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quarta-feira, julho 29, 2015

A ALEGRIA DOS LUKALENSES


Lucala, aldeia que dista dezanove quilómetros da vila de Kibala, no Kwanza-Sul, é uma comunidade que *sorri todos os dias*, apesar da poeira e do frio que fazem dos corpos de seus aldeões autênticas telas de arte pictórica.
-Aqui, o cieiro não tem dia e se você põe creme, ainda é mais pior. - Desabafa Rosa José, visitante em situação de óbito de um irmão, mas também ela natural daquelas cercanias.
Apesar do frio, que dizem se ter acentuado desde que a Fazenda Mbumba-Alunga construiu um dique de contenção de água que propicia a rega de enormes campos agricolas que fornecem batata do reino e outros agroalimentos ao mercado luandense e a algumas indústrias transformadoras, segundo o morador José António, o povo anda *muito satisfeito*.
- É que o povo já tem trabalho aqui perto e os empresários portugueses e brasileiros que cuparam as antigas fazendas também meteram cacusso no dique que já vai ajudando na alimentação. - Afiançou o camponês José António.
Quem se desloca a Lukala não precisa dos dados do censo de 2014 para se aperceber que mais de 70% da populaçao são crianças menores de 16 anos. Os agregados são compostos, em média, por 06 a 08 pessoas, não se contando aqueles que migraram para a vila (sede municipal) e Luanda em busca de estudos e ou melhores empregos para os homens que tentam a sorte nas construtoras ou negócios para o caso das senhoras.
- Aqui, o emprego é só mesmo na fazenda, onde o salário varia entre 10 a 12 mil Kwanzas. - Explica Nhange Manuel, empregado na Fazenda Mbumba-Alunga para acrescentar que, às vezes, uma pessoa com 05 filhos na escola, o dinheiro não chega para comprar os cadernos e os livros. Isso faz com que apesar de a Aldeia possuir uma escola com três salas de aulas que funciona em dois turnos, ministrando aulas a alunos da primeira à sexta classe, haja ainda uns que nao se trajem de batas brancas.
Em Lukala, enquanto uns se ocupam dos trabalhos na fazenda, outros tantos se ocupam da agricultura familiar, de onde provêm excedentes para o comércio. Os "kapuqueiros" também abundam e nao se coibem de o afirmar depois de umas canecadas, esfarrapadamente justificadas pelo excesso de frio julino.
- Nós, aqui, quando a frio aperta, a vida é mesmo essa: você passa num "katrungungo" e o frio bate
recochete. - Exibe-se Nhange, seis horas da manhã, já "katrungungado".
A pesca na albufeira da fazenda e outros biscates como o derrube de árvores para a queima de carvão, estiva de cargas diversas ou fabrico de adobes sao as fontes de rendimento dos lukalenses que optam pela queima da vida no vício alcoólico.
Fruto do surgimento de pequenos empregos agricolas e pequenos "negócios à beira da estrada" ja se vêem alguns sinais de consumismo e modismo. As antenas parabólicas vao substituindo os seroes à batucada e "xirimina" (folguedos com cançoes acompanhadas de guitarras).  Os geradores de electricidade roncam teimosos noite adentro aos fins de semana e os jovens se inspiram nos mesmos herois e vilões das grandes cidades do pais e do mundo. A "lampiagem" também faz morada em Lukala, não se aconselhando que o visitante se distraia, mantendo as portas da viatura abertas ou os pertences expostos aos olhos dos "amigos do alheio".
Quase que a copiar o verde dos talhões cobertos de  batata do reino, regadas por pivots um campo para os trumunos se apresenta a escassos metros da escola do primeiro ciclo do ensino primário. Os jovens com vivência luandina que para aí se deslocam, chamam-no de "capinzado" em alusão ao capim selecionado para substituir a relva habitual nos campos de futebol. Para as balizas, três paus, sendo dois verticais e um pregado horizontalmente, completam o "imobiliário. Não há demarcação com cal mas os caminhos trilhados para além do "capinzal" fazem as fronteiras entre a área onde a bola é jogável e onde se considera "bola morta".
Os ngulos, os cabritos e os bovídeos partilham a mesma água da albufeira o que torna vulnerável a saúde dos aldeões que precisam de percorrer cinco quilómetros até ao Posto Médico de Mungango ou os 19 quilómetros que separam Lukala ao Hospital Municial de "Kipala kya Samba".
Mesmo entre o que há e o que ainda falta ter, o povo sorri, porque afinal de contas há um bem supremo que é um facto incontornável.
- A paz que estamos com ela já nos faz viver com tranquilidade e construir nossas casas
sem medo de ser forçado a mudar para outra zona. Agora é só mesmo adobe e chapas que estamos a usar na construção. - Rematou António Katumbila, o soba da aldeia. 

