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quinta-feira, março 13, 2025

OS REFORMADOS E A VISITA APRESSADA A CRISTO

Todos os seres humanos nascem, (alguns) crescem e todos acabam por morrer. É dado adquirido. Uns nem chegam a reproduzir, por vontade própria, alheia ou por antecipação da morte. Sabemo-lo. Todavia, entre os que morrem, os aposentados constituem um bom número.

A aposentadoria, por limite de idade (60 anos em Angola) ou por tempo de serviço (420 meses de contribuição ou 35 anos de trabalho contínuo), é um direito que se adquire com a idade e/ou tempo de trabalho, algo que devia animar quem chega a tal meta.

Já se imaginou, você e seu(a) cônjuge; filhos crescidos; netos a chegar, ano sim, ano também; isentos de trabalharem por conta de outrem que vos impõe agenda (agora são vocês os donos do vosso tempo total); "árvore sombreira" crescida; pensão de reforma a pingar (embora tripliquem as idas ao médico). Imagine que a sua/vossa "árvore sombreira" esteja também a frutificar para acrescer moedas à pensão de reforma e possam "desforrar" os dias de estresse e trabalho intenso com saídas prolongadas ao interior e/ou exterior do país. Você quereria, com certeza, viver e desfrutar por mais 60 anos. 

O que vejo, no meu Kuteka umbilical, é que os aposentados morrem cedo, alguns tão logo depois de deixarem de trabalhar por conta de outrem. Por que será? 

Outros, reclamam do patrão por lhes ter dispensado do trabalho para o usufruto da reforma que é de lei e moral. Alguns chegam a manifestar repúdio em público e lançar impropérios contra o "ingrato" do patrão que "não mais o quer ver trabalhar", para descansar. O que vai mal?

Não será porque o trabalhador exímio e exemplar deixou de pensar no pós-patrão, plantando, em tempo certo (antes de se chegar à aposentadoria), a "árvore sombreira e frutícola", tornando-se num ser ocioso e enjoado de ver as cores das paredes da casa todos os dias?

Noutras latitudes, os idosos são os que mais desfrutam da vida, viajando, conhecendo novos lugares, enchendo os navios cruzeiros, ocupando os hotéis, cuidando da natureza ou abraçando causas sociais. 

No meu Kuteka, a coisa é diferente. Os aposentados morrem cedo. Será por caso da mísera pensão de reforma? Mas, que tal (e volto à questão da "sombreira") se tivessem levado metade do ordenado ao estômago e alguma porção em poupança ou investimento?

Não sei qual foi a causa que matou o meu homónimo que "ofereceu todo o seu sangue" a uma rádio, até adquirir o direito à reforma, tendo sido ouvido ainda a reportar algumas vezes, mesmo já na condição de aposentado.

Não tendo nenhuma outra utilidade ou justificação, esse apontamento visa apenas levantar interrogações sobre a morte "precoce" dos nossos aposentados. Por que não "lhes é concedido" tempo para usufruírem do direito de não mais trabalhar por conta de outrem?

Algo deve estar errado e é tarefa de todos, empresários e gestores de topo de empresas, gestores de Capital Humano e colaboradores, encontrar uma nova fórmula que nos leve a gostar da reforma e a ter uma vida saudável e prolongada depois dos 60 anos.

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Obs: o autor é jornalista, MSc em Ciências Empresariais e foi Dir. de um GRH.

sábado, março 08, 2025

UMA VISITA AO MUSEU DO CORAÇÃO

Num hospital público de Cape Town, em 1967, um homem economicamente realizado, de 53, padece de insuficiência cardíaca irreversível e ninguém acredita em sua salvação, não existindo outra saída que não fosse encomendar a sua alma àqueles em que acreditava dar-lhe existência ultra-tumba. Apenas um médico, o Dr. Christiaan Barnard se recusou a desligar a respiração assistida.
A cadeira do receptor e a viatura sinistrada

Corria o mês de Natal. No dia 02, mãe e filha, esta de 25 anos apenas e a fazer carreira em um banco de referência, são atropeladas por uma pequena e, "aparentemente, inofensiva" viatura. A mãe teve morte súbita e a filha com traumatismo craniano, sendo-lhe declarada morte cerebral, horas depois, embora tivesse o coração ainda a bombear.
Já sem forças, Edward Darvall, ainda sem se refazer da má nova sobre a partida da mulher Myrtle Darvall, recebe outro telefonema do hospital.

_ O que será desta vez? Já "não caíram o Carmo e a Trindade?" Que há mais por cair? - Terá pensado sem o dizer.
Do outro lado do telefone estava jovem médico cirurgião, com PhD nos EUA, exausto, triste pelas ocorrências, mas ganhou coragem, fez o anúncio derradeiro, seguido de uma pergunta.
_ Tudo tentámos para salvar a jovem Denise Darvall, mas fomos incapazes. Todavia, ela tem um coração ainda a funcionar. O senhor autoriza que seja transplantado em um paciente que dele carece há muito tempo?
Seguiu-se silêncio. Depois uma voz entre a fraqueza e a coragem determinante de quem quer que o mundo dê uma gigantesca volta (ao nível do conhecimento).

Denise: primeira doadora
_ Sim. Já que não conseguiram salvar a minha filha Denise, no mínimo, tentem salvar a vida de quem precisa_. Esta resposta dada por Edward Darvall ao Dr. Barnard, deu lugar ao primeiro transplante de coração humano, realizado a 3 de Dezembro de 1967. Antes já outras experiências haviam sido tentadas pelo Dr. Barnard e sua equipa usando, principalmente cães, um deles exposto no museu do coração.

O receptor, Louis Washkansky, um comerciante sul-africano de 53 anos que sofria de insuficiência cardíaca terminal, viveu 18 dias com o coração emprestado e morreu de outra causa não ligada ao coração [pneumonia].
Essa é a história que foi mostrada e contada à turma de angolanos que procuram reforçar o inglês naquelas paragens.

