Translate (tradução)

quarta-feira, julho 22, 2020

QUEIMADAS, PROVENTOS E PREJUÍZOS

A 23.05.2020, alguns bairros de Luanda terão "dormido na escuridão" porque numa subestação da empresa distribuidora houve incêndio "periférico" que destruiu alguns equipamentos (se bons ou sucatas não sei). Tais equipamentos eléctricos, ao que as imagens nas redes sociais mostraram, estavam num vasto quintal e em volto a capim seco. É aqui que surge o tema "queimadas".
Na Kabuta, comuna do município do Libolo, um incêndio causado por queimadas feitas por caçadores locais deixou 44 famílias desalojadas no dia 19 de Julho de 2020.
No sábado, 25 de Julho, o empresário agropecuário José Carlos Cunha "Oka", anunciava um fogo perigoso que lavrava imediações de sua propriedade no município da Kibala, ameaçando animais e campo agricultado. Felizmente, aqui a mestria do empresário que se encontrava no campo, fez com que contra-fogos fossem ateados e impedida queima dos bens. 
No domingo, 26 de Julho, o meu sogro Sabino Salongue, comunicou-me que a sua fazenda no Yeyele, Kwitu, foi vítima de incêndio que lavrou toda a cultura de citrinos. "Toda a fazenda queimou", explicou desolado.
Eu mesmo, sendo natural de uma aldeia do Libolo, aprendi cedo a cuidar e usar o fogo como "fonte" de alimento, de defesa e de higiene.
No tempo seco/kixibo, o lixo e toda a erva seca é queimada. É menos trabalhoso queimar do que capinar.
Chegados os meses de maio e junho (quando o capim ainda não está completamente seco), roça-se/corta-se o capim à volta das aldeias, das lavras e fazendas (picadas) ao qual se joga fogo, para se defender do fogo das caçadas nos meses de Agosto a Setembro. O espaço vazio que se cria entre a habitação ou lavoura e o matagal é chamado de quebra-fogo.
À volta das casas, nas aldeolas, para evitar que cobras e outros predadores se abeirem das pessoas e dos animais domésticos, é o fogo posto que alarga o "espaço vital e visual". Daí que atear fogo à capinzais circunscritos (quintalões) ou não é, para o angolano do interior, uma prática inculcada na psique, agindo de forma costumeira tão logo se depare com capim seco que pode, no seu imaginário, compaginar-se com a oportunidade de: caça, defesa, visibilidade, facilidade agropecuária (nascimento de relva para os herbívoros domésticos, e prática agrícola), etc.
Ainda ontem, 23.05, limpei um dos meus quintais (onde decorrem obras civis) usando a prática da queima do capim seco. E foi mais fácil ter o espaço limpo do que seria se usando a enxada. E mesmo assim, teria ainda de descartar o capim.
Queimada é prática primitiva da agricultura, destinada principalmente à limpeza do terreno para o cultivo de plantações ou formação de pastos, com uso do fogo de forma controlada que, às vezes, pode descontrolar-se e causar incêndios em florestas, matas e terrenos grandes (wikipedia.com, 24.05.2020)

quarta-feira, julho 15, 2020

NESSE TEMPO...

Nesse tempo em que acordar (no mato) é um esforço, pois  o cobertor gélido desaconselha abandonar a esteira/lwandu, é também o tempo em que as formigas mais "caçam", levando às suas tocas toda a sorte de mantimentos para o período de carestia, o kixibo, que "entrou" na terceira semana de Maio.
Nesse tempo, o capim verga-se ao vento, deixando cair as flores (lusoke) com que alguns passarinhos constroem seus abundantes ninhos em colónias. Homens e outros predadores estão atentos às colonias de passarinhos para colherem os mancebos dentro do ninho ou caídos na tentativa do voo inaugural.
Sem chuva, a verdura é escassa. Escassa é também a água nos rios permanentes, dando oportunidade à pesca por armadilha (muzwa) ou intoxicação por folhas, cascas e ou raízes entorpecentes (kalembe, twa e outras).
Aos atalhos interiores, ladeados por capim alto e encurvado pelo vento, voltam as codornizes, que afastam as folhas e flores do capim, fazendo círculos na areia onde brincam ao sol preguiçoso.
Os jipuku, os jingwari, os (ma)bulu, os jimbwiji e outros abeiram-se também cada vez mais das plantações em busca de alimento fresco e saudável. Os peixes e jihala ficam mais expostos, dada a baixa do caudal e ausência de plantôn arrastado pelas cheias do tempo chuvoso.
Que tal reforçar a dieta, sobretudo o acompanhante  (conduto) do fuji/pirão, montando pequenas armadilhas para aves, pequenos animais (roedores), peixes e até mesmo "emboscadas" a antílopes e yombo (javalis) nas nascentes de água?
Como a sociedade e o hábito nos moldam para essas tarefas, eminentemente masculinas, (aprendidas e/ou aperfeiçoadas no acto de iniciação/circuncisão) nenhum frio se torna tão forte ao ponto de deixar o rapaz na "cama" até que o sol levante a cabeça.
Às primeiras horas, sol ainda um semi-círculo amarelo e preguiçoso, os rapazes afiam as catanas, calças as alparcatas ou similares, penduram a salamba (sacola rudimentar para acomodar os animais ou peixe) e põem-se à visita das armadilhas no mato e nos rios. Há vezes que a mãe do filho caçador/pescador infalível prepara atempadamente o funji, contando com o que há de vir da caçada ou da faina.



