Uma antiga livraria e papelaria, na Rua E, tinha sido transformada em ponto de encontro de idosos reformados que jogavam às cartas e falavam de suas vidas.

- Até contar o número de netos e bisnetos é motivo de conversa, dizia António Kabanga, já finado. 

Em Portugal, conheci um idoso, também já finado que se ocupava a escrever as biografias de seus coetâneos à medida que fossem conversando no jardim sobre suas vidas. O velho "virou escritor biografista".

São essas experiências que fazem Malocha e Phande reflectirem sobre se "creches para idosos" não ajudariam a dar mais vida aos anciãos solitários.

- O que diz a legislação angolana sobre a criação de lares privados para acolher idosos?

- É possível explorar esse nicho, a exemplo das creches que cuidam dos menores durante o dia, devolvendo-os ao final da jornada aos seus pais?


Jovens hoje, idosos amanhã. Antes que a mesma desgraça não nos bata à porta, vamos reflectir juntos.


Texto publicado pelo Jornal de Angola, a 23.01.2022

segunda-feira, novembro 28, 2022

MR LEE & JE NE SAIS PAS?

Em Seul, Mr. LeeJE NE 
Em Seul, Mr. Lee, general da armada nas guerras contra os japoneses, é uma lenda que me fez lembrar uma estória (isso mesmo, estória) sobre o Je-ne-sais-pas de França. Contava-se que certo magnata angolense, nos primórdios da nossa existência como país, fora a Paris em trabalho, por duas semanas. Sempre que visse algo espectacular perguntava o que era, quem era ou quem tinha sido o inventor.
Foi assim na Renault, na Torre Eiffel, no monumento de Charles de Gaulle, no Parque de La Liberté, etc. Como resposta, vezes tantas, recebia um seco Je ne sais pas!

No último dia de sua estada em terra gaulesa, deparou-se com um funeral e voltou a perguntar quem tinha ido emprestar cor aos tijolos, ao que o guia o respondeu com ar triste: moi je ne sais pas!
O coitado do "nosso" magnata pôs-se aos soluços, chorando baba e ranho a morte do senhor todo poderoso e engenhoso que fora o Je-ne-sais-pas.

Em Seul, sendo História e não estória, o Mr Lee (rei Sejong) é o nome mais pronunciado pelos guias aos turistas estrangeiros que procuram conhecer um pouco sobre a cidade e o passado de memória colectiva deste povo que odeia os japoneses como os angolanos já odiaram os sul-africanos-carcamanos, donos de aviões "racistas" violadores vezeiros do solo pátrio no tempo das kitotas. 