Atrás da colecção dos factos feitos, fotos e objectos está o curador e guia do Museu do Coração da Cidade do Cabo Hennie Joubert. 
Perguntado se as sensações e sentimentos são como antes do transplante, Joubert conta que "o coração leva o sangue ao cérebro que tem a missão de amar, interpretar coordenar e ordenar as demais actividades do corpo". Falou sobre alguns pequenos cuidados que observa em termos de medicação, todavia, negou qualquer limitação física por causa do "coração alheio" que agora é dele. "Eu jogo golfe".
Na cama: manequim do receptor

A história do Dr. Barnard é demais conhecida. Por isso, é de Hennie Joubert, homem quase incógnito, "dono do museu" que me atrevo a rabiscar algumas linhas [História de sua vida]. É um sul-africano, de Ceres, em cujo corpo "coabitam duas pessoas," ou seja, ele e um coração que lhe foi doado em 2006, inspirando-o para homenagear o Dr. Barnard, pessoa que conheceu de perto e amigo de seu pai. Heenie afirma que "trabalhou árduo", enquanto teve excelente saúde, quando adoeceu, teve sorte de encontrar um doador. Todavia, para recompor o cenário completo da sala de cirurgia (daquela noite) tive de gastar cerca de sete milhões de Rands para conseguir os direitos de autoria das imagens e a propriedade de alguns objectos que estavam em falta para completar o cenário. 

Ao assinalar-se os 40 anos do primeiro transplante humano de coração (2007), investiu pessoalmente no projecto, vendendo tudo o que tinha para montar o museu no hospital público de Cape Town, Groote Schuur, que tem ao lado uma universidade. E não foi fácil recompor as peças e produzir os manequins com as feições dos personagens reais. Até o carro envolvido no acidente, metade está no museu. O quarto da jovem Denise, os adereços, etc. A cama em que o receptor do coração se encontrava havia sido doada ao Hospital Católico Romano de Windhoek, mas consegui tê-la de volta em troca de uma nova. As luzes do "anfiteatro" ou sala operatória haviam sido doadas a uma instituição de medicina animal, foram resgatadas, assim como fotos, entrevistas do Dr. Barnard e muito mais.

Quanto à turma de angolanos, brasileiras e sauditas, da English Plus Academy, "a visita realizada a 27 de Fevereiro de 2025, foi espetacular", na medida em que permitiu conhecer uma página sobre a história da evolução da medicina humana e conhecer parte da vida daquele homem (Heenie) que vive com um coração emprestado.
O seu contrato de gestão do museu termina este ano, havendo dúvidas quanto ao destino do espólio pessoal acrescido ao do Hospital.


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Publicado pelo Jornal de Angola a 02.03.2025

terça-feira, março 04, 2025

CARTA DE UM HEREGE AO SEU KAMBA DO PEITO

Meu amado amigo da muxima, do peito e "das confianças", como decidimos nos tratar nos dias que correm, para diferenciar essa nossa "amizade-como-irmandade", espero que essa carta/desabafo te encontre bem. Na verdade, são aquelas palavras que sempre te quis dizer, mas que fui protelando e postergando em função desta ou daquela situação subtil e que podia, num ambiente mais aberto, macular a honra de nossas virgens-parturientes.

Como o dia é de festa, descaso e descanso, isso depende do que cada um gosta e faz nesses longos dias de ócio, decidi, no silêncio e recolhimento que te é característico, mandar-te essa mukanda.

Soube que hoje, por lá, é dia de Carnaval, merecedor de um longo período que já se vai arrastando há 4 dias de festanças e desbundas com o salário acabado de receber. Embora tu não precises deste aviso, mas tens gente à volta e conhecida que pode carecer, volta e meia, de uma forma de "remind": o salário de Fevereiro é para comer e curar-se durante o mês de Março que tem trinta e um dias.

Aqui, na South onde me encontro, não vejo Carnaval. "Somente" vocês que "amam mais a colonização mental/cultural do que o próprio colonizador" é que o vivem com a euforia de quem tem já todos os males curados. Aqui é dia normal de busca de pão. Lembraste daquela vez em que o teu filho, meu sobrinho, te perguntou "por que não estavas a levar o saco para pôr o pão", quando em vez de lhe dizeres que ias trabalhar disseste que ias à procura de pão? Pois é. Aqui é mesmo dia de procurar pão e não de beber umqombothi (cerveja caseira) como fazem os nossos kimbombeiros do México e do Sete & Meio.

A propósito do Carnaval, que por lá se diz "é festa popular" ou é "manifestação da nossa cultura", tive na última madrugada uma acesa discussão com a minha tetravó, a trisavó da minha mãe. Encontrámo-nos num espaço com pessoas de várias idades, proveniências e culturas. Uns que era na nossa terra e falavam a nossa língua, mas que se tinham "casado e amigado" com outros, começaram a ignorar as vivências dos nossos ancestrais e chamaram aquilo que veio de longe e imposto pela força das armas e de um deus alheio como "nossa cultura". Será que é mesmo essa a nossa cultura? Ou é a cultura dos que sentem vergonha da terra que lhes recebeu e guarda o umbigo?

Talvez por desgosto, vi a minha tetravó e todas as pessoas da sua era que me estavam a contar lindas estórias partirem sem se despedirem. Foram um a um, mulheres e homens.

Uma das lições com que fiquei, da curta conversa que mantive com ela foi que as nossas danças e os momentos festivos colectivos como as cerimónias dos "tundandji, cinganji, evamba, ekano, efundula, omwongo" e outras festas ligadas à iniciação femininas, como efiko, efundula e ufiko, ou ainda de entronização que têm seus períodos e nunca abrangeram/paralisaram o país todo.

Lembrei-me agora da expressão "izaji" do meu Kimbundu materno, que significava feriado/recolhimento. Nos nossos dias de feriado, nunca alguém simulou ter sido raptado e a pedir resgate.

Em 2019 estive na Áustria, terra alheia de brancos que pensam que o crescimento e desenvolvimento residem no trabalho e na inovação técnica e científica. Foi na semana do carnaval. Não vi nada, nadinha que se parecesse ao carnaval que vocês festejam à boca-larga e saia-curta. As pessoas foram trabalhar. Mesmo em Portugal, não se vive essa euforia dos "pretos que receberam e injectaram o ópio" no corpo, tornado perene a autodependência. 