TEXTO PUBLICADO PELO SEMANÁRIO ANGOLENSE A 11 DE JULHO DE 2015.

quarta-feira, julho 22, 2015

A PARÁBOLA DOS TRES RELOGIOS

Discutiam três colegas de serviço sobre quem delas era mais útil à organização em que laboravam.

Suraya, esbelta de parar o transito, gabava-se de ser a mais elogiada e que tudo fazia para impressionar os colegas e a chefia todos os dias. Atendendo que os chefes tinham decidido ser madrugadores, ela, catadora de elogios, começou também a chegar cedo ao serviço, gingando de um lado para sítio incerto. Porém, mal começassem a chegar os colegas sem olhos para a sua montra, ela se retirava para o andar em que se situava o secretariado onde se ocupava mais em buscar actualidade do mundo da moda, através das redes sociais, do que do seu trabalho que até estava clarificado no descritivo de funções. E gabava-se de sol a sol que era pontual.

- Nessa organização não há quem chegue mais cedo do que eu, por isso mereço promoção e uma gala para me homenagearem. - Atirou, certa vez numa actividade social da organização.

- Você, Suraya? Nunca. Nem pensar. Nem que a vaca fale. Chegas cedo mas não és assídua. És uma pisca-pisca (dia sim, dia não vens) e quando se olham para os teus resultados parece que só são borboletas que caiem no teu cesto. - Zombou Tina, outra colega que tinha a má fama de trabalhar apenas quando a lua estivesse no centro da circunferència celeste.

A discussão, aparentemente sem nexo, ganharia força quando chegou Rita. Rita era uma senhora "Baby boom" que fora já reformada e recontratada devido ao seu apego ao trabalho e seu perfeccionismo naquilo que fazia. Não precisou de fazer parte daquela histérica algazarra, pois era exemplo de dedicação, bom desempenho e comprometimento. Vestia a camisola, via-se. Entretanto, não era tão pontual, nem muito assídua devido aos compromissos familiares. Era do conhecimento da chefia que dela cobrava resultados e não presença física obrigatória. Dona Rita, ou mesmo vovô para os mais brincalhões, tinha entretanto uma agenda de encontros presenciais bem arrumada e não se atrasava às suas reuniões. Das suas poupanças tinha conseguido instalar telefone fixo e internet em casa, um computador, impressora e um scanner que lhe permitiam trabalhar "at home" e apresentar resultados surpreendentes.

Quando a senhora se fez presente naquela sala em que se comemorava o aniversario da organização, dois grupos miravam para ela toda a atenção: uns, sobretudo aqueles que enxergavam qualidades e que com ela procuravam aprender, seguindo os seus bons exemplos, a aplaudiam e apontavam como a mais provável homenageada da noite. Era já habito do titular de direcção daquela organização homenagear o trabalhador mais produtivo do ano. Outro grupo, composto maioritariamente pelas gerações Y e Z cochichavam que a "velha" já estava fora de tempo e que naquele ano não levaria sequer um elogio do chefe. Apostavam mesmo que a "senhora dos mil prémios" como também era conhecida sairia dai banhada de lágrimas porque o tempo dela tinha passado.

