Translate (tradução)

quinta-feira, junho 05, 2014

A RESPOSTA AO GATUNO KAPALAKATA

No carro da kandonga[1] era a voz mais audível. Kapalakata era diferente no falar e até no espalhar fedores. As suas axilas eram lixeiras a céu aberto com revestimento peludo que desafiava as savanas de Kamakupa[2]. Nem só vergonha das kindozas[3] tinha. Tagarelava ao mesmo tempo que se dedicava ao seu “BCA, Bela Vista, Estalagem, Término”, referências à rota Congoleses-Viana.
- Kota[4], estás com uma pipa bwe tribal[5]. Posso ver?
- Sim, podes. - Respondi-lhe com o cachimbo na mão, à mostra.
- Não, mô kota, é mesmo para apreciar. Para tocar e ensaiar a banga[6]. Tipo já o kota, aqui na foto do livro. Retorquiu o muzangala[7] fazendo alusão à foto estampada na capa do meu livro de estreia. Uma jovem que seguia no kandongueiro, com o livro à mão, tinha me reconhecido e puxou conversa de ocasião com "o escritor que contava ser mais velho do que realmente é".

- O moço escreve coisas que só se ouvem dos mais velhos. – Elogiou a Kalumba. [8]
- Obrigado, minha querida. Tenho vivências e sei viajar para um passado intangível para muitos jovens de hoje. - Respondi entre sorriso leve.
- O Senhor tem avôs ainda vivos ou ouve essas cenas de velhos conhecidos? - Insistiu Mona Linda de sua graça.
- Nada disso, minha jovem. Não conheci os meus avôs e nem tenho velhos por perto.
- E esse cachimbo? De quem foi que herdou?

A pergunta da jovem interessada em saber a vida do seu "escritor" despertou a curiosidade de mais pessoas que acharam estranha a presença duma pessoa que escreve livros num candongueiro.
- Mas os escritores não vivem bem? Ou é outra nganza[9] do kota? - Foi assim que Kaparakata se meteu na conversa que até aí lhe era alheia.
- O meu cachimbo, já velhinho, foi uma oferta do tio Gasolina, que baikou ainda jovem, quando lhe falei "tio, vou mbora ser escritor de kimbundu". É um adereço de banga nos meus dias de anos, ou quando nascem meus filhos biológicos ou literários. Também ajuda-me a descontrair e dá vazão à inspiração.

- E como é que o kota faz para ter ideias? - Intrometeu-se Kaparakata.
- Fico a cachimbar e ao mesmo tempo a matutar. Viajo num passado que não vivi e transito para o futuro que não sei se vai acontecer. O regresso ao presente é que dá nos livros e nas crónicas que escrevo quase todos os dias.

O puto[10] cobrador me meteu na conversa de saber se "ando a me janar[11] ou é só banga mesmo". Pediu-me para apreciar e na hora de descer nem só "se lembrei" mais do cachimbo. Ele também, no canto dele de kobele, xinini[12]. Tipo cachimbo é dele. Cabrão me funou[13] a pipa de caxexe[14].
Na semana dos quarenta kixibu[15], meti um grito na aldeia toda. Um “nanyi u ngi kwatekesa” nyi kabexi?! [16] Quem vir ou souber onde estão a espalhar, kaúla[17] só e depois me fala se é quanto é!

Contei-lhe a estória da gatunagem que Kapalakata me fez a olho aberto e com testemunhas e tudo.
Uns me disseram que gostaram. Meteram um like no anúncio, deixando-me confuso se era gosto pela larapiagem do Kapalakata ou se do “ajudem o pedinte” que fiz. Outros ainda elogiaram as palavras escritas como se fala/falava nos nossos musekes kalus[18].

Hóuve os que ficaram na defensiva, banzelando[19] o que fazer. Mas houve um mesmo que tomou o assunto a sério. Bateu-se no peito e disse-me:
- Olha, Soba Grande, vou tugar[20]. Quando voltar, vou pôr contentamento no teu coração e tua nganza vai continuar.

O homem usou palavras tugosas e não essas kimbundozas. Olhei-o nos olhos, se apertamos ainda num abraço de despedida e , quando chegou, me telefonou.
- Alô?!
- Sim, mô kamba tuga mwangolizado[21], tipo “Fernando D´Aqui” de Isabel Ferreira…
O mwadye[22] riu a babar-se todo e com katolotolo[23] na barriga de tanto rir.
- Olha, Sô tor, tenho o que muito precisavas. Parabéns pelo tetra vezes dez. Quando o teu colega, que viajou comigo, chegar aí já verás.
- Obrigado meu mwata[24] de verdade. Já imagino, mas quero mesmo botar neles meus olhos e mandar-te um abraço telefónico.

