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terça-feira, outubro 29, 2019

UM'ANGOLA QUE ACONTECE

Diz Moisés Malumbo, no seu livro "Os ovimbundu do planalto central", que a economia desses povos é "fundamentalmente agrária" sendo as propriedades classificadas em três tipos :
Cumbo (tchumbo) que fica atrás da casa, normalmente plantam - se hortaliças e outras verduras de busca e consumo imediato; naka (horta) que se faz junto às ribeiras ou em terrenos baixos inundados em tempo chuvoso; epia (lavra), a unidade maior que garante o sustento familiar e o excedente para permuta e ou venda.
Sendo dos povos que mais migraram, forçosa ou espontaneamente, os ovimbundu levaram aos destinos a sua língua e vocação agrícola. São eles ou seus descendentes já culturalmente a mestiça dos que continuam a desbravar vários campos, alimentando bocas. À entrada de Ngulungu Alto falei com camponesas de ascendência ovimbundu e camponesas ambundu. Revivi jornadas homólogas nas baixas do Rio Kambuku, em Kalulu e na extinta aldeia de Limbe, na Munenga.
Há, por essas bandas muito café que me recorda a fazenda Kitumbulu de meu avô paterno Fernando Ndambi e as numerosas fazendas cafeícolas libolenses que pertenceram às empresas estatais Libolo I, II e Libolo III, nos tempos da matrícula AAK.

"QUEM VAI COLHER O CAFÉ, ESTE ANO?"
O título é trecho do poema de Carlos Cabombo, retratando o medo que apoquentava os LIBOLENSES no tempo de guerra. O café, produto para exportação, colhido nas fazendas de Musende, Lwaty, Cabuta, Kisongo e Munenga era "a principal riqueza" até aos anos oitenta do século XX. A guerrilha estava dias sim, semanas também nas cercanias da vila, ocupando vastos territórios, sobretudo as zonas cafeícolas.
Café maduro/Avermelhado/Bagos doces/Reclamando cesto e o terreiro/Para secar e escurecer/Aguardando-lhe o descasque e torrefacção/Aqui sim/Fica negro/Na boca deixa amargo/Amargura sentida pelo negro/"Negro da cor do contratado"/ (como escreveu o Ngulungense António Jacinto).
Na fazenda Sta. Luísa, Ngulungu Alto encontrei um fortim. Ao que podemos aferir, tratou-se de edifício administrativo da fazenda, com guaritas/sentinelas no topo.
Escombros de outras habitações que terão servido de acampamento para os contratados mbalundu são vislumbrados na parte traseira, sendo o pátio, vasto, ocupado hoje por um bananal que reclama por gotas de água.
Os tijolos das edificações vão sendo roubados um a um. Se para erguer outras casas ninguém informou e é pouco crível. O mais provável é que seja para servirem de assentos nas cozinhas cobertas de capim e enfeitar o cimo das campas que se acham à beira da rodovia.
Há sim, fora da Mutamba, Luanda, um país que ACONTECE!


Publicado no jornal Nova gazeta de 30 de Agosto/2018

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