A "Paz de Abril" foi a principal conquista dos angolanos nos 50 anos de independência. Assim declarei em entrevista difundida pela LAC, na sexta-feira, 04 de Abril, em que estivemos a reflectir sobre os 23 anos da cessação da confrontação militar, pós-eleções de 1992, entre a rebelde Unita e o Governo angolano. A debitar ideias estivemos: Luciano Canhanga, Nadir Taty, Honorato Silva, Domingas do Monte, Alexandre Lucas, Lucinga Jamba e Álvaro Mendonça, sob co-moderação de Zé Rodrigues e Pedro Fernandes.
Defendi a minha colocação de que "a paz é a maior conquista dos 50 anos de Angola Independente", pelo facto de permitir-me que me possa deslocar ao Lubolu, Moxiku Leste, Kwimba ou Njamba Kweyo sem impedimentos e ou riscos de ataque ou accionamento de minas. E muitos terão concordado comigo, a contatar com a aprovação dos meus co-arguentes durante o debate.
Foi neste espírito que, na manhã do Dia da "Paz de Abril", rumei ao novel município da Munenga, em companhia da esposa (Irlanda Salongue Canhanga) e dos meus compadres (o casal Higilda e Joaquim Aveleira).
A viagem despreocupada, que apelidámos de "turística", foi, na verdade, um kuñwalañwala [em Umbundu, andar sem rumo rígido]. O mote era ir passear à Munenga, pernoitar na Mukonga e afugentar ou, no mínimo, dispersar, alguns males derivados de trabalho intenso e contínuo, mas teve outros aditivos.
O almoço foi na Marginal do Dondo que estava apinhada de gente e viaturas de diferentes cilindradas, uns tendo o Dondo como destino e outros de passagem apenas.
A "Velha Cidade" tinha músicos de cartaz, com destaque para o Don Kikas que foi apresentado pelo animador, enquanto degustava umas boas kakusadas "doadas" pelo tangencial Kwanza que, naquelas bandas, escorrega pachorrento e profundo a caminho de Lwanda.
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Marginal do Dondo |
A sede da Munenga foi o ponto imediato, depois de forrar os estômagos com apetitosas chopas, regadas de pomada do dourense e água angolana.
Antes, agentes da polícia, em acção preventiva, mandaram-me parar e estacionar, à chegada do Desvio da Munenga [4 quilómetros do vilarejo].
O homem alto, pele enegrecida pela melanina e sóis de muitos dias de trabalho na estrada, estrela única no ombro, fez-se diligente e respeitoso.
_ Bom dia, caro automobilista!
_ Bom dia, senhor Inspector! _ Respondi-lhe, baixando de imediato a música e os vidros.
O subinspector policial abeirou-se o mais próximo possível, tentando interceptar algum odor que se aproximasse ao consumo etílico. Estudei-lhe as maneiras.
_ Então, como vai a viagem, qual é o destino e vossa procedência?
_ A Vamos à sede municipal falar com a camarada Fátima Cunha, a administradora municipal. A nossa procedência é Lwanda e pensamos em passar a noite aqui, na Mukonga, caso haja espaço e condições.
_ Vão para pedir terrenos, chefe? _ Voltou a indagar, ao que lhe respondi:
_ Sou daqui. A minha aldeia é o Kuteka que fica atrás daquela montanha, porém os meus parentes vivem na aldeia de Pedra Escrita. Viemos para mostrar umas ideias à administradora a quem pretendemos e temos já estado a ajudar para erguer o município que é novo. Quanto a terras, "tenho algumas à venda". _ Brinquei.
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Aldeia de Pedra Escrita |
Mostrei-lhe uma imagem com Emblema e Slogan da Munenga, projectados por mim, que pareceu gostar, tendo agradecido com a frase "é bom que todos os filhos ajudem a sua terra".
Confirmado também de onde ele era [Kalulu], liberou-nos sorridente e fizemos os 4 quilómetros que separam o desvio e a sede municipal em estrada (Munega-Kalulu) que mostrou obras em curso.
Na colina em que se acham as residências da administradora e seus dois adjuntos, assim como o antigo comissariado [por uma questão de hábito recorrente, os mais velhos ainda chamam a administração de comissariado] e o Posto Médico, cuja sala de espera são uns bancos de betão implantados debaixo de pequenos arbustos, encontrámos apenas a jovem secretária que nos informou sobre um jogo amistoso de futebol entre os mistos da Munenga e de Kalulu [a antiga capital do Lubolu que também foi elevada a município, absorvendo a comuna da Kabuta].