- Essa tia que chega quando quer, até o chefe já sabe que ela é uma cansada e chata, o que que veio fazer? Acha que leva daqui alguma coisa? Atirou Gina, uma jovem que ainda nem era do quadro permanente de funcionários.

Quando o titular chegou, mal se dirigiu ao presidiu para cortar o bolo, chamou dois nomes: Dona Rosa, a mais idosa da organização, e Dra. Suraya, uma das mais novas e mais extravagantes, para junto dele.

Suraya já tinha distribuído beijinhos e abraços a todos os colegas, contando que seria a estrela iluminante da noite.

- Chamei as duas funcionárias que refletem dois exemplos de na nossa organização. - Disse o titular, prosseguindo. - A dona Rita é quase invisível. Chega numa altura em que todos já estão nos seus gabinetes e muitas vezes sai quando todos estão já nos seus aposentos. Até os seus encontros com clientes e fornecedores acontecem sempre depois das 8h30. Faz tudo ao detalhe e não deixa nada para o dia seguinte. A Dra. Suraya, continuou, é das que mais cedo chega, das mais vista pelos gabinetes e corredores. Porém, a medição que temos vindo a fazer é por resultados. A Dra. Suraya produziu, durante o ano findo que hoje comemoramos, dois terços do que ganha e a Dona Rosa foi, directa e indirectamente, responsável, por um terço do resultado da nossa organização. Peço uma salva de palmas à nossa estrela da noite que ganha uma bolsa familiar para licenciatura. – Concluiu o boss.
Pasmos, os mais jovens não perceberam por que razão a sexagenária iria estudar quando eles que se gabavam ter "toda a vida e todo o sangue para derramarem em prol da organização" ficariam em terra. Jaja, outra das colegas, e Suraya chegaram mesmo a questionar os critérios usados pela administração para encontrar o vencedor do prémio e por que razão iria Vovô Rita à formação, estando já sem força. Suraya alcandorou-se do facto de ser regular e por isso merecedora da distinção. Outra, a Jaja, apregoou a sua pontualidade. Mas o presidente, astudo, contou-lhes a estória sobre os três relógios: um é de prata, toca o despertador à hora certa mas não tem o ponteiro dos minutos. Outro é banhado em ouro e não funciona. O terceiro é de plástico metalizado e tem os ponteiros completos, marcando correctamente as horas e o despertador.

- Qual dos três me faz falta? - Questionou o titular.
A geração Z optou pelo de ouro, alegando ser um adereço moderno e vistoso. A geração Y optou pelo de prata pois, dizia, embora mais modesto do que o primeiro, tinha algo funcional, o despertador, que permitia o titular não se atrasar nos seus encontros. As gerações M e X optaram pelo relógio de plástico banhado em metal por ser o que funcionava em pleno.
- Pois é, todos parecem ter razão, mas o relógio que me apresenta resultados é aquele que funciona. Assim também são os funcionários, prosseguiu. Não basta chegar cedo, quando se vem, ou vir todos os dias em horários distintos. Pontualidade e assiduidade devem ser regulares, estando acima de tudo a produção. As organizações são talhadas para os resultados e não apenas para as presenças físicas dos funcionários. -Deixou explícito o titular.

Todos compreenderam a mensagem e ouviu-se uma estrondosa salva de palmas em homenagem à sexagenária Rita.
Obs: Texto publicado no Semanário Angolense a 18.07.2015