Nove e meia de quarta-feira, avião nem havia acabado de tirar as patas da pista, o homem, outro tuga a se mwangolizar, fez-se anunciar aos meus colegas de serviço.
- Bom dia senhoras e senhores. Posso confabular com o Dr. Nhanga?

Desconheço a resposta que lhe foi dada. Saí de imediato para que sentisse o calor da recepção. Deu-me um kandandu[25] e sacou da pasta diplomática uma caixa verde. Abri-a e vi, envernizado, um cachimbo inglês. Dei-lhe outro kandandu, antes mesmo de ligar ao autor material da proeza. Não querendo fazer-se de herói sem ter bazucado[26] pelo menos uma vez, o homem meteu a mão na algibeira e sacou outra caixinha forradinha com a cor da esperança.

- É também para ti. Já a tinha há muito tempo em casa, mas decidi junta-la à do Rosário e colorir a tua entrada para o clube dos enta.

Eram lapiseiras com meu nome gravado.

- Obrigado meu caro amigo engenheiro, etc. Me escaparam bwe[27] de palavras bajulosas. Mas eram de verdade. Verdade da alegria.

O meu cachimbo, que o meu finado tio Gasolina me deu, quando lhe falei "tio, vou mbora ser escritor de kimbundu", que me roubaram com ele no kandongueiro, já tem outro com GPS para localizar qualquer homólogo do Kapalakata, gatuno de matuji[28], wakambe ó sonhi nyi kilunji[29].


[1] Venda especulativa, aqui trata-se de transporte colectivo informal.
[2] Município da província angolana do Bié.
[3] Moças, jovens raparigas.
[4] Mais velho, pessoa respeitável.
[5] Muito bonito, calão de Luanda, séc. XXI.
[6] Estilo.
[7] Jovem.
[8] Jovem rapariga.
[9] Tique, estilo, moda.
[10] Miúdo.
[11] Lyambar, entorpecer.
[12] O cobrador não fez questão de…, acobardou-se.
[13] Roubou.
[14] De pianinho.
[15] Cacimbo, estação seca em Angola.
[16] Quem me ajuda com um cachimbo?!
[17] Compre.
[18] Subúrbios de Luanda.
[19] Pensando.
[20] Viajar para Portugal.
[21] Português com hábitos angolanos.
[22] Individuo.
[23] Doença que enfraquece o organismo.
[24] Senhor; notável; título da autoridade tradicional da Lunda.
[25] Abraço.
[26] Disparado uma bazuca.
[27] Muitas.
[28] Fezes; porcaria.
[29] Sem vergonha nem juízo.

quarta-feira, junho 04, 2014

O RODAPÉ DE MALAVOLONEKE E O BBA

Confesso. Não sou telespectador do BBA e não o assistirei tão cedo. Vou apenas lendo as críticas e adulações que se fazem ao programa e seus AUTORES/ACTORES através das redes sociais e hoje do Semanário Angolense, pág. 21, edição de 31 Maio/2014.
Discordei ontem (03.04.2014) com Celso Malavoloneke, num post no face book, sobre a "(im) pureza" da sua Católica. Cortês, CM não entrou em biffes comigo, o que encarei como acto de elevação.
 
Lido o seu rodapé no SA acima citado, e cujo raciocínio subscrevo, aliás, já emiti alguns palpites nessa direcção, reproduzo, nesta tribuna, algumas de suas passagens.
“…  A imagem que passa é que essa é a cultura  das elites de Angola e dos seus rebentos: Um imediatismo desolador, onde sexo se confunde com amor; o dinheiro com a felicidade e a ostentação com status…”
“… Como quereríamos ter conversas culturalmente elevadas se ao fim do ensino secundário os alunos não sabem ler nem escrever correctamente? Nem falar o Português que é suposto ser a língua veicular? Nem fazer, de cabeça, a conta: três e meio menos zero vírgula cinco? Como vê-los identificados com os valores da nossa cultura se, no próprio berço familiar foram educados pela TV e suas novelas?
“… E para finalizar, cada um dos concorrentes – que nunca sequer ouviu falar de coisas como: ética, fair play, moral ou – para sermos mais terra-a-terra – vergonha, sabe que os que vão ter a pachorra de os votar são da mesma igualha. Querem ver bundas ao léu (mal) vestidas com fios dentais. Querem conversas que sancionem os próprios desvios comportamentais que querem a todo o custo, por via do dito concurso, promover a norma social. E fazem-lhes a vontade…”
“… O primeiro desafio… assenta na qualidade da Educação que deve ser rapidamente aumentada. Neste capítulo, a dita reforma educativa, onde a monodocência impera, deve ser imediatamente anulada…”.
 
