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quinta-feira, novembro 28, 2019

AMERICANOS E HAVAIANOS DE ANGOLA


Tente pronunciar as palavras Kalulu e Honolulu. Algo lhe soa parecido? Então acompanhe a crónica. 
Quando Mangodinho e Kizwa se conheceram, nada indicava que viessem a ser amigos e quase kisoko (quissoco). Cruzaram numa repartição pública e o desabafo, em kimbundu, de um despertou a atenção do outro, começando, ambos, a desabafar e reclamar, naquela língua, o serviço precário e a desatenção com que eram brindados pelos servidores públicos.
- Eye, ukwa Catete we? -  Perguntou Kizwa.
- Kaná kamba dyami. Angivalela ku Lubolu. - Respondeu Mangodinho, levando Kizua a buscar outro esclarecimento, já na língua que faz a nação. 
- Mas, ouve. Vocês não falam ngoya? Como é que tens um kimbundu tão refinado quanto o de um americano? - Indagou Kizwa (Dias no BI).
- Bem, fazendo as "contas", eu, nato libolense, sempre falei Kimbundu. Isso de ngoya são invencionices desses tempos em que a boca de quem tem microfone na mão vira lei e ciência. No meu tempo, você perguntava no vovó que língua se fala, ele respondia mesmo é Kimbundu, assim mesmo conforme estamos a dialogar. Mas o mano colocou outra questão...
- Questão qual, camarada Mangodinho?
- Aquela de americano. Será que quis comparar o catetense ao americano dos Estados Unidos da América?
- Ah! Sim. Você sabe que para nós, tudo que existe na América aqui também tem equivalente? Veja ainda:
Quando nomearam Gorge Washington presidente americano, aqui os papás daquela era disseram "é nosso filho". Traduziram para Jorge waxingi Tonho.
Quando mataram Bin Laden, os mais velhos também disseram "coitado também era nosso filho Abílio Adá".
O Adan Smith também é nosso. É Adá Ximá. É por isso que os catetenses se acham americanos. E tu, que dizes ser igualmente  americano, qual é a relação? Conta ainda camarada Mangodinho. 
Entre conversa de fazer o tempo voar e busca efectiva de parentesco etno-linguístico entre os Ctts e Lubolu, Mangodinho proseou assim:
- Nós do Libolo, somos americanos do Pacífico. Vês que não gostamos de jivunda, nê? Somos pacificos, ou melhor, do Pacifico, assim como os havaianos. O Barack Obama que nasceu em Honolulu, Havaí, é nosso. Retém ainda o som de Honolulu e Kalulu. É ou não parecido? É por isso que Catete e Libolo são como Nova Yorque e Havaí. É mesma nação. Quer seja Abílio Adá, Adá Ximá, Gorge Waxingi Tonho ou Mbalá Wabama (Barack Obama) são todos nossos, da nação Kimbundu!
O povo que estava na administração e que prestara atenção à troca de argumentos brindou-lhes como uma ensurdecedora rajada de palmas.
Kizwa e Mangodinho abraçaram-se demoradamente e selaram um pacto de kimbundearem sempre que se encontrem.
Afinal Catete e Libolo são apenas dois Estados da Nação Kimbundu. Proclamaram.

sexta-feira, novembro 22, 2019

CONTRA A FEROCIDADE CAPITALISTA UM ÓPIO


No "capitalismo liberal", segundo politólogos, impera a soberania do mercado e do eleitor.
Por outras palavras, há liberdade e sem intervenção política na economia que é "governada pela lei do mercado de bens e serviços. Quem escolhe os políticos é o cidadão eleitor. 

Quando o político não intervém, prosseguem os pensadores políticos modernos, é um "laissez fair" que "obriga" o político a pensar no legado para a próxima geração em vez de pensar na próxima reeleição. 

O sistema capitalista, mesmo que liberal, tem, porém, seus males. Os ricos (detentores do capital), com a exploração dos pobres (força de trabalho), tornam-se mais ricos e os outros (explorados) mais pobres. Isso leva as pessoas a olharem simplesmente para si e não para os outros.

A aposta em programas sociais ou de nivelamento social é fraca ou inexistente, resultando em muitos indigentes. É o que constato nas ruas de São Paulo.

Entretanto, perante situações dessa natureza, é preciso encontrar mecanismos para entreter ou distrair aqueles que, sem oportunidade de mudar o quadro, se entregam ao proxenetismo, ociosidade por falta de ocupação, mendicidade e outros males. Surgem os "ópios" sociais.

A Avenida Paulista, que abre aos domingos, das 10h00 às 18 horas, é um desses meios para distração/lazer/turismo. Aos que sobrevivem, é um ópio. Aos que vivem, proporciona lazer. Aos visitantes de outros Estados, é espaço para lazer, sendo toda ela, nos seus perto de 3 quilômetros de extensão, uma festa no horário acima apontado.