quinta-feira, julho 16, 2015

FAZER DA CRISE OPORTUNIDADE DE MELHORIA

(MAHEZU 1)
A vida das pessoas e das organizações é caracterizada por um trajecto curvilíneo, com altos e baixos. Nos momentos altos dos nossos rendimentos e usufruto tendemos a atingir o ponto de acomodação e elaboramos a nossa estrutura de custos em função dos rendimentos, sendo, às vezes, menos atentos à poupança e a investimentos para suprir as dificuldades dos tempos de crise. Até as ideias inovadoras nem sempre surgem. Acomodamo-nos. E porque a vida é um ciclo com subidas e quedas, é no momento da pressão financeira, da falta de meios e de fontes de arrecadação e da crise que surgem os "ais" e os grandes homens, aqueles que fazem do mar de dificuldades oportunidades de melhoria e de exploração de novas soluções e uso de meios e técnicas legais até à data inimagináveis ou relegados a planos secundários.
Fruto da diminuição dos encaixes em moeda estrangeira pelo país, derivada pela baixa do preço do petróleo, uma commodity cujo valor é regulado  pelo mercado internacional, o Estado e as organizações empresariais vivem uma pressão financeira com origem externa. O equilíbrio da nossa balança de pagamentos externos para a aquisição de alimentos, medicamentos, máquinas, vestuários, produtos e serviços diversos não proporcionados pelo mercado interno demandam moeda estrangeira. Não sendo muito diversificada a nossa carteira de exportações, há toda uma necessidade de se pouparem os poucos dólares que entram e diminuir os consumos. É isso que faz até o Kwanza escassear. Perante o quadro, é importante racionalizar ao máximo, evitar também ao máximo todos os desperdícios, aumentar a produção e a eficácia e eficiência dos métodos. Os meios de trabalho e os materiais devem ser rentabilizados ao máximo, evitando-se a ociosidade. Para quê ter, por exemplo, em uso privado uma viatura que durante a jornada laboral fica mais de 50% do tempo parada quando uma outra pertencente ao Departamento vizinho fica o mesmo tempo ociosa? Se os dois Departamentos usarem uma só viatura, de forma coordenada, estarão a rentabilizar melhor o meio de trabalho e o tempo.
Vários outros exemplos podem ser elencados. Na era da digitalização, a tramitação de documentos, a redundância de cópias em papel precisa ser revista. Diminuir a impressão e optar pela digitalização pode ser outra oportunidade de capturas financeiras em termos de custos (papel e tonel).
E que tal da rentabilização das pessoas e do seu desempenho? Mais do que estar no local de serviço, o fundamental é trabalhar, evitar o absentismo, a lassidão e a ociosidade. Porém, é preciso cuidar da presença das pessoas cuja prestação e resultados não possam ser executados à distância. O controlo rigoroso das frequências torna-se fundamental para incutir uma cultura de disciplina,  responsabilidade e de meritocracia. O controlo de frequências centralizado ou biométrico é apontado como caminho. É preciso premiar os presentes e produtivos com o salário completo e outras regalias ou incentivos que possam existir. E se é legal e moralmente aceitável que quem mais trabalhe melhor seja recompensado, não será injusto isentar os faltosos e improdutivos com a inadiplência a alguns incentivos que as organizações tenham ou venham a ter.
É preciso que líderes e liderados encaremos a crise como um desafio a vencer e uma oportunidade de melhoria dos nossos processos, retirando dela as melhores lições para o aperfeiçoamento dos nossos métodos de gestão (caseira e  institucional).
Dita a tradição bantu que "é na pobreza e nas desgraças que as pessoas mais se unem". Façamos desta crise financeira um motivo de união, na busca das melhores ideias que nos levem às melhores soluções, busca de um maior comprometimento  com a organização e com o  trabalho para que, enquanto menos se espera, possamos cantar bem alto: fui parte da solução!
É que "os desafios e os problemas nos são impostos" mas as soluções dependem de nós.