Repara ainda no que acontece nas igrejas? Os brancos fizeram o seu papel. Introduziram o ópio, eles deixaram de consumir e nós abrimos igreja em todas as esquinas. Vai espreitar quantas missas realiza uma igreja na tuga e quantas pessoas lá vão. Depois, compara com as nossas. É colonização. Só que, desta vez, o cego tem olhos desvendados, entretanto que não quer ver!

sábado, março 01, 2025

FUNJI COM SALADA

[Mangodinho na estranja]

_ Não se mete na minha vida! _ Assim mesmo me respondeu o kota que só quis ajudar. Vou contar:

Mangodinho, desde que começou a se deslocar do Kuteka para a Ngimbi e da Ngimbi para a estranja, ficou estranho. Até a comida que come virou diferente. Desta vez, o indivíduo pediu lingua-de-boi com funji. Até aqui está mbora certo. Faltou apenas um kabucado de kizaka, jimbôa, myengeleka, súmate ou kandonda. Podia ser qualquer verdura ou coisa da horta, mas tinha que passar na fervura ou, no caso da kandonda, que na Lunda é coisa obrigatória no jantar de um mwana lunga, tinha de, pelo menos, passar em água fervida e quente. Mas, o Mangodinho, nessa nova mania dele, aceitou mesmo lhe darem salada que seria a comida para o tal boi, cuja língua lhe deram com ele no prato. Isso se faz?!

E, quando lhe fui perguntar, qual é o motivo que te fez comer funji com salada, o Mangodinho a me responder que é por causa do médico.


Primeiro, ainda, me disse não tenho que lhe tirar satisfações porque a boca que comeu e o estômago que recebeu são mbora dele. 

Mas, que médico é esse que recomenda dar ao outro funji de milho branco com salada e um kabucado de língua-de-boi? E você, um mais velho que os miúdos todos te seguem como exemplo da aldeia e do país inteiro, aceita uma coisa dessas?

Até a língua de boi também está a negar e a dizer que é de vaca. Ara xisa, pá!

Segundo, é porque, ah, o médico me falou tem que comer verduras. Segundo é porque o boi quando lhe matam vira vaca. Como é que vira vaca?

Mesmo no curral grande, com hama nyi hama jya jingombe [com centenas e centenas de bois], "o dedo que mata é aquele que aponta o animal" e "o boi morre no dia em que lhe apontam para o abate". Como é que um gajo aponta o boi e morre a vaca que é para fazer aumentar o curral?

Terceiro, como é que o Mangodinho, um gajo mesmo vivo, nascido e criado no nosso Kuteka, acredita na receita invejosa de um medico qualquer? 

Quando não tínhamos dinheiro para criar bois ou comprar carne, a kizaka e outras verduras de todos os dias era connosco. Agora que a vida evoluiu lá um kabucado, o médico te manda voltar à vida de kizakices e tu aceitas, ó Mangodinho?

Esse kota ou já lhe meteram na mayombola ou lhe cozinharam ou então temos que lhe levar no kurandeiro para saber e nos dizer o que se está a passar com essa boelice que está a lhe entrar na cabeça. 

Um homem de verdade não pode aceitar tudo o que lhe dizem!

sexta-feira, fevereiro 28, 2025

O CAMINHO PARA A LIBERDADE

Os aprendizes de novas línguas procuram sempre por alguém com quem possam testar o que julgam estar a aprender, assim como os nativos ou residentes há mais tempo gostam de medir e saber quão aptos os "foreignar" [estrangeiros] estão para comunicar na sua língua. É nessas circunstâncias que surgem sempre pequenas conversas ocasionais nos cafés, nos elevadores ou nos táxis.

_ O senhor já viajou para alguma outra cidade de países estrangeiros, para além do seu e da África do Sul? _ Perguntou Kingsley Kenechukwu, taxista, que se apresentou como natural de Biafra e a residir por "long time" em Cape Town.

_ Ontem mesmo, caminhando para Waterfront, fiquei a reflectir em como as nossas independências foram obtidas e como temos ou não temos conseguido preservar o património material que herdámos da colonização.

_ Oh! What you have been thought [Oh! O que andou a pensar]?

A conversa era em inglês que o taxista dominava com perfeição e Mangodinho a tatear, mas a procurar explicar e argumentar, embora não tivesse as palavras todas ao pé da língua. Era como um mestre que tinha vontade de trabalhar, mas com os instrumentos necessários dispersos por uma grande dependência. Entretanto, lá se ajeitou com o parco vocabulário que tinha à disposição. Afinal, "the most important is communicate and beeing understood" [o mais importanteé comunicar e ser percebido].

_ Pois é. Veja! Há países que receberam as suas independências como se de um "gift" se tratasse. Esses tiveram de aceitar as condições prévias exigidas pelo antigo colonizador, como guardar o dinheiro dos novos países nos bancos centrais do antigo colonizador, permitir que os países colonizadores fossem tidos como preferenciais no acesso aos recursos minerais, ter bases militares nas antigas colónias, manter as propriedades das anteriores famílias colonizadoras, etc. Por outronlado, há países que obtiveram as suas independências à forças das armas, fazendo com que os colonos tivessem de fugir, deixando tudo para trás. Infelizmente, em alguns desses países, os novos detentores do poder não tinham hábitos de vivência urbana, formação para administrar condignamente o património material e imaterial que receberam, assim como melhorar o provimento de serviços aos citadinos. O que se vê é que as cidades ocupadas pelos que saíram das aldeias, dos maquis e dos subúrbios ficaram degradadas e descaracterizadas. 

Num terceiro grupo estão os países que chegaram à autodeterminação por via de décadas de luta política e ou militar que culminaram com negociações sobre a forma em que se chegaria pacificamente à desejada liberdade. O que noto é que, aqui, tudo se manteve como antes: os ricos, que fizeram parte do sistema opressor, continuam nas cidades que se mantêm organizadas e em constante adaptação às axigências do presente. A maioria dos pobres, por seu turno, continua a viver nos subúrbios e nas aldeias afastadas, acedendo às cidades apenas para o trabalho. É um tema importante, para compreender os contrastes de Africa, e que pretendo aprofundar. _ Concluiu Mangodinho, algo cansado,  todavia satisfeito pelo esforço de ter, mais uma vez, aproveitado a oportunidade de abrir a boca e ensaiar o seu inglês com o "driver".

_ You made a good analysis but look! There is many poverty and poor people in the countryside and suburban areas. People in that places doesn't live well as other in the city. If you go there you will find small sheet metal houses [você fez uma boa análise, mas preste atenção! Há muita pobreza no interior e nos subúrbios. Se for para lá vai encontrar pequenas casas feitas de chapas metálicas].

Seguiu-se um período de mutismo. Mangodinho a reflectir no que ouvira e a pensar no desfasamento entre o nível de vida das pessoas nos três tipos de cidades descritas por ele e o que deve ser a realidade campesina e nos subúrbios de Cape Town, Mwangope e Dakar. 

