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segunda-feira, setembro 28, 2015

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E AO BANCO O QUE É POUPANÇA

Sou tido, nalguns círculos, como critico social. Isso mesmo: pessoa que aponta o que está errado e avança como se pode fazer melhor.
Por opção, não tenho conta salario no banco comercial público que se faz anunciar com cor azul. Era sinónimo de muitas enchentes no início do mês e atendimento que me deixava com os cabelos em pé.
Mas a realidade mudou ou tende a mudar. Por duas vezes, esse ano, dirigi-me a uma agencia de Luanda, das mais concorridas, tendo em conta a sua localização geográfica.
Senti vontade, nas duas vezes, de pedir uma cunha a alguém para agilizar o meu problema (ajudar o filho a abrir conta e abrir subconta para movimentos regulares), mas, confesso, antes que pedisse favores, o dever de servidoras se sobrepôs ao laxismo que se verifica ainda em algumas instituições e fui diligentemente atendido, saindo de lá com o último molar à mostra.
Com capacitação, responsabilização e premiação dos melhores e mais destacados, as empresas, sejam públicas ou privadas, tomam a satisfação do cliente como foco principal e razão da sua existência.
Parabéns à equipa do Dr. Caquele (BPC-Combatentes).

terça-feira, setembro 22, 2015

OS PUXADORES DE CARROÇA PARA TRÁS


Abundam, em algumas organizações empresariais, pessoas que, quando descontentes com o facto de não lhes ter sido confiada a missão de liderar ou gerir determinados processos, colocam-se na sombra, pugnando por artimanhas que visam impossibilitar o normal funcionamento das organizações e procurando, a todo o custo, derrubar aqueles a quem foi confiada a missão de liderar. Esses perdem em dois sentidos: enquanto não trabalham deixam de aprender e desaprendem também o pouco que sabiam, pois, a prática é condição para o aperfeiçoamento de processos e busca de melhoria contínua. Por outro lado, enquanto aqueles que trabalham capitalizam sua reputação por via dos resultados, os que se refugiam à sombra do laxismo rapidamente se tornam conhecidos pelas sua habilidades em buscar intrigas e defeitos onde quase todos vêm virtudes. São como os caranguejos (não se produzem nem deixam produzir).
Eu já decidi. Na sombra só fico aos finais de semana e quando em gozo de férias. E, mesmo assim, nunca aposento o cérebro para que ao voltar ao serviço não fique na fila de trás.

terça-feira, setembro 15, 2015

O NEGÓCIO DOS BORDERAUX

Entre ontem e hoje, ao longo da noite e madrugada, fiquei a pensar em como e por que o moço que fica nas proximidades da repartição pública vive vendendo borderaux.
Quem se dirige ao posto de identificação ou à administração local para tratar do bilhete, cédula pessoal, agregado familiar, declaração de pobreza, registo de óbito ou outra diligência, normalmente vai cedo, fazendo-se acompanhar de dinheiro físico ou virtual (cartão multicaixa) para pagar os emolumentos. Até aqui tudo bem. O Estado é um prestador de serviços e os cidadãos-clientes-utentes devem pagar por tais prestações.
Acontece, porém, que sendo exigível que o dinheiro seja depositado em banco, em vez de pagamento à vista, muitas dependências dos serviços supra enumerados não possuem balção bancário para o pagamento de emolumentos, muito menos um facilitador Terminal de Pagamento Automático, vulgo tpa. É aqui que surge o jovem da esquina que vive e ganha sua vida fazendo depósitos correspondentes aos mais diversificados emolumentos.
Aflitos, quando os utentes recebem, às 08h00 da manhã, ao se abrirem as portas, a recomendação "tem de ir pagar no banco", não fazem mais senão ir ao encontro do banco (normalmente o BPC mais próximo), ao que se lhes cerca o jovem da esquina "oferecendo" borderaux para essa ou aquela diligência, ao quadruplo ou mesmo sêxtuplo do valor depositado.
Aqui surge a matemática do dinheiro versus tempo.
- Quanto gastar em táxi até ao banco?
- Quanto tempo gastar na agência até voltar à repartição?
- Valerá mais gastar mil kwanzas com o jovem da esquina e resolver a situação de imediato ou ir pagar no banco e perder o lugar na fila da repartição?
Numa cidade imprevisível como a nossa capital, onde a qualquer hora pode surgir um congestionamento de transito ou o gerador substituir subitamente a energia da rede, a decisão da solução na esquina acaba sempre invadindo o nosso pensamento.
- Haverá como contornar tal situação?
Talvez um TPA resolvesse a situação, sobretudo agora que o dinheiro anda mais no cartão do que na algibeira. Ou não será?