Senti saudade, esta manhã, de consertar armadilhas e providenciar conduto para a minha velha. Fui, no devido tempo, pequeno caçador/pescador infalível.

quarta-feira, julho 08, 2020

PREOCUPAÇÃO DA FOME


Nas aldeias, com certeza, a manhã era rociosa, tendo em atenção "o kasimbu que estamos com ele". Nas cidades, nem tanto. Aqui aquece quando se espera pelo frio, como pode rociar quando se aguarda por elevadas temperaturas. Luanda, com o confinamento causado pela Covid-19 e as consequentes restrições das actividades económicas, formais e informais, agudizou o "salve-se quem puder".
Cada um procura o pão da forma como pode. Uns abeirando-se dos contentores repletos de nada, outros fazendo-se aos rossios da cidade ao encontro de quem os chame para um "tira lá isso ou carrega lá aquilo" e eu no vai e vem diário à "casa" do patrão Estado. Siñalywa procurava por quem acossado pela distância, sol e sede precisa-se de seus serviços de moto-taxista, actividade, porém, proibida nos últimos dias. 
Empurrado pela carência, Siñalywa anda preocupado e com algum medo a mistura. Presta atenção aos putativos clientes e aos polícias de quem espera escapar. E como quem muito zela acaba tropeçando, lá foi ao encontro da porta lateral de uma viatura que circulava à velocidade de camaleão.
- Mano me desculpa só. Estou a procura de pão para os filhos. Já sabe, temos de olhar sempre nas pessoas que fazem sinal. Não te vi. Melhor, quando vi o carro, já era tarde. Travão não pegou. - Assim confessou.
- E agora? Quem arranja o estrago?
- Me perdoa só.
- Repara-te ainda se não te feriste e depois vamos acertar. Põe a nora naquela sombra.
Passado o corpo em revista, tentou, com a força que possuía, levar a peça amolgada à posição habitual. Debalde. O estrago era mais profundo do que imaginava e nem a força lhe sobrava. Afinal, gordura nem sempre é energia.
- Mano, por favor, me perdoa só. É mesmo preocupação da fome. Me mostra só uma oficina de bate-chapa. Eu vou na frente e o mano pode me seguir a trás.
No meio rolou a estória do acorrido em Março, no Lubango, em que um motoqueiro embateu contra uma viatura e, na perseguição, o fugitivo acabou colhido mortalmente pelo todo-o-terreno.
- Não, kota. Confia. Não vou fugir. Já sou mais velho.
Lá as duas vítimas (um do acidente e outro da fome) meteram-se à procura difícil até à Sanzala, onde as medidas impostas pela declaração do Estado de Emergência (tal como o distanciamento social) continuam a ser ignorados pelos rapazes biscateiros que "pegam em tudo".
- Kota do obama, nós tudo pêgamo!

quarta-feira, julho 01, 2020

QUEM EVITA POLÍCIA NÃO LEVA REBUÇADOS

Um corpo acima de quarenta, numa quarentena a caminho de quarenta e cinco dias, precisa de exercitação, pois, "músculo que não exercita atrofia".
Assim pensado, decidi retomar os exercícios ligeiros. Tracei o raio, em obediência ao que a legislação determina e iniciei a caminhada numa distância imaginária de dois quilômetros, mais ou menos, a partir de casa, o que, ida e regresso, podia representar quatro quilômetros marchados.
Sozinho, e quando o corpo ganhava rotação e os músculos calcinados a reclamarem menos, eis que dois jovens, "perdidos" no correr, quase me abalroavam.
- Xê, kota, xtás ir na Vila (Viana)? Xtão a borniar. - Alertou um deles correndo desorientado e sem máscara de protecção individuam contra a Covid-19.
Sem mais quês nem porquês, fiz KRF.
- Marido, voltaste tão cedo da caminhada?
- Xtão a dar rebuçados.
- E o papá não recebeu porquê? - Indagou o infante.
- O teu pai evitou a polícia. Assim estão a aporretar quem esteja na rua. - Tentou explicar.
- Aporretar é qué? É dar rebuçados?
- Sim. Porrete é aquilo que os policias levam pendurado ao cinto e com que batem os desobedientes. - Expliquei e completei os 10 mil passos no quintal, dando voltas à casa.
Tal como na economia e consumo em que se encontram produtos alternativos em lugar dos encarecidos ou completamente ausentes do mercado, também é possível evitar o contacto social, encontrando formas alternativas para fazer as coisas de sempre!


Luanda, 03.05.2020