O motorista, por seu turno, terá levado o seu cérebro a reflectir sobre a incursão de Mangodinho sobre as vias pelas quais se chegou às independências e como os países foram/estão a ser geridos ao longo do tempo. 

Numa noite de vento a atingir os 30 quilómetros por hora e um trânsito desafogado, não demorou para que o silêncio fosse cortado pelo "we just arrived" [já chegámos] enunciado pelo homem proveniente de Biafra. Despediram-se com um simultâneo "think about what I told you!" [pense no que eu lhe disse!]

sábado, fevereiro 22, 2025

A FALSA OLIVEIRA

Quando a recebi, a arvorezita era franzina e alta que baloiçava ao vento. À chagada, a relação entre ela, a terra em que fora plantada e, se calhar, o sol tórrido do Zango IV, não foi boa, não! Levou perto de dois anos numa espécie de "toca e ninguém se mexe". Não secava nem apresentava folhas novas.

Em uma de minhas idas a Malanje, trouxe calcário dolomítico e polvilhei a base da planta. Talvez tenha sido um "santo milongo" e ela começou a sacudir-se da hibernação. Vieram-lhe folhas novas, verdes e fortes. Largava poucas ao longo do ano todo.

Quando comecei a podá-la para direccioná-la, o caule passou a engordar e a dar mais ramos que lhe formaram a copa. Continuou a poda para o direccionamento. Em finais de 2023, surgiram as primeiras flores e, no desabrochar do novo ano, surgiram as frutas parecidas às azeitonas agridoces e pretas quando amadurecidas.

Inicialmente, chamávamos a planta de oliveira. Três anos depois consegui uma oliveira original (daquela espécie que todos conhecemos e facilmente identificamos). Daí descartamos o nome anteriormente atribuído. 

Colhi duas ou três frutas que provei (já os guardas haviam saboreado umas e dito que "eram doces"). Voltei à pessoa que me ofereceu a árvore ainda pequenina, em 2020, e perguntar-lhe o nome da árvore que iniciara a frutificar em 2024.


_ São azeitonas pretas _. Disse.

_ Se são azeitonas, a árvore é oliveira (talvez uma das várias espécies existentes). _ Conclui, mas não muito satisfeito.

Desta vez, aumentou o número de flores e as frutas estão à mostra. É jamelão e está plantado no Zango, município de Kalumbu que, até 31 de Dezembro de 2024, era Luanda.

O jamelão, também conhecido como jambolão, guapê ou azeitona preta, oferece diversos benefícios para a saúde, tais como:

1- Sendo rico em vitamina C, ajuda na manutenção da saúde da pele, dos ossos e do tecido conjuntivo.

2 É fonte de fósforo, importante para a formação e manutenção dos ossos e dentes.

3. Possuidor de antioxidantes, contém compostos como antocianinas, quercetina e rutina, que ajudam a prevenir doenças como o câncer e outros problemas inflamatórios.

4. Possui propriedades anti-inflamatórias e ajuda a reduzir inflamações e aliviar sintomas de doenças inflamatórias.

5. Actua no controle da glicose, podendo ajudar no controle dos níveis de açúcar no sangue, sendo útil para diabéticos.

6. Saúde cardiovascular: Os antioxidantes presentes no jamelão ajudam a proteger o coração e melhorar a saúde cardiovascular.

7. Exerce acção anticarcinogênica, podendo ajudar na prevenção e no tratamento do câncer.

8. Melhora da digestão, pois ajuda a aliviar problemas como prisão de ventre, diarreia, cólicas e gases intestinais.

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Publicado no JE&F de 28 de Fev.2025

domingo, fevereiro 16, 2025

JUNTOS ERGUEMOS MUNENGA!

Nesta data, 16 de Fevereiro de 2025, publico, em primeira mão, o Slogan "MUNENGA_ Juntos Erguemos o Município!", assim como a grande "Pedra Escrita", localizada a cerca de 26 quilómetros da (actual) sede municipal, servindo de Ex-libris do novo município criando (por elevação de categoria) a 01 de Janeiro de 2025.

O Slogan e o Emblema são partes de mesma peça artística da autoria de Luciano Canhanga (contando com o suporte de Elizabeth Jai e Dilson Mota).

Todos os direitos reservados ao autor deste blog.

 

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sexta-feira, fevereiro 14, 2025

A QUALIDADE DO SOLO E A SAÚDE DA PLANTA


Repare no que lhe pode parecer "saúde" destas herbáceas.

A parte que apresenta um verde intenso é sorgo (massambala) e já vai na segunda colheita. Sim, a sorgo não seca, após colheita. Nascem-lhe filhotes que também produzem grãos.  Diz a ciência agrícola que a planta pode ir até à terceira ou mais colheitas, cujo rendimento vai baixando, obvio.

As herbáceas que apresentam um verde-amarelado são milheiros. O milheiro é de colheita única, assim como a bananeira. Mas aqui a diferença de coloração tem a ver com a riqueza do solo e exigência da planta. O milho requer melhores cuidados e solo mais humificado para que a planta cresça com vigor e tenha grãos desenvolvidos. A carência ou excesso de água tornam-se críticos para o milheiro, ao contrário do seu "primo" sorgo que é mais tolerante em relação à riqueza do solo e ausência de água. Todavia, o sorgo resiste melhor à inundação, pois cria raízes aéreas (acima do solo) que tanto podem absorver humidade em tempo seco como isolar a base da planta inundada e continuar a viver. Por essa razão, o sorgo é plantável. Sempre que apresente raízes acima do solo, pode ser cortado e plantado. O milho não!

O campo de herbáceas rasas é de batateiras que me estão a poupar alguns Kwanzas.  Kingombo, aliás quiabo, também temos, mas são poucos. Trinta metros quadrados, semeados de quiabos na minha horta, ficaram inundados. A batateira regozija-se com a inundação temporária, pois a água depõe matéria orgânica que serve de alimento à planta rastejante que se multiplica e cobre de verde o espaço.

domingo, fevereiro 09, 2025

ADEUS, CDA SAM NUJOMA!

Vai em paz, "presidente da minha filha"!

Sempre que Angola disputa jogos com a Namíbia, a Lúcia apoia o "país dela". E fica ela sozinha contra os irmãos que nasceram em Angola. Nasceu lá. Não tem a nacionalidade, mas "vive a Namíbia" como se fosse uma namibiana de jure.