CONCLUO: Há que resgatar valores. Há que revitalizar o ensino de qualidade. Já que os nossos filhos passam mais tempo a ver TV do que à conversa com os progenitores, há que promover programas televisivos que reforcem o conhecimento sobre a nossa identidade e a ciência universal. Esses sim. Programas em que impere o “tuxi a ta-la-la” e outras poucas vergonhices, só mesmo para os que nos querem impor uma Angola que nunca foi nossa. Vou engoli-los enquanto estiver vivo. Mas para suas orgias não contem comigo. Não existo!

domingo, junho 01, 2014

IMPORTÂNCIA DO FEEDBACK NA COMUNICAÇÃO VERBAL

Mais do que um mecanismo que permite confirmar a fiabilidade do canal pelo qual trafega a informação entre o destinador e destinatário, o feedback é troca bi-direccional que elimina distorções ou falhas na comunicacão verbal. Quando essa é realizada de forma oral, o feedback permite assegurar que não houve ruído e que a reacção do destinatário será conforme expectado pelo emissor.
 
A repetição da mensagem pelo receptor ou o resumo da mesma é uma garantia de que houve eficiência na comunicação.
 
O que você faz quando recebe uma mensagem por e-mail, por carta, sms (short message servisse) ou comentário no facebook? 
Quem lhe manda uma mensagem, independentemente do canal e do código, praticou um acto comunicacional. Partilhou ideias, sentimentos ou estado de alma. Ao remeter a mensagem, está também testando o canal. Precisa de ter certeza de que o canal funciona, a mensagem chegou ou destinatário e foi ou não percebida. A percepção é aferida pela qualidade da reacção do recepor. Se esta for a esperada é porque não houve ruído.
 
Como é que o emissor terá essa percepção caso não receba feedback?

 1- Recebeu telefonema e não pôde tender no momento? Dê retorno tão logo seja possível.
2- Recebeu e-mail? Tenha ou não percebido, dê feedback para que se confirme a recepção e percepção da mensagem  ou se melhore a comunicação.
3- Faça o mesmo em relação ao facebook e outros canais ou meios de comunicação verbais (oral e ou escrita), reagindo em função da recepção e da descodificação que fizer da mensagem.
4- Responda sempre com mensagens verbais ou acções esperadas. Dê feedback a cada mensagem que receba, ignorando, como é obvio, o spam viral.
5- Saiba que a comunicação oral (por voz) é mais quente e afectiva do que a escrita, embora a segunda seja mais segura em termos de conservação da mensagem, sobretudo em caso de repasse.
 
 

sábado, maio 31, 2014

ACONTECEU HÁ 23 ANOS: ACORDO DE BICESSE ESQUECIDO(?)