Publicado no jornal Nova Gazeta de 08/03/2018

terça-feira, setembro 08, 2015

HOMENAGEM ÀS MULEMBAS DE LUANDA


Nzuzi nasceu em Alfândega, um pequeno vilarejo do norte de Angola. Chegado a Luanda, em meados dos anos noventa do século finado, ainda criança, viu o mundo da escola a fugir-se dele por não lhe terem dado a oportunidade de deslizar persistentemente o lápis sobre o papel até dar forma às figuras geométricas, às letras e aos números. Nzuzi passa hoje grande parte do seu tempo refugiado em sombras de mulembeiras ou mulembas, numa das ruas da zona urbana de Luanda, onde faz da lavagem de carros o seu ganha-pão.
Xavitu, outros dos jovens que frequentam as sombras das mulembas de Luanda, nasceu em Namacunde, no Cunene. Xavitu abandonou a sua terra natal forçado pela guerra. Os ovambu, embora tenham a vocação natural de pastores e gostem de fazer transumância do seu gado, não são muito dados a emigrar para terras distantes e desconhecidas, ainda mais, sem o gado, uma de suas principais ocupaçoes. Mas Xavitu, aconselhado por um parente do exército que pesquisara o "salve-se quem puder" na grande cidade, acabou aceitando a ideia de refugir-se em Luanda onde se dizia ser tudo possível. Meteu-se em cima dum camião de carga procedente da Damaralândia e aportou na cidade dos sonhos com dezasseis anos apenas. Dias depois, escolheu a rua que liga a antiga escola de oficiais do Gika à Maianga, abundante em mulembas, onde passou a viver das propinas que cobra aos automobilistas afoitos em encontrar um lugar para estacionar suas viaturas. Tal como Nzuzi, Xavitu faz-se também passar por dono de um parque público, lava carros, cobra dinheiro pelo uso do pedaço de estrada morta, rouba aos incautos, danifica viaturas de quem não pague o que não deve e faz das mulembas da Martal o seu refugio sempre que o grito do sol fale mais do que a sua resistência. As mulembas passaram também a seu restaurante, seu contentor de lixo e, pior ainda, também lugar para urinar e até mesmo defecar.
- Kota, aqui é só mesmo se desenrascar. Quando cheguei, era ainda um "camenino" e comecei mesmo a viver no elevador estragado dum prédio e a lavar os carros e carregar as coisas dos chefes. Quando tenho vontade de tirar água do joelho ou comida da barriga vou mesmo debaixo das mulembeiras. É mesmo já nosso hábito. Não temos outros lugares. Numas mulembas ficamos só para apanhar a sombra, noutras é que fazemos já o que o kota está a ver. - Narrou Xavitu, meio envergonhado.
Lembinha é zungueira e percorre a cidade de lés-a-lés. Na sua bacia, já quase sem cor, transporta "magoga" (sandes de frango frito), "paracuca" (jinguba ou amendoim açucarado), kisângwa (refrigerante caseiro) e outros "mata-fome" bastante solicitados por funcionários públicos e outros frequentadores da cidade, em negócios de rua ou trabalho formal. Apesar de a condição feminina não ajudar muito para a frequência das mulembas, vezes tantas Lembinha teve de imitar os colegas masculinos das ruas de Luanda para aliviar-se debaixo de uma árvore.
- A pessoa se amarra um pano e faz só já debaixo da árvore. Não temos sítios para fazer as "centinas" e quando você bate porta do quintal para pedir licença na casa de banho, ninguém te aceita. - Argumentou com uma ponta de vergonha e tristeza.