Morreu, às 23h45 deste sábado, 8 de Fevereiro, em Windhoek, o Presidente Fundador (1990-2005) Dr. Sam Nujoma, aos 95 anos.
Em Angola, ainda no tempo das Kitotas, Nujoma vivia perto do Palácio. 
Acompanhando o meu finado tio Ferreira Ganga, fui, uma vez, sem o saber ad initio, à casa dele. Só depois de ter regressado ao Rangel e felicíssimo por ter recebido de oferta uma camisa castanha, de lã, com os botões à esquerda, o meu tio me disse que fôramos à casa de Nujoma, Presidente da SWAPO.

No Lubolu, o meu primeiro contacto presencial com os combatentes da SWAPO aconteceu em Fevereiro de 1984, na Munenga. Havíamos recuado da nossa aldeola familiar de Rimbe (proximidade da actual aldeia de Pedra Escrita), fugindo dos rebeldes da Unita que tudo atacavam e raptavam crianças, adolescentes e jovens. 

Saídos da antiga aldeia de Katoto (ficava perto da confluência entre os rios Ryaha e Mukonga) onde tínhamos ficado uma ou duas semanas (foi nessa altura que raptaram o António Neto e o seu o José Neto "Sabalu"), os mais velhos, liderados por Raimundo Carlos "Soba Xika", decidiram buscar por um refúgio seguro, na sede comunal, tendo nos abrigado (toda família extensiva) na casa de Manuel Albano "Kabenda".

Havia no comissariado comunal da Munega uma pequena guarnição das FAPLA que recebera de reforço um pequeno contingente de tropas da SWAPO. Devia haver, no total, um pelotão.

Chegámos ao fim da tarde e era hábito os militares visitarem as casas que tivessem recebido visitas, para conferir quem eram, a sua origem e os motivos da visita.

Eu tinha uma ferida descuidada que largava alguma secreção e odor. Um dos enfermeiros/socorrista da tropa da Swapo fez-me, naquela mesma tarde, um curativo único que, quando retirei a ligadura, duas ou três semanas depois, a ferida estava totalmente sarada.

Na madrugada do dia seguinte (entre noite e madrugada), a Unita atacou a sede comunal e mandou abaixo tudo o que puderam.

Voltei a lidar com os refugiados namibianos na Vila de Kalulu, entre 1987-1990. Eles estavam acampados na comuna da Kabuta e iam à vila de Kalulu apenas para compras e trocas comerciais. Os namibianos vendiam/trocavam roupas de fardo por galinhas, cabritos e outros bens alimentares com que reforçavam a sua dieta.

Aos do meu tempo, morreu o Camarada Nujoma, um freedom fighter.

Long live Angola!
Long live Namíbia!
RIP, Comrade Sam Nujoma!
We'll never forget you!

sábado, fevereiro 08, 2025

MEMÓRIAS DE KUTEKA E PEDRA ESCRITA

A 25 de Janeiro de 2025, cruzei, próximo da aldeia de Pedra Escrita, com uma parente que não conhecia. É neta ou bisneta do "Velo Xingwenda" [Velho Cinquenta], parente da minha mãe. 

Quando me foi apresentada pelo mano Gonçalves Manuel Carlos, recorremos à árvore genealógica para nos situarmos e, mesmo nunca me ter visto antes, quando se apercebeu que eu era filho da "avó Maria Canhanga", começou a recitar uma música dos tempos de xilimina [folguedos] dos anos 90 do século 20 e que fazia alusão a mim.

"Kajila bera mwititu twazeketu (3x)"[Passarinho diga, vamos pernoitar no ninho].

Em menos de 3 meses, na aldeia de Mbango yo'Teka, foquei imortalizado e recordado por pessoas que nasceram décadas depois de eu ter por lá passado, de Janeiro a Março de 1990, fugido da Unita que me correra de Kalulu e, semana depois, da aldeia de Pedra Escrita.

A jovem, parecendo minha mais velha (eu cinquentão e ela na casa de 30), lavava roupa, depois de ter preparado e posto a secar o bombó à beira da EN120. 

Eu, o mano Gonçalves, o Nelo e Páscoa fomos colher canas. A caminho da "kitaka" [horta] vi duas árvores que, na minha terra, atraem borboletas que nelas nidificam, surgindo, depois, os "mabuka" ou "katatu": uma é "munzaza" e outra, de folhas alargadas e em formato de coração dobrado em duas lâminas, é "ndolo".

Veio-me à mente outra canção do "xilimina" dos anos noventa:

"Moça mu kyaña ndolo, moça mu kyaña ndolo, mu kyaña ndolo we sosó lyamutena bwengi" [a moça, de tanto recolher e usar lenha de ndolo, a fagulha atingiu-lhe a zona nevrálgica"]. Na verdade, a palavra, aqui convertida em "nevrálgica" é um impropério. Só os jovens embriagados de kapuka ou lyambados cantavam essa versão ao lado de adultos. O dislate era sempre substituído por um termo não agressivo.

Naquele tempo das rusgas e raptos [rusgas de jovens abrangidos ou não para o serviço militar obrigatório e raptos da unita], o que se cantava era a saudade dos que tinham partido e que deles não se tinha notícias e a reinvenção das vidas para enfrentar os dias duros de futuro imprevisível. E assim, enquanto se metaforizava nas canções como "sambwa li sambwa obuji yatena moye" [entre duas elevações/lados o obus atingiu uma palmeira], também se cantava a saudade dos que tinham sido levados pela sorte madrasta e dizia-se "Kisasa kumbi otoka, bukanga twazeketu" [Quando Kisasa regressar vamos pernoitar fora de casa, a conversar, cantar e contar coisas nossas].

As letras eram curtas e repetitivas, mas com sentido e alcance muito longos.

"Bwahila Toy inyungu ibiloka!" [Onde morreu o Toy os abutres estão às voltas para debicar os seus restos]. 

Depois de kitotas, a presença de abutres em algum lugar era indicadora da existência, por perto, de um cadáver (humano ou de outro animal qualquer).

Os inválidos, os envergonhados, os tímidos e toda a sociedade, individual ou colectivamente, também eram "personagens" das letras das canções que, muitas vezes, mudavam apenas a estória, mantendo a melodia e o tilintar do tambor e do bujão. "Nange, nange, Xoxombo wombela, wombela, Xoxombo nange, nange katé okyo wombela" [De tanta solidão, causada pela timidez em desfiar o rosário a uma jovem, Xoxombo teve de recorrer ao estupro].