- Já foi uma marco incontornável da nossa história político-militar, durante anos, até que se rubricaram os acordos de Lusaka, 20 de Novembro de 1994, e depois o Protocolo do Luena (Luanda 04.04.2002), adenda ao de Lusaka, que permitiu a paz que hoje vivemos em Angola. 
Aconteceu há 23 anos. No dia 31 de Maio de 1991 o Governo angolano, liderado pelo MPLA e seu Presidente José Eduardo dos Santos e a UNITA assinou, liderada pelo seu então líder Jonas Malheiro Savimbi, assinaram o Acordo de Bicesse, em Portugal (ler mais em: http://rubelluspetrinus.com.sapo.pt/bicesse.htm ).
Depois de Bicesse veio a "mini-paz" que permitiu um retorno tímido aos campos, desminar e reparar o que era possível (pontes e algumas estradas para permitir a famigerada "livre" circulação de pessoas e bens), realizar as primeiras eleições em Setembro de 1992, mesmo sob suspeições e ameaças. Mas a guerra voltou depois das eleições, cujo resultado foi rejeitado pelo maior partido da oposição, submetendo os campos, as vilas e as cidades inteiras de Angola a um clima de medo e terror, imposto pela máquina militar da UNITA que não se tinha desarmado conforme preceituado no acordo de Bicesse.
Seguiram-se entendimentos diplomáticos em Abidjan, Namibe e Lusaka onde Venâncio de Moura (à data Ministro das Relações Exteriores de Angola) e Eugénio Manuvakola (Secretário-Geral do partido do Galo Negro) tiveram de apertar as mãos, a 15 de Novembro, porque, "na hora H", Jonas Savimbi o líder guerrilheiro decidiu em não comparecer para eventualmente não se comprometer com um acordo de paz que não lhe interessava, contando que ocupava, à data, cerca de 2/3 do território nacional (Angola tem de extensão 1246700km2).
Com base no "Protocolo de Lusaka" (ler mais em: http://www.embaixadadeangola.org/acordos.htm), mediado pelo maliano Maitre Alioune Blondin Beye, o governo do MPLA criou o GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional), outro vocábulo muito falado e que se foi gastando aos poucos. Hoje já ninguém "Gurna" e os mais novos quase desconhecem esse acrónimo.
"Gurnou-se" até 2008, altura das segundas eleições em Angola, com todos os partidos que tinham representação parlamentar a fazerem-se presentes no Governo sob direcção do MPLA.
Os acordos de Lusaka, 2004, escritos as lápis, rapidamente passaram ao esquecimento, gritando mais alta a voz dos morteiros. Cidade e campos sofreram as maiores agruras e maiores privações. A rebelião chegou às portas de Luanda estação de energia eléctrica, em Viana, foi danificada pela rebelião que atacou a capital do Bengo, a escassos 60 km de Luanda. Reportei para a Comercial a chegada de deslocados de Caxito a Cacuaco.
O Acordo de Bicesse, o primeiro passo para a paz real que já se vive há 12 anos em Angola, foram rubricados há 23 anos.
Estará hoje a media angolana a recordar este importante marco da pacificação do país?

terça-feira, maio 27, 2014

COMPATIBILIZANDO O DESEJO E A POSSIBILIDADE

Há pessoas que passam a vida a reclamar do patronato por não os incumbir tarefas que gostariam de realizar. Gente que sempre pensou em se formar numa determinada área cientifica e acabou tendo uma oportunidade de formação inversa, ou que tendo se  formado na área que sempre desejou, trabalha, entretanto, num domínio que não é o da sua formação. 

O ideal seria formar-se no que sempre desejou e trabalhar naquilo em que se formou. Porém, quando tal não acontece, o que fazer? Andar lamentando todo o sempre?

- O caminho será gostar daquilo que faz (está fazendo).
Se libertar a sua mente e aplicar-se, com amor ao seu ofício, dar-se-á conta que também tem vocação e competência para tal tarefa. 
O que nos faz mal "não é o excesso de trabalho nem a realização de trabalho que menos gostamos. É a carga negativa que acumulamos dentro de nós oferecendo resistência a trabalhos para os quais nossas mentes não estavam preparados".
Na ausência de fazer o que gosta, crie o gosto pelo que faz e verá que, não tarda, a felicidade estará do seu lado.
 
Sou exemplo disso. Quis formar-me em geologia e minas. A oportunidade de formação que me surgiu foi em jornalismo. Apaixonei-me pela profissão e a assumi como se fosse a dos meus sonhos de garoto. Depois de várias experiências em rádio e imprensa, trabalho hoje em assessoria de comunicação numa mina, em condições emocionais melhores do que as dum geólogo (a meus olhos).


 Se ainda não está feliz com o que faz, devido ao desfasamento entre a sua formação e a oportunidade de emprego que teve, pense nisso e pare de reclamar pelos cantos.
Aprenda a gostar daquilo que faz.

domingo, maio 25, 2014

BIÉ RECEBE "RELÓGIO DO VELHO TRINTA"


Meus caros leitores,
Anuncio-vos, em primeira mão, que em Agosto, se Deus permitir, estarei no Kuito, capital do Bié, a proceder a apresentação de mais um rebento literário, "O relógio do Velho Trinta", um romance que começa no Libolo e termina em Luanda.
Trata-se de uma incursão pela guerra, paz, artes e adaptações nas cidades e na vida sociopolítica dos angolanos que saíram de zonas rurais, foram à tropa e, findo o serviço militar, tiveram de se readaptar à vida urbana e civil, exercitando a política activa ou outros negócios.
Sei que os meus leitores vão gostar, pois escrevi o livro não só para cumprir com a função lúdica, mas também para ser tido como base para a compreensão histórica e social dos povos do Libolo, em particular, e do país em geral.
E confesso-vos mais: esse é o primeiro resumo que faço do livro, pois não tem sido minha praia analisar criticamente o que escrevo.
Aguardo, desta vez, não só pelos elogios, mas também pelas críticas.
 

terça-feira, maio 20, 2014

A LEI ESTÁ AÍ!