_ A chefe está no campo. Se me derem quinze minutos, posso levar-vos até lá. _ Explicou, solícita.
Conhecendo a Munenga desde os anos em que a jovem secretária sequer era projecto de seus pais, rumamos à procura do campo.
_ Só pode ser na Banza de Munenga, junto à antiga Junta [instalações da JAEA¹ e posteriormente MCH²]. _ Informei aos meus três companheiros na viatura, para os confortar, e lá fomos conhecer e saudar a Administradora Fátima que nos recebeu diligente e informou que a "Munenga esta a vencer Kalulu por 2-0". Aditou o seu plano para reabilitar a quadra de jogos de salão e estender a energia para aquele espaço que se acha fora da zona habitada, embora a poucos metros.
_ Com luz, à noite, os jovens poderão jogar futebol de salão, basquetebol e outras modalidades. Vamos fazer um esforço e procurar estar sempre com eles. _ Justificou a mais alta entidade no município, recebendo os meus elogios e palavras de conforto.
Seguimos à Mukonga, antiga Estalagem do Ngana Mbundu, o alemão Walter Kruk, assim baptizado pelos nativos e raptado, sem volta, pela Unita, em Fevereiro de 1984. As camas estavam limpas e mostravam-se confortáveis. Pagámos e decidimos ir jantar na Kibala, cerca de 94 quilómetros, a caminho do Wambu, com paragem breve na Aldeia de Pedra Escrita onde residem muitos meus parentes.
_ Passar pela aldeia sem cumprimentar a velha Nzumba [Alcinda Soares Kazenza] é quase pecado. _ Expliquei aos meus compadres, detalhando o que ela representava para mim. Adentramos e aproveitámos ver futura casa de campo.
Com o jantar já encomendado ao amigo Luís Perninhas, tendo o estômago e os olhos que contemplavam a natureza verdejante em sintonia, tudo corria sem pressa, tirando o tempo que é alheio, bastando bem administrá-lo.
"Kipala kya Samba" recebeu-nos às sete da noite, deixando-a para trás às vinte e duas e qualquer coisa, com chegada à Mukonga a roçar à meia-noite.
Sábado, dia acordado para o regresso a Lwanda, tínhamos de fazer os vinte e dois quilómetros até, novamente, Pedra Escrita para pegar uma "soca" de bananeira rocha encomendada ao sobrinho Nelo que a fora buscar na aldeia de Lususu. Todavia, a minha esposa estava dividida entre ir, antes, a Kalulu ou outro destino.
_ É preciso tirar proveito do tempo que nos restava, antes de encetar a viagem de regresso à capitalíssima (Lwanda). _ Disse ela sob concordância de todos nós.
Nisso, a irmã dela, nossa comadre Higilda Salongue Aveleira, perguntou por chouriço caseiro, despertando a mana mais nova a sugerir o almoço no Waku Kungu que distava 150 quilómetros percorridos sob chuva incessante e velocidade moderada e contemplativa. Em algumas rectas e descidas que pediam ao motor maior velocidade, o capim, as árvores e os rochedos que ladeiam a EN 120 pareciam empurra-nos para frente, enquanto eles, fixos, pareciam correr apressados para trás.
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Waku |
À semelhança do Dondo e Kibala, a refeição fora encomendada ao telefone. Quem faz frequentemente o mesmo caminho tem de possuir contactos e poder encurtar o tempo de espera.
Atendido o aparelho digestivo e a necessidade de aquisição de produtos campestres, despedimo-nos da antiga Santa Comba-Dão, [assim baptizada em homenagem à terra onde nascera José de Oliveira Salazar] quando o sol minguante se despedia entre a montanha leste. O tempo, "uma invenção dos capitalistas para vender relógios", segundo Karl Marx, anunciava dezassete horas. Luanda ficava a mais ou menos quatrocentos e vinte quilómetros superados até às vinte e três horas e cinco minutos, entre conversas, várias, e paragens, algumas.
Corpo cansado, mas mente lavada para mais extenuantes dias de labor, num feito que só a paz pode proporcionar.
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1- Junta Autónoma de Estradas de Angola
2- Ministério da Construção e Habitação