[Com funeral em Portugal, ainda sem data, o corpo deve partir de Luanda na próxima semana e ser cremado à chegada]
Perdi, a 27.12.24, o meu amigo-como-irmão e produtor do meu livro "Kitotas: recuos e avanços". O Antonio Rosario Pinto produziu ainda "O relógio do Velho Trinta", "Canções ao Vento" e "Amor sem pudor". Tínhamos outros projectos literários em carteira e ele não era de negar os meus desafios aos quais se entregava de forma altruistica.
_ Muitos dos que me chamam de kota 'portuga' eram pirralhos ou não existiam quando cheguei pela primeira vez a Luanda, no início da década de 80". _ Costumava dizer, o produtor e prestador de serviços de comunicação institucional e imagem organizacional.
Profissionalmente, há muito vimos realizando procedimentos concursais para a contratação de serviços e produtos de comunicação institucional. Foi nessas circunstâncias que nos conhecemos. Chamei-o para a Lunda Sul, para apresentar e explicar a sua proposta. Deste encontro nasceu uma amizade irmanada que se estendeu aos meus liderados (na Lunda Sul e em Luanda) e às nossas famílias.
Fruto de suas idas a Saurimo e da sua mundividência, o António Pinto passou, como eu, a amar a cultura cokwe. Fez palestras para os meus estudantes na Universidade Lueji A'nkonde e para os constituintes do Núcleo de Leitura e Literatura da Lunda Sul (LevArte Lunda Sul). Visitou a "Oficina de Jornalismo" que realizámos a convite da Diocese de Saurimo que começava a dar preparação básica aos seus "futuros" profissionais da Rádio Diocesana.
Nisso de ligação com a Lunda, em particular, o António foi mais longe. Fez várias tatuagens com dizeres e imagens daquela língua e cultura, que me comunicava e pedia para confirmar a tradução, antes da aplicação. Uma vez, no Luari, fomos comer "mulambandjangu com xima". O António pediu água e a garçonete trouxe-lhe uma bacia para lavar as mãos. Entendemos o sinal como um convite para que apreciássemos aquele manjar com as mãos. O António, não se fazendo rogado, foi o primeiro a atacar com as mãos. Era tão angolano que metia inveja a muitos angolanos sem angolanidade. E o espanto foi total.
_ Um branco a comer com as mãos não se vê todos os meses!" _ Comentava-se, procurando saber de onde ele era. Realmente, não era de se ver todos os meses. Era raro e só aplicável ao nível de pessoas descomplexadas como ele.
Em Luanda, estava eu a ministrar aulas de Rádio em uma IES (instituição de ensino superior). Quando ele se apercebeu logo solicitou vozes que podiam estrear na publicidade e fazer outros trabalhos de comunicação. Indiquei a Ana, uma jovem que tinha muito talento, e que me disse ter sido bem acolhida e treinada. É hoje voz incontornável em uma rádio da capital angolana.
Este ano, estivemos no seu último aniversário (62°). Já padecia, mas sempre esboçando alegria e vontade de viver. Tinha acabado de sair do hospital, por isso, questionei-o por "que nos convidara se ele não parecia estar bem"?
_ O nosso repasto já estava marcado e pago. Não podíamos cancelá-lo. _ Disse-me, seguido de um abraço.
Mesmo sem o vigor de sempre, quis estar com os seus amigos angolanos que muito prezava. Dividiu-se entre os seus convidados angolanos e portugueses com quem procurou conversar e entreter. Fálamos sobre o sabor da vida, da amizade, de negócios e sobre o futuro. Esse que não sabemos!
Quando procurou por uma segunda opinião médica, empenhamo-nos em indicar-lhe uma clínica e uma casa em Windhoek, aonde fora buscar saúde. Regressou dias antes do Natal. Trocámos mensagens há 4 dias (23.12). Não falámos sobre saúde. Evitei. Pretendia levar-lhe mensagems positivas, todavia, li nas palavras que me escreveu que não estava bem, mas tinha o desejo de viver.
"Nossas mulheres e filhos precisam muito de nós e temos de viver, nem que seja por eles", costumávamos dizer/escrever.
Perdi o amigo que me levou a conhecer Alenquer e outras façanhas da vida. Não o acomlanhei no tour a Maputo. Devo-lhe. Tínhamos combinado ir a Moçamedes, passando pela Lucira. Também não cumpri porque a estrada prometida ficou por ser concluída.
O António era um cidadão do mundo, opened mind, sonhador, ecológico e que não dava espaço a conflitos, quaisquer que fossem.
_ A vida terrena é demasiadamente curta para ser desperdiçada com baboseiras. _ Dizia.
Quando a Isabel Ferreira publicou o seu livro "Fernando Daqui", passei a chamar o António Pinto por "Tony D'aqui", uma homenagem "in vita" a um cidadão português que escolheu Angola como sua casa e os angolanos de todas as raças, credos e culturas, como seus irmãos. Ele aceitou o cognome.
Manuela Ramos Pinto (esposa), André e Catarina (filhos), estou convosco nesse momento triste. O António é daqui, de Angola, e não sairá nunca dos nossos corações!
Até já ARP!
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Publicado no Jornal de Angola a 5 de Jan. 2025
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