Sou o membro 179 do Sindicato da classe profissional em que militei activamente durante dez anos, depois de formação média profissional e universitária. Estou hoje emprestado a uma “sub-classe”, a dos assessores de comunicação institucional, que não sei se, de facto e de jure, possui um órgão representativo junto dos patrões. É, portanto, com os jornalistas que como e bebo. É das preocupações deles que partilho o mel e fel. É no sindicato deles (repito, embora esteja “emprestado” a outros afazeres) que me revejo.
Pelo barulho (ruído) que me chega pelas frestas, fico com a impressão de que haverá um novo trungunguismo lá pelas bandas da Biker, entre o patrão e a entidade que representa os Jornalistas Angolanos.
Curtas linhas, lidas nas entrelinhas, deram-me a entender que os novos “patrões” do Jornal a “Verdade” terão insinuado que a já decana “ou terá desaprendido a fazer jornalismo ou se terá (sistematicamente?) furtado a cumprir com as obrigações contratuais”…
Para isso, a Lei está aí. Dispensam-se os editoriais escritos de forma subjectiva e com interpretações polissémicas para fazê-la cumprir.
Desaprendeu? - Reensine-se (se é que há alguém com competência para ensinar)!
Incumpriu? - Puna-se à luz da lei, salvaguardando os direitos dos líderes sindicais também constantes da Lei Geral do Trabalho e Lei Sindical .
Normalmente, são os cavalheiros, que levam e ou defendem as damas. Eu não sou “cavalheiro” nessas andanças. Os mais fortes defendem os mais fracos ou  os injustiçados. Eu não sou forte nem no jornalismo nem no sindicalismo. Os ricos defendem (deviam defender) os pobres. Os justos, os injustiçados. Os poderosos os fracos, os desprotegidos, etc. Não estou na classe dos que têm vantagens objectivas para defender  a Secretária do SJA. Lamento. Não posso. Não tenho como. Posso apenas é debitar ideias. Essas são minhas e nelas crerá quem quiser. Apenas isso, e sem procurar outros sururus
Tudo o que tenho estado a ler, ainda desde o tempo da RPA, em que os nossos inimigos eram os próprios irmãos fugidos para as matas ou para a antiga metrópole, leva-me a concluir que o dinheiro é capaz de mudar a mentalidade, a ideologia e até os princípios para quem nunca os teve de forma sólida. Só isso pode justificar que pessoas que, não só cuspiram mas que chegaram mesmo a defecar no prato que se chama Angola e seu regime pró-comunista, se venham hoje apregoar como os grandes zeladores do templo angolano e tudo o que nele há nele de valor financeiro.
Aliás, rezam as ciências políticas que “há interesses permanentes e nunca amigos ou inimigos permanentes”. O interesse desses que vindos de fora ou regressados depois de nos terem amaldiçoado ao lado de seus avôs, querendo agora colocar-nos uns contra os outros, é e sempre foi a cor do dinheiro.
 

quinta-feira, maio 15, 2014

O CACIMBO HOJE E ONTEM

 
Oficialmente, faz-se hoje (15 de Maio)a transição da estação chuvosa e quente para a estação fria e seca, também conhecida em Angola pela designação de Cacimbo. Angola só tem duas estações.

No meu tempo de kandengue, no cacimbo as pessoas aproveitavam fazer a agricultura de regadio, junto aos ribeiros ou aproveitar a humidade dos vales e fazer as chamadas hortas. Havia milho fresco, couves e repolho, tomate, cebola, feijão, etc. Também durante o cacimbo, aconteciam as férias escolares, pois os nove meses do ano lectivo começavam em Setembro. Os "mancebos" eram circuncidados no tempo de cacimbo para se tornarem homens reconhecidos perante a sociedade. Ser circuncidado eram um estatuto... As caçadas também aconteciam no cacimbo e até a pesca com cestos ou substâncias entorpecentes nos pequenos cursos e depósitos de água.

Hoje, o que me alegra, quando o cacimbo chega, é apenas a ausência de chuva e das "lagoas" em Luanda. A vida dos adultos e das crianças continua na mesma rotina. A água nas rodovias é substituída pela poeira. O paludismo, abundante no tempo chuvoso, é substituído pelo katolotolo, essa terrível doença que grassa por Luanda, cujo tratamento, ao que se diz, ainda passa pelo tradicional alho e petróleo.