Lembinha que é de Tunda Sanji, Ngulungu Alto, tem a consciência do mal que provoca às mulembas e à sanidade urbana, pois reconhece que "não devia ser assim, porque a cidade cheira mal e muitas árvore acabam por secar", mas também se justifica sarcástica que "quando, na barriga ou na bexiga, a revolução chega não há como travá-la", informa a vendedeira.
Na Petrangol, as mulembas que ladeavam a estrada que nos leva a Cacuaco, e Caxito e que desenhavam um "túnel verde" não resistiram à força do machado construtor, que propicionou o alargamento da rodovia, mas ainda resta a Mulemba Waxa Ngola. Apesar de local histórico, de veneração e culto ao soberano Ngola Kilwanji Kya Samba a quem se deve o nome do nosso país, a árvore vai recebendo urina e vários detritos produzidos pelo homem.
 Nga Ximinha, uma senhora que vende bombó assado com jinguba torrada, refugia-se sobre a sombra da árvore secular, não se coibindo de oferecer-lhe, vezes tantas, alguns litros de urina e adubá-la com os restos do seu comércio de rua. Ximinha é também testemunha de outras cenas que se desenvolvem debaixo da mulemba mais famosa da Petrangol.
- Aqui quando é noite, os moços vêm cá namorar e se encostam mesmo na árvore. Já encontramos aqui latex usado na pouca vergonha desses meninos do bairro. Outros, quando o xixi lhes aperta, não se escondem mais. Até homens de fato e gravata é mesmo aqui que descarregam o seu mijo de kimbombo e kapuka que cheira como cheira. - Desabafa Ximinha, entre um misto de culpa pelo que também faz contra a árvore e algum desgosto pela imundície à volta.
Quando se lhe pergunta por que faz ela parte dos que jogam lixo na mulemba, Ximinha coça a cabeça e balbucia:
- É mesmo falta de educação e respeito pelas coisas sagradas. Uma árvore dessas devia ser melhor tratada. - Reconhece a senhora, nos seus aparentes quarenta e picos anos de idade.
Assim segue a vida das mulembas e daqueles que na cidade ganham a vida debaixo das árvores, não sendo poupada nenhuma espécie que se mostre à rua: acácias, coqueiros, tamarineiros, espinheiras, macieiras da India, imbondeiros, etc.
Resilientes, mesmo maltratadas, apresentando-se feridas com os troncos rasgados ou amputados, as nossas mulembas estão sempre dispostas a transformar hidrogênio em oxigênio puro e incontornável à respiração humana. Mesmo sendo insistentemente regadas a mijo humano e adubadas com dejectos, lá estão elas, enfeitando calçadas, ladeando as ruas e avenidas da nossa capital, lançando ainda o seu perfume que só a barbaridade de quem se esperava pensante elimina com o fedor de suas descargas biológicas.
As nossas mulembas de Luanda são símbolos de resistência contra o mal, sem falecer. Continuam hirtas, desempenhando seu papel social e vital.
Plantemos mulembas e demais árvores nas nossas ruas, largos e quintais, a fim de ganharmos oxigénio reciclado e uma vida mais verde e alegre. Reguemos as árvores apenas com água natural e adubemo-las com fertilizantes naturais e químicos recomendados por especialistas. Respeitemos os locais de culto secular e de memória colectiva, como a Mulemba Waxa Ngola e outros locais como salvaguarda da nossa herança histórica e cultural. E gritemos todos: vivam as nossas mulembas!