quinta-feira, julho 09, 2015

MEUS SONHOS

A vida é um somatório de sonhos, uns realizáveis e outros utópicos. Mas é mesmo assim que se faz a nossa travessia vital (vida, trabalho): sonhar, projectar, realizar ou adiar. E quando por contingências alheias à nossa vontade não transformamos o sonho em realidade, projectamos alguém que nos ajude a chegar ao desiderato pretendido ou o transferimos para esse ente (um filho, sobrinho, afilhado, amigo, etc.).
Outra nota de realce é a felicidade que nos deve acompanhar na materialização do nosso sonho, não fazendo com que frustrações doutras origens atrapalhem o percurso, de forma abnegada e comprometida, do nosso caminho e nos impeçam de atingir as nossas metas.
Imaginemos alguém que tenha sonhado ser funcionário público, que se documentou sobre o regimento da FP, que se formou no instituto médio e ou universidade e que até fez cursos complementares para atingir o seu sonho e que depois concorreu a uma (nada fácil) vaga e tenha conseguido ingressar no funcionalismo público. Imagino que esse funcionário em vias de realizar o sonho de Servidor do Estado e prestador de serviços (intra-ministerial e interministerial) trabalhe feliz, atendendo seus clientes internos e externos com satisfação e alegria, não se entregando a "molezas" nem a faltas infundadas ou ociosidade no trabalho. Imagino o funcionário público do MGM comprometido e preocupado em aumentar os seus níveis de eficiência e proficiência. Imagino um funcionário que desaconselha a instalação de "livros de ponto" ou controlo digital de frequências porque ele é assíduo, é pontual, está sempre motivado e preocupado, todos os dias, em aumentar qualitativa e quantitativamente e sua produtividade. E vou sonhando que tal é possível com o despertar da consciência colectiva de que a Coisa Pública deve ser cuidada por todos, sendo que é do somatório da nossa responsabilidade e acção que depende o crescimento e desenvolvimento da nossa organização e do nosso país.
E sonho. Sonho com colegas felizes, que sem desrespeitar os seus "clientes", cantam quando trabalham e dançam quando andam pelos corredores. Funcionários que não deixam os processos para o dia seguinte nem induzem propositadamente os  seus responsáveis a erros de execução técnica ou de procedimentos.
É com esses que sonho todos os dias e com os quais conto: os motivados, apesar dos apertos financeiros que assolam o país e a função pública, os sempre alegres e disponíveis e aqueles que vestem a camisola da Organização.
Esses realizam o meu sonho de Funcionário público abnegado e útil.