Assim era o cancioneiro popular com história e estórias fundadas no longo percurso da sociedade e nos anseios transformadores do amanhã.

sábado, fevereiro 01, 2025

"QUE FALOU KIMBUNDU É ZINHA DOMINGO"

A escola era entre a aldeia de Mbango Yo'Teka e a aldeola de Kabombo. Um quarto, que restava da antiga residência do Senhor Marques, colono português que àquelas terras fora degredado para fazer agricultura, servia de sala de aulas. O professor era Faustino Kisanga Bocado. Como o ensino era e é ainda em língua portuguesa e os nativos de Kuteka mantinham o contacto com a anterior língua colonial apenas quando chegasse a idade escolar, o uso do Kimbundu (no recinto escolar e em casa) fora proibido para acelerar a língua veicular em Angola.

Assim, aqueles que fossem ouvidos a glosar o Kimbundu, fosse na lavra, durante as pescarias (rapazes) ou recolha de lenhas (meninas) eram denunciadas, se não houvesse um bom pacto entre eles.
Alguns pediam aos outros tréguas ao uso do português e todos, mas todos mesmos, se comunicavam na língua materna, inibindo qualquer traição ao professor Bocado. Sorte semelhante não teve a Zinha. Eram duas meninas homónimas na sala improvisada da pré-kabunga que recebia as lições debaixo da frondosa mulembeira.
- Camá, prossor, ontem Zinha falou Kimbundu. - Denunciou Kephele.
O professor olhava para a Zinha Miguel, a mais dada a violar a regra "Kimbundu zero", imposta a todos os alunos.
- É mentira, camá prossor, eu não fali kimbundu. Que falou Kimbundu é Zinha Domingos. Falou assim, "mbomba mu hondja Ùwabe"! [banana com bombó é saborosa!]

E assim ficou registado. Passam quase cinquenta anos. Sempre que se alude à proibição do uso do Kimbundu na escola ou ao mau português usado pelos meninos que frequentam a escola, surge essa cena contada de boca em boca e de geração em geração.
_ Mbomba mu hondja ùwabe!

quarta-feira, janeiro 29, 2025

É PRECISO DIRECCIONAR O ENSINO À AUTO-SUFICIÊNCIA

A escola da aldeia de Pedra Escrita, no novel município da Munenga (região do Lubolu), possui três salas de aulas atendidas pelo igual número de professores que ministram aulas da iniciação à sexta classe.


Embora desde o final dos anos 70 aquela área tivesse sempre professores como José Borracha, Jorge Manuel Carlos e Zeferino Bernardo (seguindo-se outros em período mais recente), o que é caricato é que a produção de professores tem sido zero, com excepção do autor desta prosa que abandonou a região em 1984, ministrando aulas em outras paragens de Angola.
Os três "mestres" alocados actualmente naquela circunscrição são oriundos do Sumbe e Waku Kungu onde possuem as suas bases familiares. A consequência tem sido trabalharem 3 dias por semana, visto que descontam a segunda e sexta-feira para as viagens, restando a terça, quarta e quinta-feira. Pior do que isso, a aldeia não possui casas para professores e enfermeiros, passando-se o mesmo em relação ao Posto Médico que não atende aos sábados e domingos.

_ Os enfermeiros são da vila [de Kalulu] e só vêm na segunda para regressar junto de suas madames na sexta-feira. Acontece que a doença não escolhe o dia. _ Atirou o vice-soba da aldeia, em alusão ao fechamento das portas da unidade sanitária.

Mas, voltemos à escola. A meu ver, dois caminhos se podem desenhar para que aldeias como a de Pedra Escrita tenham autonomia em termos de professores e enfermeiros:
1- Um projecto gizado pela administração e comunidade que leve à selecção de seis a dez alunos locais que devem ser acompanhados e potenciados (psicológica e financeiramente) para que estudem até concluírem a 12ª classe e serem recrutados, posteriormente, como professores e enfermeiros locais.
2- Construção de casas de função para professores e enfermeiros, como forma de propiciar a mobilidade e instalação na aldeia de familiares de profissionais não locais, evitando-se as longas viagens e o absentismo ao trabalho.

Construir, nem que fossem apenas, 5 quartos com respectivos lavabos não seria uma empreitada impossível se a administração e a população estiverem a comungar ideias que levem a auto-suficiência e firmadas no futuro. Deve ainda haver no país gente solidária e com dinheiro que só precisa de receber bons e exequíveis projectos.

O professor Mateus António, 41 anos, é natural do Sumbe e trabalha na aldeia de Pedra Escrita há mais de seis anos. Comunga da ideia de que se a aldeia tivesse casa para professores, as suas idas à capital da província teriam diminuído, teria menos custos e a família podia repartir o tempo entre o Sumbe e a Pedra Escrita, admitindo mesmo a mudança de base familiar.

Falei-lhe e mostrei-lhe onde era a lavra do professor, no início dos anos 80 do século XX. Expliquei a minha própria experiência em que as manhãs de todos os sábados eram para a campanha escolar, dividindo os alunos entre as classes que faziam a limpeza da escola e cercanias e aqueles que iam à lavra do professor, pois este leccionava de segunda à sexta-feira e de manhã ao final da tarde, não lhe restando tempo para a horta. E todos íamos alegres à campanha.


_ Numa situação destas, ter casa, mesmo que fosse só um quarto, e um terreno para fazer uma horta, teríamos uma vida melhor. _ Desabafou Mateus António, esperançoso de que as minhas ideias e experiências "encontem eco e que alguém as oiça e materialize".

A propósito, a escola beneficia de obras (lentas) de restauro e os alunos e as carteiras "estão distribuídos pelas capelas do bairro", constituindo-se a adjacência da escola, envolto ao capinzal, em um defecatório público, dada a ausência da cultura de construção de latrinas.

A piorar a situação, em tempo de chuva, os dejectos são arrastados para a zona baixa onde foi construído o poço de água que acabou inundado. Como consequência, aumentaram as enfermidades, "destacando-se as tifoides, diarreicas e outras patologias causadas por parasitas", segundo o coordenador da aldeia que reforça que "a água que as pessoas consomem não tem condições sequer para tomar banho, devido a porcaria arrastada pela chuva e que inundou o poço que sustenta a aldeia".