Lembro-me também, com alguma saudade, dos "mapas" que o cacimbo deixava em nossa pele. Com o frio, a pele ficava ressequida, sem lustro, e qualquer contacto mais apertado deixava um sinal, um risco, devido ao cieiro. E chamávamos a isso de mapas. E a luta pela manta (cobertor). O puxa-puxa entre  manos ou manas de mesma família que dormitavam, habitualmente, no mesmo quarto?! Era uma gritaria no período mais apertado do frio, entre a 02h00 às 05h00.

Nas férias do cacimbo, os alunos mais crescidinhos participavam "das campanhas do povo" apanhando o café, ananases, ou de outra índole. Havia também visitas a fabricas e outras unidades de produção. Eram as chamadas "actividades produtivas em tempo de férias". Outros faziam-se à estrada, nos machimbombos da Viriatos, EVA, ETP ou ETIM, até Luanda e/ou outras urbes para se actualizarem em termos de moda e outros conhecimentos. Nas cidades frequentavam cinemas e praias e levavam novidades àqueles que tinham ficado ou que tinham passado as chamadas férias grandes noutras localidades.
Mais um detalhe: terminado o cacimbo, muitas manas e tias apresentavam-se grávidas. Obra do cacimbo. O frio faz procurar e juntar-se mais tempo ao (à) companheiro(a). Calculo que isso continue imutável, apesar de se poder inventar, nos tempos que correm, pequenos cacimbos em nossos quartos com  a instalação de aparelhos de ar condicionado.

O que me contarão os meus netos sobre o cacimbo?
Eventualmente nada!

quarta-feira, maio 14, 2014

O PLANETA FUTEBOL

 
O corporativismo foi uma das características do “Estado Novo” português que dominou Angola até à Revolução dos Cravos (Abril 1974).

 As associações culturais (embora censuradas), os clubismos e quejandos sobrepunham-se à actividade partidária, sendo a forma idealizada ara que os cidadãos participassem da vida política e social. O Desporto, e sobretudo as equipas de futebol, passaram a ser os principais “partidos políticos”. Não na acepção de que estivessem organizados e vocacionados para ascender ao poder e “organizar e gerir a sociedade”. Era a eles que recaia toda a atenção e todas as discussões. Não fazer parte de um clube de futebol era estar fora de moda, um acto anti-social.

Mesmo sem o desenvolvimento e a universalização dos media que assistimos no séc. XXI, cada um tinha o seu club. Os do Benfica, os do Sporting os do FC Porto, os do Boavista, os do etc. Clubes que tinham e têm sucursais nas colónias e até nas aldeias coloniais.
Se no sec. XX, sobretudo antes da revolução mediática, o apego dos angolanos era para os clubes metropolitanos (de Portugal), hoje o mundo é uma ladeia e as escolhas vão para além da proximidade linguística, ideológica ou cultural. Os angolanos são adeptos de todas, quase todas, equipas sonantes do mundo.
O Futebol tornou-se um “planeta” e cada equipa uma “nação”. Assim, temos a “nação SL Benfica” que joga hoje a final da Liga Europa, diante do Sevilha de Espanha. Todos os seus "cidadãos", d oceano Pacífico ao Índico e do Atlântico ao Ártico estão de olhos no Benfica ou no Sevilha.
Que vença a melhor “nação”. A melhor equipa de futebol!

terça-feira, maio 06, 2014

O PUDOR E A NUDEZ DOS NOSSOS TEMPOS

CONSTATAÇÃO

Nos meus tempos de kandenge, via as manas todas, que eram as moças do momento, a se preocuparem em cobrir os seios. Já nem falo de outras partes íntimas que eram tidas e mantidas como "sagradas". Não é que elas não fizessem uso "daquilo" em momentos apropriados, mas sabiam fazê-lo com discrição e manter sigilo.
 
A sociedade, com os seus mores, estava atenta a censurar o que a moral pública reprovava. Cada desvio à norma comummente aceite tinha um nome. E ninguém ou quase poucos se atreviam a "violar" a fronteira do aceitável. Para todas as situações, havia os zeladores da moral e dos bons costumes.
O que vejo hoje é uma regressão (?), embora uns atestem que "é isso a evolução". Noto que a preocupação da maioria das jovens, e até mesmo de algumas "titias e avós", reside mais em destapar as partes íntimas do que cobri-las. Repare nos detalhes (como se pintam, como andam) e nos decotes...
Repare na forma animalesca como algumas mulheres de hoje (copiando o já milenar animal sexual, o homem) se entregam perdidamente ao "dizimo"...
 