quinta-feira, julho 02, 2015

JUST LOOKING

Mesmo com o termómetro a apontar nove graus centígrados, de um inverno Julinho da África do Sul, a moça vinha xuxuada em direcção ao Nelson Mandela Square, local onde convergem ruas, crenças e nacionalidades para as compras do dia-a-dia para os joaneburguenses e a indispensãvel mwamba e sovenirs para os visitantes. Tita (nome que decidi atribuir-lhe) ia de mãos dadas com o seu homem de companhia, marchando pelo passeio rigorosamente asseado da rua que se estende dde longe ao centro de convergência política e social. Bob, o seu companheiro, treinava os dentes com umas baumilhas compçradas metros atrás, enquanto Tita, vaidosamente vestida e com os postiços a encobrirem-lhe os ombros, terminava a degustação de uma banana comprada na feira de artesanato.
O collant xuxuado que lhe visitava o diafragma e a marcar os desenhos apelativos e as letras esculpidas no seu corpo juvenil, a lembrarem uma marca automóvel alemã, fazia adivinhar uma jovem com o miolo ainda em estruturação ou uma alma perdida.
- Deve ser uma angolana ou uma southafrican alienada. - Disse para os meus botões. E não tardou para que ela confirmasse o meu pensamento pessimista, sem mesmo que fosse necessário abrir a boca.
Como remoinho de vento que se organiza para, em força, atacar e derrubar tudo que lhe faça barreira, a jovem começou a rodopiar sobre si mesma. Desfez-se do damo com quem caminhava de dedos quase cafricados e abrandou a marcha. Olhou umas tantas vezes à direita  e outras tantas à esquerda. Virou a locomotiva para atrás e explorou tudo o que se aporesentava a frente dela. No meu imaginário rural, Tita fez-me lembrar uma galinha pronta a ovar mas que se certifica do lugar em que alojará a génese da nova vida.
- Será que a gostosa quer urinar ou quê? – Voltaram a cochicharam os meus atentos botões.
A rua estava copiosamente limpa e os jardins estavam molhados de rega. Na mão da "princesa" estavam em sobra as cascas da "benguela" e não se via nos metros dianteiros um contentor ou uma papeleira que a ajudassem a descarta-se do testemunho. Exactamente no momento em que cruzávamos, ouvi pronunciar um "excuse me" dirigido ao acompanhante que se manteve hirto, como quem esperava por uma desgraça.
- A mboa vai mesmo urinar na rua ou fazer coisa pior? - Voltou a questionar o meu íntimo inquisidor, enquanto Bob, o acompanhante dela, magicava, com certeza, outras ideias.
Passado a pente fino, Bob mais se parecia um recrutador de pérolas ou daqueles que só acompanham a dama para entregar a prenda a "quem de poder".
Eu seguia em sentido inverso ao deles, quase pregado à parede longitudinal. A "gostosa", como se achava que era, abeirou-se de mim, metendo o meu já hipertenso coração em cavalgadas.
- Será prenúncio de assalto ou pretensa procura de assunto que em tribunal possa resultar em acusação de assédio? Dizem que por essas terras não  pode olhar duas vezes à mulher alheia, mesmo que esteja em exposição. – Cogitei.
De seguida, cerrei todos os dedos e desviei o olhar, seguindo-a apenas de esguelha. E foi que a barona, fingindo um gesto de saudação a mim, jogou a casca da banana que tinha numa das mãos ao canteiro protegido por duas paredes habitacionais.
Movido pelo espirito organizador e higienicista que de mim se acaparou, ainda soltei um "please, don't do it", mas ela, tal rio que se afoga no mar, coberto de razão, não foi na minha conversa. Não recuou da acção e prosseguiu o seu caminho, preenchendo a mão vazia do seu amo que estava quieto e inseguro do que viria a praticar a sua dama.
Suspirei de alívio, pois não era assalto nem algo que me envolveria em sarilhos gratuitos, mas não tardou para que uma outra interogação, seguida de exclamação, me invadisse o pensamento.
- Ou Tita é mwangolê ou nem tudo são rosas na nação do arco-iris! Aliás, vi miúdas do ANC que nasceram em Angola e ela podia ter uns vinte e coinco anitos... - Ajuntei. Também me lembrei que mesmo na possibilidade do ensino e da  educação familiar produzirem só rosas ou muitas rosas por essas terras, a flor e os espinhos fazem a dupla numa roseira e que quem recebe a flor também se apodera de uma porção de esporões.
Segui o meu caminho até novamente à exposição de arte e artesanato, organizada propositadamente para atender com gifts das terras de Mandela os diplomatas e outros conferencistas internacionais que fizeram do Sundton Conference Center um areópago dos países membros da União Africana, com destaque aos então Países da Linha da Frente que procuravam posições concertadas no âmbito regional.
Na feira, denunciado pelo meu curto shakespear e vestimentas sociais, fui quase forçado a declarar a todos que me queriam vender qualquer coisa um "im just looking". Até a tradução de friend para amigo os mais "vivos" buscaram do google translator para me cativar e trocar os meus parcos rands por umas lembranças duradouras. Não é que alguém conseguiu mesmo? Uma pipa para tabaco que nunca fumo e duas porta-jóias para a "comandante geral" do kubico e sua primogénita fizeram parte do meu espólio de recordações da rainbow nation.
Já no hotel, seria a Sra. da fiscalização dos quartos a me atazanar o juízo com a sua dicção estranha ao meu pobre inglês.
- Can you write what you are saing? - Defendi-me, meio aborrecido, pois me estava a prejudicar a crónica do dia.
E ela, diligentemente, e com letra de uma doutora  emprestada a serviços menores, redigiu: do you need anything in the room?
- Only water. – Respondi. Apenas água que, apesar da sede que me apoquentava a garganta em pleno dia de friorento, nunca me foi servida. Terá sido um código? Se foi, confesso que apanhei do ar. Há já muito tempo que não navego nessas ondas de "mantas que respiram quentura com ajuda de George Washigton debaixo do travesseiro".
Recolhi-me e fiz do PersonalComputer o melhor tradutor das minhas experiências e vivências.
- Can I help you?
- Im just looking!

Nota: cronica publicada pelo Semanario Angolense a 27 de Junho de 2015