Uma canalização, que retirava a água de uma montanha que dista perto de 3 quilómetros, foi esquartejada pela grade do tractor de um fazendeiro que, passados mais de 5 anos, ainda não foi responsabilizado a repor o bem público danificado, expondo a população a enfrentar dificuldades na obtenção de água própria para o consumo humano.


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Pedra Escrita, 25.01.25

quarta-feira, janeiro 22, 2025

A ETIM DE ONTEM E OS KALELUYA

Comparando com dados demográficos de hoje, em 1975 éramos poucos e no início e metade da década de oitenta parecíamos igualmente poucos, talvez uns 8 ou nove milhões. A fertilidade e a natalidade estavam em alta, mas as mortes pré-natais, neonatais e de homens adultos tombados na tropa não ficavam atrás, justificando um saldo populacional com pouco crescimento. 

Neste período, para as viagens e deslocações, os autocarros e os carros de instituições e privados também não eram tantos quanto são actualmente. Carreiras da EVA, ETP e ETIM e algumas rotas servidas com autocarros Keve e outras ainda com camiões e camionetas Bedford e Ifa, levavam-nos para todos os destinos do país, não nos importando tanto com a duração e comodidade das viagens. 

Hoje, cresceu o número de transportadoras, a capacidade e comodidade dos veículos. Os destinos continuam os mesmos (pois o país vai crescendo apenas em termos de novas circunscrições e população que aumenta em quantidade e esperança de vida). Todavia, as vias mais próximas das cidades parecem ainda padecer de carência de transportes públicos. 

O Kalumbu, por exemplo, pede de volta o seu comboio. A Funda e Kabiri também sentem saudades do seu comboio de então, movido a carvão, assim como o Kikolo se quer juntar ao Paraíso e Monte Belo, tal como a Samba quer ver pessoas a deixarem de ser levadas em triciclos motorizados e caixas de camionetas nos destinos para Morro dos Veados, Mundial, Aeródromo e Ramiros.

As pessoas são muitas, sim. As necessidades aumentaram, é verdade. Os desafios somam-se todos os dias. Precisamos, todos, é de multiplicar as soluções e cuidar do que já existe!

quarta-feira, janeiro 15, 2025

CARNE COM 14 GRAUS

Na tropa tuga que os acolheu pela primeira vez, Serpa Pinto era cidade demasiado pequena para que dois jovens educados em missões protestantes não se reconhecessem.

_ Nasci em Ekovongo e cresci em Kamundongo. _ Apresentou-se o cabo Sabino ao cabo Coimbra. Corria o ano 66 do séc. XX. Os Movimentos de Libertação Nacional surgiam como cogumelos influenciados pelo fim da IIGM e conferencia de Bandung, com os ex-militares a vomitarem novas ideias jikulamesistas nos países de origem.

_ Também sou protestante de Cisamba e tenho a vida académica feita no Ndondi (ex Bela Vista, hoje Kacyungu). _ O aperto que se seguiu à apresentação dos dois cabos bienos, dois anos de diferença, foi como a bala de G-3 alojada na caveira dum insurreto. Assim eram as orientações salazaristas e thomazistas naqueles tempos "para Angola e em força" a fim de manter "a joia da coroa lusitana em África" onde enfrentavam, a par da Guiné de Amílcar Cabral, umas das mais duras e desgastantes guerrilhas. "Alojar a bala na caveira dos patrícios e fazê-los temer a nossa autoridade e poder", ordenavam os furriéis à praça formada por nativos e lusitanos chegados em aviões e navios metropolitanos.

Coimbra e Sabino enfrentaram com valentia e sabedoria os dois anos de tropa tuga até chegar a dispensa para a vida civil, cumprindo ou esquivando ordens para que não fossem submetidos a castigos nem tidos como subversionistas. Por outro lado, evitando também o confronto directo com os seus irmãos que nas matas e nas chanas lutavam com kanyangulu e mwana-kaxitu para dar fim ao poder do fascista Salazar e seu presidente peão, Américo Thomaz, das terras de Ngola, Ya Ndemufayo, Wambu, Ndulu yo lo Sima, Cinyama, etc.

Transcorreram os 48 meses esquivando uns e outros, embora o coração fosse revoltoso. Terminada a missão militar, Coimbra acabaria por alistar-se num curso de enfermagem.

_ Único caminho que tenho p/ ajudar a revolução é curar os populares e os compatriotas deixados feridos pelo calor da refrega. _ Disse para si mesmo no dia da decisão. E fez o curso geral de enfermagem, ano e meio, em Nova Lisboa. Seguiu depois para Kamanonge, distrito de Moxico.

Sabino seguiu-lhe no sonho, embora nada houvesse de acerto entre ambos. 

_ Agora que já não estou a servir vou me enquadrar no Movimento.

Tentou fazer-se à estrada até atingir a vila Teixeira de Sousa. Espinhos eram muitos e poucos com histórico militar transpunham as barreiras. Já um ano tinha voado, depois da dispensa da vida militar. 

_ A revolução também se pode fazer na recta-guarda. _ Assim pensou e procedeu sem demora. Enquadrou-se no curso geral de enfermagem e o destino levou-o igualmente a  Kamanonge, onde viria a reencontrar o seu antigo colega e conselheiro Coimbra.

Quando se avistaram pela primeira vez, em Serpa Pinto (hoje Menongue), Coimbra já era pai de segunda caminhada. Sabino ainda sonhava com a noiva deixada intacta em casa do padreMaurício,irmão de Argentina. Mal tinham começado a garinar o jovem, segundo ano do liceu concluído, foi forçado a enquadrar-se na tropa de ocupaçao colonial.

No reencontro de Kamanonge, Coimbra ia em três rebentos, enquanto Sabino contava dois filhos: Sozinho Kanyimonjo e Wandalika Kolohali.

Estavam no berço da revolta contra o sistema colonial. A proximidade com a Rodésia independente e permissiva aconselhava o recrudescer dos combates e até facilitou o surgimento do kasule entre os Movimentos guerrilheiros anti-salazaristas em Angola.  Coimbra na chefia da delegacia da saúde de Kamanonge recebeu o neófito Sabino que se fazia acompanhar da prole e companheira. Surgiram outros anos de companheirismo e cumplicidades entre duas famílias. Durante o sol atendiam os colonos e aldeões da circunscrição e, às noites, os "irmãos kambutas"que abundavam nas chanas trafulhosas do Leste.