Texto publicado no Semanário Angolense a 15 de Agosto
 

 
 

sexta-feira, setembro 04, 2015

ÊXODO NA ENHANLA

Enhãnla, Estado ribeirinho, cercado pelo reino de Kamunda, é um território do continente Acirfa de Júpiter. O povo de Enhãnla, modesto nas posses e excessivo na ostentação, vive de pequenos plantios nos seus solos ricamente abençoados e cravados por ribeiros caudalosos e de águas lúcidas que permanecem durante as duas estações do ano jupteriano. A indústria, ainda nascente, se reporta à abundante mineração carboniana, material pedregoso, ouro e outros que enfeitam as lendas que trespassam gerações e gerações sem nunca os habitantes aplicarem a força dos cérebros e das máquinas ao solo cravejado de riquezas improvadas e incalculadas.

Próximo de Enhãnla, no reino da Kamunda, vivia um rei, já velho e de respeito incomensurável, Ngan’Ebata, o Senhor da Casa ou Senhor do território, cujo poder, às vezes, escapava as suas fronteiras e adentrava a Enhãnla do presidente Ndvumba, ainda jovem  e muito apegado às civilizações terrenas, um planeta com o qual a Enhãnla pleiteava a órbitra solar. Na Kamunda, território que aos olhos dos seus habitantes parecia sem fim, o povo era monoteísta. Ngan’Ebata era a razão de ser e o fim último dos seus súbditos que o adoravam de sol em sol e de chuva em chuva. Os agnósticos e hereges há muito tinham sido convidados a abandonar o reino ou se refugiado voluntariamente na Enhãnla para escapar da espada vermelha do rei-deus do território maior de Acirfa que se preparava para liderar um único Estado-Continente de Júpiter.

Ainda na Kamunda, as artes haviam sido divididas entre maiores e menores, com primazia às vocais por serem as que melhor deificavam o rei-deus. Os desportos cantavam a sua glória e até o que restava das três mais antigas organizações sociais curvava-se aos pés de Ngan’Ebata, também cognominado de “O Senhor do Poder sem medida e sem fim“.

- Ao rei toda a glória. A mim todo o respeito! – Apregoava nas suas homilias, Ngan’Ebata, nos eventos que os súbditos organizavam em sua homenagem em seus sumptuosos castelos e palácios ou quando se fazia circular nas suas riquíssimas fortalezas automóveis.

- O poder me foi delegado pela divindade extraplanetária e só a ele o entregarei quando o tempo chegar. - Dizia outras vezes, mas sempre interrompido pelos súbditos da “escova mais lustrosas “ que não se cansavam nos elogios. E Eufóricos replicavam:

- Por que não a seus herdeiros, Sua Majestade Santíssima?

Assim ditas, as palavras rejubilavam a corte inteira que encontrava encostos almofadados num povo que, aos olhos dos seus vizinhos da Enhãnla, se parecia exausto, depauperado e com riquezas subjupterianas exauridas, depois de uma extracção massiva e concentrada nas mãos de Sua Majestade Santíssima. Foi assim que começou o êxodo para a República vizinha da savana húmida e arbórea onde tudo parecia ainda em estado virginal. As riquezas ocultas no subsolo; a vida política, embora começasse a ser influenciadas pelos maus ventos da Kamunda, e toda a organização social estavam ainda pintadas de rosa. Era, realmente, um mar rosado e esverdeado, encravado num manto plano que se mostrava a nordeste.

Primeiro os homens, depois as crianças e por último as mulheres fizeram-se além marco, seguindo caminhos vários há muito traçados, cujo destino era um só: Enhãnla onde confluíam novas crenças e certezas.