E o pobre, que já é pobre, queima as únicas moedas que serviriam para a poupança, o pão ou mesmo o transporte para nova e penosa jornada da segunda-feira imediata.

É o ópio que faz olvidar a própria existência humana!

sexta-feira, novembro 15, 2019

VULAMISA DE 5 ANOS

O frio de kasimbu (cacimbo) e o vento oeste-leste a quebrar o capim denso da savana e a recolher as folhas secas dos arbustos faziam, naquela manha de sol envergonhado, as pessoas se "amontoarem em grupinhos para se emprestarem calor. Alguns homens, sobretudo os fumadores, encontravam no cigarro autênticos elevadores térmicos. As mulheres sem samarras ou casacos elevavam acima das vestimentas os panos que, normalmente, usam como reserva facilitadora para manobras de satisfação de necessidades fisiológicas em terrenos sem os necessários lavabos.
Nas casas de "ciwnda", nos bairros da cidade e nas repartições publicas ou das poucas empresas privadas o ambiente friorento e de aproximação, quase que íntima, entre as pessoas, indistintamente do sexo, era o mesmo.
No aeroporto Deolinda Rodrigues, a conversa entre Lawa, Lamba e Walya, colegas de serviços distintos, era sobre pessoas que se instalavam na cidade fundada por Henrique Carvalho, sobre os emigrantes e sobre aqueles que, sendo "akwakwiza", findavam as suas missões de serviço àquela terra.
- Mwata Kamanga kaneza. - Disse Walya.
(O senhor Kamanga está a chegar)
- Sério? - Perguntou Lamba, quase admirada pelo que ouvira da amiga, pois o dito cujo era conhecido de ambas e se fazia ausente do seu convívio havia perto de cinco anos.
- Yá. Lhe vi mesmo com aquele chapéu dele que tem marca dele de fumar cachimbo.
- Mas veio, então pra voltar de novo e ficar ou veio só de visita?
A conversa entre Walya e Lamba ganhou o apimento de Lawa que entre elas fora a mais próxima do dito cujo com quem partilhava experiência profissional.
- Vocês sabiam que há vulamisa que actua de imediato, outro que faz um ano e ainda o que actua só depois de cinco? Há quanto tempo o mwata Kamanga deixou Sawlimbu? - Questionou Lamba às amigas.
- Quatro ou cinco anos. - Respondeu Lamba.
- Viram a kamala dele? Pessoa que viaja e que não tem mais casa aqui vem assim, só kamalita de mão? - Atirou novamente, provocadora, Walya.
- Também estou a achar um pouco estranho. Retorquiu Lamba Lyeza, acompanhada gestualmente por Walya.
- Pois é. Apontem só nos vossos corações. - Acresceu Lawa. - Assim mesmo que veio com essa kamalita é para ficar. Homem que lhe dão vulamisa de 5 anos, manda já comprar as coisas, e quando vem de volta ao sitio em que lhe amarraram o coração é tipo rapaz que sai de casa para ir jogar à bola. É só quedes nos pés e mais nada. Controlem agora em que casa vai entrar.
Lamba Lyeza e Walya Zoloka ficaram ainda a pensar no alcance da última tirada da amiga dos serviços de informação enquanto essa,
cultora de conversas cabeludas, montou a sua mota-rápida, fazendo-se à cidade para seguir a viatura que transportava o tão famoso mwata. Pelo trajecto, Lawa ia anunciando às outras amigas, via sms, a notícia do dia.
- Mwata Kamanga kaneza. Lhe deram vulamisa de cinco anos. Lhe controlem onde vai entrar!
Notas:
. Vulama ou vulamisa é a expressão atribuída, no nordeste angolano, a supostos remédios que, uma vez administrados por uma concubina a um forasteiro, fazem-no esquecer a procedência e família.
. Ciwnda=aldeia rural; akwakwiza=forasteiros; mwata=senhor; kamala/kamalita=diminutivo de mala.  
. Qualquer semelhança com facto ou nome real é, neste caso, mera coincidência.  

Publicado pelo Jornal de Angola de 16.06.19

sexta-feira, novembro 08, 2019

LIVRARIAS, MUSEUS E FRESCOS


Mui provavelmente, depois de Cairo, que possui um Museu do Papiro que dá ao visitante a experiência de vivenciar a confecção do papiro (papel), tendo como matéria-prima as herbáceas aquáticas com que na "banda" se confecciona o lwandu e a esteira, Viena deve acolher o segundo ou o mais rico Museu do Papiro. E lá não está depositada somente a história do material de suporte à escrita, como também antecedentes (peles, pedras, madeira) e peças de ar ...te representando Ramsés e outras coisas e loisas da História Egípcia que tive o privilégio de estudar com o Professor MSC Luís de Barros (ISCED/Luanda, 2000).
Depois do Museu do Papiro, por si um grande encanto, também conheci o Museu do Livro, situado no mesmo edifício. Isso mesmo. Museu do livro. E a história é contada em Séculos, da antiguidade clássica aos nossos tempos, com livros editados em cada um dos séculos.
Momentos antes, no mesmo dia, adentrei a Biblioteca da OPEP, que junta mais de 20 mil exemplares, entre literatura sobre bio-combustíveis energia e tecnologia à volta. A organização fundada em 1960 dá assim um grande contributo ao conhecimento, sua concentração e perpetuação, colocando o seu acervo à disposição de quem queira saber mais sobre o "mundo energético".