Ora pela sua bravura e liderança, enquanto general da armada na nvuda contra os da pátria do sol nascente, ora como inventor do alfabeto coreano e outras facilidades, ora pelos eloquentes discursos, enquanto político e diplomata. Mr Lee, o clever Sejong, é nome a reter. Por isso, em jeito de roteiro turístico pelo National Folk Museum of Korea, trago-lhe alguns tópicos sobre o rei Sejong ou simplesmente Mr Lee, terceiro na linha de sucessão e que foi entronizado em 1418, com apenas 21 anos.  
São apresentados em resumo como marcos do seu reinado: Hangul, tolerância religiosa, Pluviômetro, Calendário coreano, Globo celeste, Prensa de metal, Tipo móvelcomo algumas das invenções que se tornaram eo legado do rei Sejong, um dos dois únicos reis da Coreia que foram postumamente premiados com o título de "O Grande".
Sejong não foi o rei escolhido, pois era o terceiro filho do rei Taejong, o terceiro monarca (da dinastia) Joseon. O príncipe herdeiro era Yangnyeong o mais velho dos oito filhos do rei com a rainha Wongyeong e foi preparado para suceder a seu pai. O Grão-Príncipe Chungnyeong, mais tarde Rei Sejong, foi descrito como um estudante muito brilhante e sábio, que amava o seu país e seu povo desde tenra idade. Ele não tinha medo de questionar a autoridade e as crenças tradicionais.
Embora não devesse tornar-se rei, nesse quesito foi favorecido pelo pai. O príncipe herdeiro acreditava que o seu terceiro irmão era a melhor pessoa para suceder ao pai e, por essa razão, comportava-se rudemente na corte, levando ao seu banimento. O seu segundo irmão, o Grão-Príncipe Hyoryeong foi o próximo, seguindo as regras de sucessão. Ele também não queria o trono e decidiu ser um monge budista, deixando assim o trono aberto para o terceiro filho.
O rei Sejong é descrito como um pensador avançado que pretendia deixar de ser um vassalo da China (dinastia) Ming, projectando um país progressista e uma governação benevolente que colocaria o bem-estar do seu povo acima da política. Mr. Lee, como é carinhosamente tratado pelos coreanos, destacou nas relações exteriores, fazendo vários acordos bem-sucedidos com a China Ming e o Japão. Era também adepto do planeamento militar e apoiou o desenvolvimento de canhões, flechas de fogo, pólvora e morteiros.
O rei criou um manual de técnicas agrícolas para melhorar a produção agrícola da Coreia, reformulou o calendário coreano, que na época era baseado na longitude chinesa. Tal permitiu que os astrônomos coreanos previssem as ocorrências de eclipses lunares e solares com precisão. Durante o seu reinado, a medicina tradicional coreana tornou-se diferente da prática chinesa.
Algumas das invenções, durante seu reinado, foram as primeiras do mundo, com a maioria delas inventadas por Jang Yeong Sil, um plebeu cujo talento foi reconhecido pelo rei Sejong e nomeado para um cargo governamental. O primeiro pluviômetro do mundo, o Cheugugi, foi inventado em 1442. Outro coreano, Choe Yun-ui inventou a primeira impressora de metal do mundo em 1243, bloco de impressão de tipo móvel, chamado Gabinja, foi criado em 1434. Um relógio de água auto-marcante, relógio de sol e um globo celestial coreano foram criados durante o reinado do rei Sejong.
O ponto alto de seu reinado foi a criação do hangul, o alfabeto coreano de 28 caracteres que sobrevive até hoje. O hangul foi baseado nos padrões que a boca, os dentes e a língua faziam quando os sons eram criados. Isso aconteceu pelo desejo do rei de que o seu povo, especialmente aqueles das classes mais baixas, fosse capaz de ler e escrever. Publicado em 1446, o alfabeto, fácil de aprender, permite que as pessoas o aprendam em poucos dias e pronunciem com precisão a escrita coreana depois de estudá-lo por algumas horas. O rei Sejong apoiou igualmente a educação e a literatura e escreveu Yongbieocheonga (1445) ou as Canções dos Dragões Voando para o Céu em Hangul. É ainda autor de Seokbo Sangjeol ou os Episódios da Vida de Buda (1447), o Worin Cheon-gang Jigok ou as Canções da Lua Brilhando em Mil Rios (1447). Escreveu também o Dicionário de Pronúncia Sino-Coreana Adequada ou Dongguk Jeong-un.

Nota: com subsídios da pg. Rei Sejong, o Grande, Líder Visionário de Joseon., 

sexta-feira, novembro 25, 2022

DISTÂNCIAS DAQUELE E DESTE TEMPO

"Ai, ia, ia mama

Ai, ia, ia mama

Luanda fica longe!"