Uns creram em refundar suas vidas longe da Kamunda. Outros alimentaram esperanças caducas de verem sua Majestade Santíssima voltar aos tempos da sua regência jovial. Outros ainda esquadrinhavam o sonho de inundar a República de Enhãnla com metade da população de Kamunda para passarem à fusão dos territórios e encontrar um governo de centro que aglutinasse todas as vontades.

- Apenas a geografia nos diferencia entre montanhenses e pradianos. Todo o resto é igual. - Apregoavam os unionistas que eram compreendidos na terra de exílio, sendo dos mais respeitados e  tendo ganho a simpatia da autoridade republicana de Enhãnla que lhes concedia espaço para o desenvolvimento da actividade económica que ia da cultura de vegetais à pecuária e do comércio à prospecção mineira e indústria extractiva de recursos ocultos. Ngana Kyombo era o líder dos unionistas saídos da Kamunda e refugiados na Enhãnla.

Exilado há vinte e nove anos, os negócios de Ngana Kyombo tinham já tentáculos vários e exalava influências por onde quer que passasse. Com a ajuda de alguns notáveis da Enhãnla tinha conseguido algumas conceções mineiras em Ekaproville, região a leste do Estado, onde despontavam granadinas e relatos sobre ocorrências de carbono tenaz.

- Vamos fazer dinheiro com as brilhantinas carbónicas e restaurar a Kamunda. – Dizia Ngana Kyombo, aos seus mais próximos, com a mesma energia com que os impelia a se formar e aperfeiçoar na gestão de negócios e organizações empresariais. Tudo corria de vento em popa, como era comum dizer-se em Enhãnla, quando os negócios corressem de forma maravilhosa. Mas um dia, daqueles dias de sol ausente e frio presente, quando é a neblina friorenta e translúcida que se sobrepõe à luzidia bola amarela carregada de calor, um leão faminto fez-se presente entre os seus homens que realizavam a prospecção de moléculas de carbono compactado por pressão secular e calor subjupteriano. Instalou-se o pânico. A primeira ideia foi a de “fugir antes de tudo”. Depois viriam as ideias. Junta-las, seleccionar as melhores, mediante a exclusão das piores. A legislação ordinária, o direito consuetudinário e o costume seriam também postos na balança. Os gritos do planeta e mesmo a moda reinante na esfera inter-planetária apontavam para a busca da coabitação entre felinos e jupterianos. Os habitantes de Enhãnla não eram humanos. Apenas jupterianos, uns ET na análise racional de seus coetâneos do continente África do planeta Terra. Mas havia também felinos jupterianos, semelhantes aos leões de África.

A concessão de Kalimarc, no distrito centro de Enhãnla, carecia de injecção de dinheiro fresco dos accionistas. O dinheiro estava sendo dificultado pelos relatos dos prospectores que alertavam, dias sem fim, a presença dos felinos que colocavam as suas vidas em constante perigo. Apenas a teimosia dos carreiristas e o caloirismo dos jovens estagiários, que pretendiam dourar os curricula, permitiam pesquisas residuais naquela concessão mais à beira do fecho das operações do que da injecção de dinheiro fresco pretendido. Matar o animal e preservar os jupterianos ou deixar o espaço aos seus habitantes naturais? A pergunta ecoava de canto a canto da coutada de Kelimarc, concedida, contra natura,  para exploração mineral e um pouco por toda a Enhãnla.

Barbatana, um jupteriano com experiência de direcção em campanhas de pesquisas semelhantes no reino da Kamunda, enquanto chefe da equipa jupteriana, sabendo que “matar a razão do medo podia redundar em aposta na pesquisa”, decidiu premir o gatilho.

Bumm! Disparo certeiro no centro da encefalia. Jazia defunto o temido bicho jubento e com dentes há décadas cariados. Acto contínuo, Barbatana carente de dinheiro, mobilizou a media e mostrou a fraqueza do temível animal abraçando o máscula rocha superficial jupteriana. Choveram elogios. Barbatana de herói se fez e corou encomendou.

