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sexta-feira, novembro 15, 2024

ESCAPARAM COMER KALULU DE GALINHA

Para o conhecimento comum, apodado de outras interpretações fenomenológicas e científicas, o tempo era de chuva e devia chover. Mas, mesmo vistas dos altos céus, as nuvens eram crianças esbranquiçadas a brincar no areal e que correm apressadas atrás da bola de trapos, sem nunca definir previamente o destino. Fazia, por isso, sol de assar castanhas e saudades de chuva e temperos que apenas traziam, na imaginação, o cheiro às narinas.

Mangodinho e Lito encontraram-se de novo.
Primeiro num evento inter-africano, no qual confluíram vários povos. Pessoas amigas e rostos conhecidos em encontros e reencontros internacionais, assim como angolanos que apenas soltam o "olá" quando estão na estranja, onde a vaidade de uns perde rede ante a simplicidade de outros. E diz-se que o angolano é mais solidário fora do país do que dentro das fronteiras. Será?
Bem, Mangodinho é já, pode dizer-se sem errar, homem viajado. Gaba-se ter perdido a conta de passaportes emitidos. E diz mais: "não é apenas por caducidade. É mesmo por ausência de mais folhas por carimbar".
Lito, benguelense ainda jovem, conhece meio mundo. Se calhar mais do que metade. Tratando por "tu" o inglês, língua que domina o mundo do negócio, Lito tornou-se um jovem de primeira linha na empresa que que trabalha. Mas não é só o Shakespearismo dele que o levará "ainda mais longe" como apregoam os que o conhecem por aonde passa. É um jovem que tem sempre livros à mão e que baixa a orelha para ouvir os mais velhos. "Experiência é escola e as universidades e os livros formais não nos dizem tudo", comenta ele, quando abordado sobre a sua "manina" de ouvir os mais velhos como o Mangodinho e outros que nasceram muitos antes de Mangodinho.
Depois do encontro no evento inter-africano, ambos descobriram ainda que estavam alojados no mesmo hotel e andar. Passaram a andar juntos. Passaram a usar o mesmo táxi, a frequentar as mesmas lojas para engordar os olhos e a se sentarem à mesma mesa nas horas escolhidas para as refeições. Quem os visse não teria dúvida. Pelo menos as Joborienses tinham-nos como brothers e, sempre que vissem um a caminhar sozinho, vinha de trás uma pergunta que se tornou típica.
_ Where's you brother?
As quatro semanas foram bem vividas, diga-se, tirando a falta de um bom funji ou pirão que a pepe não substitui. Sumos de gengibre, kitolesa, pomadas de boas safras, águas simples e gaseificadas, abacate e espinafres, carnes tenras de ovelha, stake e t-bone são bons no começo. Quando os dias em falta minguam é a saudade da terra e de suas marcas que invade o viajante. A mente pensante enche-se de imagEns do kalulu, luku, funji ou iputa, kisângwa, lungwila, sakamadeso, mfúmbwa, losaka, xingo, kalembula, matamba, ixi ya mulwiji, entre outras coisas que agradam a boca e enchem o estômago. As conversas, sempre apimentadas e, às vezes, viajando de tema para tema, tomaram como recorrentes os traços da angolanIdade, como os pratos de cada região visitada. Mangodinho e Lito têm outras coincidências internas, daí considerarem-se "amigos como irmãos". Ambos viveram nas distantes Lundas e têm a região ovimbundu como terra incontornável.
Chegou o dia do bye bye South Africa. A companhia era a mesma. Desta vez não havia atrasos nem "overbooking" e o passarão voou à hora prescrita. Assentados na mesma fila, nas cadeiras E e F, respectivamente, Mangodinho e Lito puderam dar azo às conversas postergadas pelo trabalho e sonhar quando o sono se tornou mais forte que o vinho.
_ Mangodinho, acorda é hora do almoço. _ Despertou Lito que cumpria o desafio de ler 50 páginas do seu volumoso livro.
_ Qual é o pitéu, Lito? A senhora já te disse?
_ Acho que é kalulu de galinha.
_ Hum! kalulu no avião? Deve ser com funji!
Os dois entreolharam-se e accionaram as glândulas salivares para transformar o aludido kalulu em bolo alimentar. Para o espanto de ambos, foi-lhes servido caril de galinha que Lito percebera kalulu de galinha.
_ É a saudade da comida que nos falta. _ Rematou Mangodinho, dando um toque no ombro de Lito.
Já muito atrás ficara a grande cidade mergulhada em uma floresta artificial. Lito e Mangodinho comentavam que Johannesburgo não parecia ser apenas uma facilitação da pluviosidade média anual que chega a mais de 780 mm, quando Luanda tem uma média de pluviosidade anual de cerca de 285 mm. É o amor ao verde, o respeito pela vegetação, que fazia tudo influir, "um nível que todos os humanos devem desejar e atingir", segundo últimas palavras de Lito.

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