Quem nos dera que tivéssemos também os nossos museus e, sobretudo, erguer edifícios que por si sós contassem outras Histórias como é o caso dos frescos que se dão à mostra no Museu do Livro de Viena?
Museu do livro
Quem nos dera!


sexta-feira, novembro 01, 2019

KALUNGA DE CÁ E DE LÁ

Entre os ambundu do Kwanza-Sul, Kalunga é um antropónimo feminino que personifica morte, abismo, sem esperança de sobrevivência. Tal designação é atribuída á menina, recém-nascida, que sucede a outros nado mortos ou que tenham falecido prematuramente.
No sentido mais lato, Kalunga é abismo, morte, mar (vastidão), infinito.

No Brasil, Calunga (grafam com C) é o nome dado ao espírito ou divindade que se manifesta principalmente através da Umbanda. Estas entidades são popularmente conhecidas como “pretos-velhos”, e possuem um amplo conhecimento sobre diversos assuntos.
Lê-se no Wikipédia que "a principal característica de um calunga é a sua sabedoria". De acordo com a crença umbandista, lê-se ainda na página acima citada, essas entidades são harmoniosas e dotadas com uma grande vontade de esclarecer os problemas do quotidiano das pessoas.

Eventualmente tenha sido essa última caracterização que levou
Damian Garcia a fundar em 1972 a A Kalunga Comércio e Indústria Gráfica Ltda, rede brasileira de produtos de materiais de papelaria e artigos de informática contando com 204 lojas em 20 estados brasileiros.
No dizer dos seus colaboradores, "a Kalunga esclarece e resolve os problemas do quotidiano das pessoas...".

Certa vez, em visita a São Paulo, Estado Brasileiro, adentrei, em companhia de outro angolano e kimbundófono, uma loja kalunga onde encontrámos uma senhora que acabara de comprar um telefone.
- Sabe, a senhora o significado de Kalunga?, questionou Kizwa.
- Não, senhor. O senhô, pode explicá? deve ser nome bacana! exclamou ela curiosa.
- Kalunga é morte.
- Não senhô. Só pode estar do gozo comigo, retorquiu a senhora, fazendo cara de quem chupou limão.
- Sim. Nós em Angola, numa língua chamada kimbundu, Kalunga é morte… Espero que não esteja a levar Kalunga para casa, atirou jocoso, Kizwa que não a olhava nos olhos.
Contrariamente, eu estava atento aos dois e ao jovem atendedor que se manteve sem fala.
A senhora, apavorada com as palavras de Kizwa, quase abandonava a compra, pondo-se a correr. Faltava pouco para ver fantasmas ao seu redor e ver Kalunga na sua acepção Kimbundu.
Foi então que o moço da loja balbuciou umas palavras tentando parar o Kizwa e acalmar a cliente que, por pouco, pedia de volta a sua "grana", abandonando o aparelho de telefone que comprara para (ao que disse) "uma pessoa que guardava no peito".
- Kalunga é, em Kimbundu, língua angolana, morte. Mas tem outros significados como imensidão e nfinito (amor, bondade, sabedoria, etc.). Veja por exemplo a expressão "Kyadi kalunga=o amor/compaixão (dela) é infinito". É, portanto, importante traduzir kalunga em suas múltiplas dimensões e significados, Conclui, apaziguando uma e outros.

Continua a Wikipédia que: etimologicamente, este termo se originou a partir do quimbundo ka’lunga, que significa literalmente “mar”, mas também pode ser usado para transmitir a ideia de “imensidão” e “grandeza”. Os negros utilizavam este nome para se referir ao deus dos missionários católicos (Deus), pois consideravam-no vago como a imensidão do mar.
Através desta explicação, é comum associar as entidades calungas com os orixás ligados às águas do mar, como Iemanjá, por exemplo. No Brasil, alguns etimologistas ainda consideram a diferença de significados entre os termos kalunga e calunga, sendo o primeiro relativo às entidades espirituais e crenças religiosas, e o último referente ao que é pequeno e inferior, sendo também um termo bastante empregado durante a escravatura para se referir aos negros, visto que eram considerados “pessoas inferiores”.
Os calungas também são conhecidos como os descendentes de escravos fugitivos e libertos que formaram uma comunidade autossuficiente na região atualmente conhecida como o estado do Goiás, no centro do Brasil.

Publicado pelo Jornal de Angola de 15.11.19