Não tinha entretanto sido contada toda a estória. O filme ainda desenrolava. Minutos depois, o telefone tocou.

- Aló! É o inspector Barbatanas? – Questionava o conselho transplanetário do ambiente.

- Sim, Vossa Excelência Generalíssima. – Respondeu arrítmico na vocalidade o “general Barbatana” como era conhecido entre os prospectores. Era ele o chefe das operações.

- Pois é, Senhor Barbatana, gostaríamos de saber de onde terá a sua equipa recebido a ordem para abater o animal felino. Foi da corte enhanlense ou da coordenação planetária? – Indagou o responsável supremo da preservação biosférica.

Ente medos e razões, a cobardia falou alto. Barbatana, apesar de longevo residente, era expatriado e sabia que as autoridades enhanlenses, se pressionadas pela coordenação planetária, não vacilariam em manda-lo de volta à terra de Sua Excelência, Majestade Santíssima, a Kamunda. Decidiu desfazer-se dos feitos heroicos e oferece-los ao autógene local.

- Excelência, nós apenas fomos chamados como testemunhas de um facto de que nos congratulamos por um quarto e condenamos por  três quartos. É que, apesar do enorme perigo que enfrentava a nossa equipa de prospecção, jamais nos passaria pela cabeça extirpar a vida de um pacato felino. O autógene local, sem o nosso conhecimento, teve a infeliz iniciativa de acabar com o felino que o surpreendeu na flora abundante, quando procurava resgatar um babuíno de estimação. Do confronto, narrou-nos o autógene, resultou a morte do felino que, até à consumação dos factos, era caracterizado por um pacifismo inaudito. - Relatou eufémico Barbatana, acrescentando ainda que o premir do gatilho da caçadeira “22 longos” só ocorreu depois de o autógene amedrontado pelo animal ter permanecido cinco horas no último ganlho de um arbusto de dois metros.

A estória ainda corre. Sabe-se que Barbatana está por responder se “entre a preservação da vida dos jupterianos em busca de riquezas e o abate do felino qual dos direitos se sobrepõe a outro“. Sabendo-se que descartou o feito que o levaria a herói da Enhanla, resta saber que passo dará quando for chamado a depor na audiência jupteriana.

terça-feira, setembro 01, 2015

NSUNSU ZAONSO ZABOTE


Na semana que se seguiu ao matrimonio os tios da nubente foram visita-la, a pedido do marido que tinha beneficiado os seus com um repasto-teste executado por Boana ainda com o casamento fresco. Tinham passado apenas 48 horas da cerimonia religiosa e copo d'água. A tradição dos vakwombwelo dita que a casada tem de fazer a sua primeira refeição para os sogros, sob supervisão atenta de uma ou duas tias do marido. Assim foi e no final a nota atribuída pelas tias-júri foi positiva ao que em vez de ser multada acabou prendada.

Kapesi fez o mesmo. Não foi à cozinha mas mandou a mulher à loja e ao mercados dos Zimbos comprar tudo quanto fosse típico e do agrado costumeiro dos sogra. Ele mesmo fez questão de apetrechar a garrafeira com as mais elogiadas adegas e destilados escoceses, não se esquecendo do malavu encomendado a um vini-extractor do Sasa. Em fogo brando, o grelhador abraçava caçadas que apimentavam conversas intercaladas entre o bom Português, apendido na escola e destilado apenas em convívios muito formais, o calão e a língua dominante entre os vakwonano de regiões rurais.

- Esse moço, estávamos só a "lhe" desconfiar pelo casamento tardio, mas parece que é boa pessoa. - Atirou Kindala, tio de Boana que representava Menso Mankala.

Choveram garfadas e estalaram copos. Jorrou uva até noite adentro, quando, a olhar para o volume abdominal de Boana, o tio confidenciou à sobrinha.

- O sobrinho é mesmo bom?

