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terça-feira, abril 07, 2009

OS ANOS DO TIO ALBERTO



É tempo chuvoso, Luanda está tranformada em um charco. As ruas mais baixas transbordam como se o Kuanza tivesse sido desviado e desembocado Viana abaixo. Foi nesse clima que Alberto juntou dois dos dez filhos, sobrinhos, netos, genros e noras, parentes e amigos.

A casa, um improvisado num antigo descampado, quase que cede aos intensos farfalhos da natureza despudorada. São dois quartos, sala enfeitada à preceito e cozinha rodeados por uma enorme vedação acastanhada dum zinco, já de si ultrajado pela antiguidade.
No Libolo, de onde é originário, se calhar nem haveria motivo para festa, pois todos os dias são de encontros familiares e consultas ao tio. É norma sobrinhos e filhos juntarem-se ao jango, ao redor do patrono, mas aqui é excepção, sobretudo, quando não há casamento, nem alembamento, nem óbito, motivos de concentrações familiares.
A contrastar com o ambiente exterior daquela libata do Grafanil apenas a alegria que transbordada dos rostos. Garrafas de álcool e refrigerantes tilintavam enquanto pacotes de sumos confundiam marcas. Pinchos e churrascos se revezavam, de mesa em mesa, e, de canto em canto havia um fogareiro vomitando fumança para o ar a convidar quem por perto passasse, mas era tudo entre tio, filhos e sobrinhos que em conversas múltiplas murmuravam assuntoshá muito adiados e que aguardavam por um momento ímpar.
-É hoje que vamos pôr todas as makas em dia. Daqui em diante ninguém mais sabe quando é que todos estarão aqui, ou noutro sítio, com todos presentes, atirou Baronesa à multidão.
O tio carregado de responsabilidade que o título e a anfitrialidade lhe conferem, ia, de quando em quando, buscando assuntos sérios para a reflexão colectiva e busca de solução, assuntos para conhecimento familiar e outros em jeito de baixar orientações.

_ Phande, o Lumumba já está a beber e demais. Viste quantas cervejas já engoliu nos cinco minutos que está aqui? Dez! É preciso tomar medidas! setenciou evidenciando a calvície que lhe invade a cefalia oval.

A multidão nem tempo teve para reflectir e mergulhou em gargalhadas.
Apenas o temor de uma chuva vespertina, com todas as suas consequências que lhe são conhecidas nos musseques luandenses, fez com que se começasse a pensar no retorno à casa. Mas antes de cortar o bolo do seu aniversário, Alberto Massaca entrou no quarto, trouxe na mão um saco preto contendo cadernos e foi chamando os netos, filhos das filhas e dos sobrinhos, um a um. Conhecia-os de cor como ninguém e todos o tratavam por Ti-Beto.

- Abdalá!
-Ti-Beto!
-Em que classe estás?
- Sétima, ti-Beto.
- Bom menino, este meu chará. Sigam-lhe o exemplo. É o filho promogênito do meu sobrinho mais velho e tem doze anos, apresentava aos convivas.
_Toma, Abdalá, cinco cadernos.
O rosário continuou de neto em neto, em função da idade e da classe que frequentava.
Já era noite avançada quando se cortou o bolo do aniversário e para o bem dos convivas nem mesmo a impaciente chuva caiu naquele noite de poucas estrelas. Com o céu às escuras, sem energia da rede e com o gerador avariado as velas fizeram as honras da noite para o discurso que antecedeu ao corte do bolo.
-"Cdas! não é sempre que nos encontramos para, sem makas, tomarmos uns frascos e mastigarmos uns pedaços... Espero podermos cá voltar com lágrimas de alegria nos cinquenta anos do tio", sentenciou Phande, o sobrinho mais velho, interrompido pelo viva dos convivas, antes mesmo de lançar a pergunta da praxe:
- Hábitos para levar ou para deixar?
E assim se fez madrugada!

Luciano Canhanga

2 comentários:

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

"Viste quantas cerjevas já engoliu nos coinco minutos que está aqui? Dez. É preciso tomar medidas!"

Ganha quem bebeu, ou o contador?

Abraços engraçados!

Anónimo disse...

Pronto, fiquei fora da festa, né?
Um abraço.
São