Isso assim é bom?
Haja, pelo menos, mais discrição, já que o "dízimo" é natural ao ser humano (homem ou mulher)!

quinta-feira, maio 01, 2014

O CLIENTE TEM ALGUMA PRIORIDADE?

Endomarketing, categoria do markettng direccionado ao trabalhador, visando a sua formação, aperfeiçoamento e motivação para que preste serviço de qualidade, é ainda matéria desconhecida por inúmeras organizações prestadoras de serviços e fornecedoras de produtos. Entre essas, estão inclusas algumas clínicas médicas, onde a falta de informação assertiva ao utente e a arrogância dos funcionários, que se julgam prestadores de favores em vez de prestadores de serviços e ou fornecedores de produtos (pré ou pós-pagos), ainda imperam.
 
Desloquei-me a uma clínica, das poucas que em Março 2014 realizou exames de TAC, em Luanda [1] Não deixo de registar a arrogância e petulância das "facturadoras" do seu CDI que "pisoteiam", de forma arrogante, os que para lá se dirigem em busca de informações detalhadas sobre os males que os apoquentam.
Há não mais de dois anos, a mesma foi referenciada na media por alegadamente alguns dos seus funcionários se terem negado a prestar serviço médico emergencial a um ferido num sinistro rodoviário.
Como se não bastasse a falta de aprumo no contacto verbal com os utentes, a desatenção dos funcionários é tanta que na sala de espera do CDI nem o televisor funciona, aumentando a fadiga por parte de quem espera, provocando a exacerbação dos discursos, o subir das vozes agastadas e o sentimento de desprezo da instituição àqueles que não só buscam saúde mas, acima de tudo, levam dinheiro com que patrão e empregados buscam felicidade.
Uma simulação com os próprios funcionários da clínica, colocando-os nas vestes de pacientes ou pelo menos alguns entre os que acorrem àquele centro de "referencia", destaparia as fraquezas do pessoal de atendimento e ajudaria a administração a encontrar os melhores caminhos, pois"é no atendimento que reside grande parte da satisfação do cliente".
E, como nem todos são espinhos, vénia seja feita a uma médica (cujo nome não enxerguei) que me indicou o caminho para encontrar o CDI.
 Faço uma omissão voluntária do nome da Clínica que se situa a sul da cidade de Luanda, por gratidão ao facto de me ter prestado serviço voluntário e de qualidade, em 2005, depois de um acidente que sofri. É, porém importante que a gestão saiba do que lá dentro se passa.
 




[1] Faço uma omissão voluntária do nome da Clínica, que se situa a sul da cidade de Luanda, por gratidão ao facto de me ter patrocinado serviço voluntário e de qualidade, em 2005, depois de um acidente que sofri. É, porém importante que a gestão saiba do que lá dentro se passa.

segunda-feira, abril 28, 2014

A CONSTANTE SANGRIA E A NECESSIDADE DE MANTER A "CONFIANÇA"

Desde 1996 que oiço a Eclesia com atençao e ouvidos críticos. Fazia-no inicialmente (mais) empurrado pela necessidade de acompanhar a concorrência, enquanto militei na LAC.  Fi-lo mais tarde para escrever as minhas reflexões sobre "Formação on job e mobilidade nas FM's de Luanda", um dos temas do meu relatório de licenciatura em Comunicação Social. Faço-o hoje movido pela sede do contraditório e pelo vício da rádio que habita em mim.

O meu espanto, nesses últimos dias, foi o de ouvir a "concorrência pública" a disparar nas manhãs de informação com as melhores vozes do momento, conferindo maior dinamismo e atractividade ao espaço radiofónico matinal, ao passo que na "Rádio de Confiança" eram jovens voluntariosos mas aparentemente principiantes quem "lutavam" contra o microfone.
A minha impaciência e o sangue radiofónico que me corre nas veias levaram-me a "piscar" ao amigo padre/director Kandanje. Debalde!
- O que se está a passar?
 