Boana viajou ao passado e lembrou-se de uma expressão ukongo que traduzia e simplificava seus sentimentos e sua análise sobre o marido que escolheu.

- Nsunsu zaonso zabote (toda a galinha é boa)! - Respondeu, ganhando do tio a tradução semântica da expressão ora anunciada.

- É verdade, sobrinha. Galinha pode ser careca, sem penas, você "lhe" põe na mwamba, fica sempre bonita na boca da pessoa. Assim também  são as pessoas. Só que se beneficia ou se prejudica com essa pessoa "lhe" faz o justo juízo. Tem mbora razão sobrinha, me desculpa só. Meu neto já está a caminho, almoço com bebidas já nos deu, falta mais o quê? Não liga gente na cidade com mentalidade da selva. - Concluiu o tio já meio canecado.

- Boana deu-lhe o beijo do costume, sinal de que o tio estava já na penúltima ronda da garrafinha alcoólica, ao que reconheceu e acedeu, apelando aos convivas para o discurso de agradecimento e recomendações aos nubentes.

- Já vimos o sol raiar no crepúsculo de Boana. É sinal de que as terras são férteis e dentro em breve teremos herdeiros. Para nós, casamento é isso mesmo. Não se esqueçam de nomear os parentes. Se o fizerem lado a lado fica maia melhor. Na vida a dois não há só sorrisos. Há também tristezas. Há dias que alguém dorme cedo e finge ver bonecos com as crianças só para não se dar encontro com o outro, mas tudo termina no quarto, no leito.

Kindala discursava pedagogicamente e não procurava palavras. Parecia uma lição decorada há anos. E prosseguiu, virando-se ao sobrinho-genro:

- Sobrinho Kapesi, a mulher sempre comeu do não. Fica atento. Às vezes é a mão que lhe dói mas mostra a perna. Saiba ler na escuridão e nunca esqueças a cor da minha porta. Quero muitos netos e um chará. Isso passará por muito tempo de coabitação e equilíbrio. Cada um, à partir de hoje, começam já a conhecer o outro e buscar o meio termo. Tempo de namoro é de mentira. Até diabo vira anjo.

Kindala fez pausa no discurso que já levava tempo apesar de actual, cativante e seguido com muita atenção. Boana e Kapesi seguiam aprovando com a balançar das cabeças.

- Dizia, já para concluir, devem se conhecer de verdade. Vão entrar agora no teate de verdade sobre o marido ou a mulher que cada um escolheu. Também passamos por esses bocados e resistimos. Só uma chamada de atenção à sobrinha Boana: marido não se bate na cara. Bate-se na cama.

Dito isso, e sem deixar margem para comentários à sua expressão final, Kindala marcou o primeiro passo em direcção ao corredor. A garrafa de vinho de 14 anos para combater a pelengwenha do dia seguinte, encontrar-lhe-ia no carro.

Cá em cima, ainda no vigésimo sexto andar de un dos edifícios mais altos da nova cidade de Kipedro, os primos e cunhados fechavam conversas com o habitual e já  quase tradicional "copo da porta".

- A casa está sempre aberta. Venham ver-me e chamem-me para as vossas picadas. Na minha terra é assim: quem casa transita para o convívio e cuidados da outra família. A boana já está entregue, não é isso mor? - Concluiu Kapesi,  abraçando os cunhados Nzuzi, Nsimba e a esposa Boana que não podia estar mais contente do que estava.

Os convivas, de forma espontânea, mas coordenada entornaram goela adentro o "líquido da porta" e comemoraram:

- É isso mesmo nosso 'nhado. Amanhã vamos te arrastar à praça do Sasa para tomar malavu com carne de paca.

E desceram também carregando a encomenda do tio Kindala que se deliciava no carro com a mais nova batida de Socorro, filho querido ukwanano.

Nota: Texto publicado no Semanário Angolense de 12 de Setembro de 2015.