Chegou a Revolução dos Cravos. Salazar já pagava pelos pecados e Caetano, seu substituto na ditadura primo-ministerial, via o diabo a assar "joaquinzinhos" em lume brando. 

_ Independência chegou! _ Gritaram as colónias. Negociações à mesa, 14 anos depois do início das nvundas do tunda mindele. Coimbra volta a Silva Porto e Sabino enfrenta a traição rasteira de irmãos de sangue e sofrimentos perante o chicote colonial.

_ É ovimbundu, é colaborador. _ Sem mais nem menos acusaram-nos com sede de lhe tomar a cadeira na delegacia deixada por Coimbra transferido. Preço da revolução feita sem cérebros encanetados. Fugido das masmorras pidescas, à cadeia disesca foi entregue, acusado de traição.

_ Nunca estive com eles. Nunca me simpatizei com eles. _ Defendeu-se perante uma acusação que não permitia advogado. Sol aos quadrados viu. Até estrelas depois de competentemente sovado. Resistiu à tortura e morte. Viu companheiros de desgraça, acusados de colaboracionismo com o Terceiro Movimento, partirem para nunca mais se ouvir falar deles. Com o passar do tempo, recebeu outros parceiros de sofrimento, rusgados na refrega inglória do 27 de Maio de 1977. Muitos deles seguiram o rasto dos primeiros. Desapareceram de dia para noite sem deixar rasto. Quando o sino da liberdade tocou, voltou à urbe nativa, fundada por Silva, o do Porto, onde voltou a encontrar o seu amigo e companheiro de todas as caminhadas que fora transferido para o confiscado hospital missionário de Kamundongo.

Vivem hoje aposentados, cuidando de netos a quem contam a cada sol um episodio, fazendo-lhes companhia a "pomada", as cicatrizes e as memórias.

_ Então, compadre, o que será hoje o nosso almoço? _ Perguntou Sabino na pele de visitante, enquanto ajeitava a sacola em que acomodava o galo trazido da fazenda.

_ Catorze graus, com carne e pirão. É tempo de independência, compadre. _ Respondeu Coimbra.

Rodeados por filhos kasules, sobrinhos e netos comuns, Coimbra e Sabino abriram seus livros de memórias que os descendentes foram anotando e mentalizando com atenção.

_ Vovôs, vamos escrever um livro com vossas recordações. _ Verbalizou Any Bingo, uma neta comum.

A cabidela foi regada com vinho tinto de 14 graus enquanto os mais novos festejavam com kisângwa.

quarta-feira, janeiro 08, 2025

AFUGENTAR PÁSSAROS & FORMATAR A EQUIPA

Já alguma vez se questionou "o que vai mal para que seus filhos/liderados não façam o que você ensina todos os dias?"

Acontece que, às vezes, passamos a vida toda a ensinar a mesma coisa sem que a equipa atine.

Vezes há em que eu mesmo desabafei que "ensinar também cansa!". 

Porém, a sabedoria recomenda "que ninguém se canse de ensinar", pois, "se o lavrador não coloca espantalho todos os dias à volta e dentro da lavra, os pássaros tomam conta dela"!

Aprendi essa máxima com a D. Maria de Lourdes Maria De Lurdes Bartolomeu que a ouviu de sua progenitora. Refleti sobre o seu alcance e revigorou-me, trazendo-a aos meus leitores.

É preciso "colocar sempre espantalhos para afugentar os pássaros". É preciso ensinar sempre até que se atinja o bem-fazer/bem-ser.

quinta-feira, janeiro 02, 2025

ANANÁS E ABACAXI: PARENTES OU DISTANTES?

Oiço em muitas conversas, no campo, se ananás e abacaxi são uma mesma espécie de planta ou diferentes. No Brasil, por exemplo, ananás e “abacaxi” são usados de forma intercambiável, embora o termo “abacaxi” se refira, geralmente, a variedades específicas como o Pérola e o Havaí.

Tratando-se de variedades de uma mesma espécie, aqui vão algumas diferenças e semelhanças:

Espinhos: algumas variedades de ananás têm folhas com espinhos nas bordas, o que pode dificultar o manuseio. A variedade Pérola tem folhas com menos espinhos ou sem espinhos, tornando-a mais fácil de manusear. Algumas variedades de abacaxi, como o Pérola, são conhecidas por serem mais doces e menos ácidas do que outras variedades de ananás.

Quanto à aparência, o abacaxi Pérola, por exemplo, tem uma casca mais amarelada quando maduro, enquanto outras variedades de ananás podem ter uma casca mais verde. Ambos têm uma estrutura semelhante, com uma casca externa dura e uma polpa interna suculenta. A fruta é usada na culinária em sucos, sobremesas e pratos salgados.

Horta do Kanyanga
O ananás é rico em nutrientes. Contém vitaminas A, C, B, além de minerais como zinco, magnésio, fósforo e cálcio. A bromelina, uma enzima presente na fruta, ajuda na digestão de proteínas. Possui também uma acção anti-inflamatória, pois ajuda a reduzir inflamações e melhorar a circulação sanguínea. A vitamina C e outros antioxidantes presentes na fruta tropical proteger contra doenças cardiovasculares, promove a eliminação de líquidos, fortalece o sistema imunológico, ajuda na perda de peso e no combate às infecções.

A fruta prospera em climas quentes e húmidos, com temperaturas entre 22°C e 30°C, sendo Luanda, com o seu clima tropical, é adequada para o cultivo. A planta prefere solos arenosos ou semi-arenosos com boa drenagem e um pH ligeiramente ácido (entre 4,5 e 5,5)34. O solo semi-arenoso de Luanda é ideal para o cultivo do abacaxi/ananás.

Eis algumas das condições para uma boa produtividade

Deve ter boa drenagem para evitar problemas de podridão da planta; A precipitação ideal é a que varia entre 1.000 e 1.500 mm anuais, distribuídos de forma uniforme; a planta necessita de um equilíbrio adequado de nitrogênio, fósforo e potássio; quando possível, a irrigação por gotejamento é eficiente para manter a humidade sem encharcar o solo.

Seja ananás ou abacaxi (variedades de uma mesma espécie de planta), o importante é dar o 1° passo e fazer as coisas com carinho e dedicação. Cada fruta ou verduras colhidas são Kwanzas poupados no mercado.