Essa canção do folclore angolano (interior) e do tempo da kitota, quando Luanda era "o porto mais seguro", tem, hoje, outros sentidos e outras abordagens.
- Que localidade fica, realmente, distante de qual outra e em relação a que outra de referência maior?
Quando, no Libolo dos anos 80 (sec. XX), cantávamos/reconhecíamos a distância até Luanda, fazíamo-lo com a consciência repousada nos mais ou menos 250 quilómetros alcançáveis somente em viagem de carro, que tinha que superar minas, buracos, possíveis ataques da rebelião (bem identificada e conhecida), avarias e kavwanzas dos tropas no Kyamafulu e outros postos de controlo. Mas havia outras regiões/localidades que distavam mais ainda, em relação a Luanda. Era o caso do Musende, da Kilenda (encravada e sem asfalto) ou do Waku, só para citar algumas. O Kasonge é e sempre foi mais para o Wambu do que Ngunza ou a capitalíssima.
Outros, embora cantassem/lamentassem a distância a que se achavam de Luanda ou Ngimbi, tinham outros referenciais. Ngunza, por exemplo, estava à "mão" de Gabela, Konda Uku, Hebo e Kibala, embora sofrendo os mesmos empecilhos na via. Do mesmo modo que os libolenses consideravam os kasongenses de "os mais distanciados de Luanda", os da Gabela, Konda e Seles também achavam os libolenses entre, ou senão mesmo, "os mais distanciados de Ngunza Kabolo". É o sistema de referência (física e social).
Bem, com estradas asfaltadas que vamos tendo e com manutenção permanente; escolas de qualidade e professores valorizados (com residências onde não haja mestres locais); postos e centros médicos com pessoal valorizado, instrumentos e medicamentos; campos agrícolas em permanente lavragem e colheitas, surgirão aldeias lindas que devem ser organizadas, energizadas e com água encanada, trazendo a pequena, media e grande indústria atrelada à cadeia agropecuária.
Quando isso acontecer (é possível que sim), teremos todas as distâncias encurtadas. Uns viajarão comodamente, sem pressa nem desgaste. Outros preferirão não migrar para o desconhecido, pois as suas aldeias farão homens fartos e felizes em realizarem as suas vidas e seus sonhos ao pé de seus ancestrais vivos e ou chorados.
Quando esse dia chegar (e temos todos de nos esforçarmos, cada um no seu posto e com o seu saber, para realizar a nossa pátria) já ninguém perguntará se "entre Libolo e Kasonge (norte e sul); Port'Amboim e Musende (oeste e leste), quem está mais distante e de quê?" A vida será prazerosa, onde quer que se esteja, e as viagens por terra transformar-se-ão em um autêntico deleite turístico!

sexta-feira, novembro 18, 2022

ESTÓRIAS DE VIANDANTE


 1- A pedra "é" do MPLA!

Está escrito e tem sido dito, vezes sem conta. É assim que os passageiros de moto-táxi ou acaba-de-me-matar respondem quando ficam no intervalo entre Kondé e Hebo.

- Ficas aonde?
- Fico naquela pedra do MPLA.
Nisso de fazer campanha e mostrar o símbolo do Glorioso aos adultos e jovens do amanhã, o Hebo me parece estar bem. Falta saber o que fazem os homens do Partido na EN 240, segmento Kibala-Musende, sobretudo na área do Gango.
- Kenhê que manda naquela jurisdição?
2- Os postes metálicos em tripé achados na via Kibala-Karyangu, contam os locais, "deviam levar energia da sede municipal à comunal". Quando estivesse construída a mini-hídrica de Karyangu (que continua no papel), "a mesma linha levaria a luz de Karyangu à Kibala", acrescentam amwalyakime.
Veja como estão?
O mesmo se diz dos postes de betão que ligavam a Kibala ao Kondé (Hebo).
Alguns fizeram a guerra para a suposta "(in)dependência total" sem pensar em ou desejar um futuro de luz e com luz!
Felizmente, há sinais de descarga de postes de betão (média tensão) na rodovia Kibala-Musende. Em breve serão implantados no solo, ao que se seguirão outros trabalhos como a montagem de cabos e construção de centrais eléctricas de despacho, recepção e distribuição.
3- Musende seria o meu ponto de paragem, mas não o destino final. Grafo sempre como reclamo que devia ser nas línguas angolanas de matriz africana, no caso da região o Kimbundu. Musende foi, porém, o ponto culminante, ou melhor, encontrei "a porta fechada".
Indagados sobre o estado da rodovia que me levaria a Malanji (135 Km), os jovens que preferem frequentá-la de moto disseram-me:
- kota, essa via está péssima.
Recuei e meti-me na que vai ao Kwitu (295 km). A resposta deixou-me segundos petrificado, sem força para premer o acelerador.
- Kota, esta está pior do que a de Malanji.
Olhei para as poucas horas que me restavam, antes da despedida do sol, e fiquei a pensar, a me questionar sem respostas.
- Ngibanga kyebi?
- Ndilinga ndati?
- Ngiditela kwebi?
- Ndenda pi?

4- De volta à EN 240, os rápidos do Longa, na sede de Karyangu, e a antiga ponte assente em base de pedra e plataforma metálica (a plataforma original foi deitada água abaixo pelos dinamitadores de costume) convidam-me para o deleite. Conferi estórias ouvidas à realidade vivida. Mas é já próximo de Kibala que um motoqueiro me impede a ultrapassagem. Carregava atrás um "fardo" circular com perto de sessenta centímetros de diâmetro. Eram enormes cogumelos que levariam, sem dúvida, alguma alegria à panela, ao prato e ao estômago.