Sei que apesar das constantes sangrias de quadros, ainda restam alguns homens e mulheres de Rádio que tratam o microfone e a busca de informações "por tu". Onde estarão guardados?
Sinto (pode ser que esteja errado) que a balança da audiência, sobretudo às manhãs, pesa a desfavor da “Rádio de Confiança”.
Compreendo o fardo que rádios como a Eclésia terão de carregar por mais tempo dada a grande mobilidade a mao-de-obra que “lhes é imposta” pelo mercado (formar sempre e perder os quadros para outras estações radiofónicas e televisivas). Mas é em crise que se evidenciam os génios operacionais e da administração.
 
Será boa aposta fazer manhãs com principiantes ou estes deviam ganhar rodagem em programas de entretenimento e busca de noticias, puxando para a peleja da audiência matinal os kotas que ainda há?
É apenas o olhar de quem sempre buscou informação plural com recurso à "De Confiança".
 

terça-feira, abril 22, 2014

AS DOMÉSTICAS DELA E A IMPORTANCIA DA BUROCRACIA WEBERIANA

Ponto prévio: assunto de empregadas domésticas sempre deixei com a dona de casa, sendo a ela que recorro para reclamar sobre serviços e produtos prestados de forma deficiente.

Todas as formações, por mais incipientes que sejam, têm sempre algo de novo. A frequência de um MBA e Mestrado em Administração de Empresas com foco nas pessoas tem me levado a ter a administração da casa como meu laboratório de reflexão e ensaio.
Noto, agora mais atento aos modelos de administração moderna, que volta e meia a minha Senhora está a reclamar das empregadas que tornaram  a errar um procedimento já corrigido ou deixaram de fazer uma rotina já habitual, e lá aparece ela aos bilhetinhos às suas contratadas.
 
Tive de recitar para ela a teoria clássica de Taylor: "mulher+tarefa+máquina (equipamentos de trabalho)", a que se deve juntar uma gestora (no caso ela ou nomear uma de suas contratadas para coordenar a actividade, atendendo assim a teoria de H. Fayol) e organizar uma burocracia (regras e procedimentos claros para a execução das tarefas).
Sendo que as empregadas em nossa casa vão e vêm, escusar-se-á de passar bilhetinhos todos os dias ou ter de reexplicar tudo àquelas que venham a ser contratadas.
 
Para ensaiar a teoria de M. Weber, comecei por redigir uma burocracia: "Antes de ligar a electrobomba verifica se todas as torneiras estão fechadas". Até os filhos acataram.
 
Para dar sequência, vou anotando as rotinas e descrevendo os passos da sua execução. O próximo passo será pauta-las e instituir um "caderno de ocorrências" onde serão registadas todas as anomalias e recomendações entre a contratante e as contratadas.

Sendo o exercício da autoridade formal e o seu cumprimento permanente, uma das características da administração moderna, torna-se também necessária a gestão da pontualidade, a tipificação (em burocracia) dos deveres e direitos entre as partes, bem como as penalizações e compensações.
Basta um olhar atento para se chegar à conclusão de que a tomada de decisões sobre "Planear, Organizar, Executar e Controlar" começa em casa.


TEXTO PUBLICADO PELO JORNAL NOVA GAZETA EM 2018
 

segunda-feira, abril 14, 2014

ENCONTRO DE CAMARADAS


- Tenho a carcaça bem aparentada mas com muitas peças a reclamarem reparação ou substituição.

A derradeira pergunta do "kimbanda kya putu" havia sido profunda e levou-me a falar-lhe sobre as colisões e despistes do passado. Informei-lhe também sobre o dia-a-dia repartido entre o gabinete, o TBC (tira bumbum da cadeira ou trabalho de campo), a docência e as escrita. Uma única pergunta fez-me viajar ao longo de duas décadas, mais ou menos.

-Quantos anos tens, 38, certo?
- Não, Doutor. Na verdade, tenho 40 e abro sempre o jogo aos médicos para que não me ministrem fármacos para lactentes.
- Entendo. És da geração que se segue à minha. Tudo fazíamos para adiar, por um ou dois anos, a ida do filho a tropa.
A conversa começou assim, ate se "estender" para temas prolixos. Pena foi que o local não permitia mais troca de conhecimentos, mas deu para ambos concluirmos que vestimos as mesmas cores (três) e cantamos o mesmo hino.
Ao lado, não muito longe, no mesmo edifício, andar e corredor, está a sala 27. Não tem letreiro mas todos sabem qual é o seu numero. É a sala dos kotas. Senhores acima dos 40 anos, idade que me espera. Os kotas falam à vontade sobre temas k ate há pouco tempo eram abordados apenas no escuro do quarto, com a mulher desesperada pelo dizimo que não recebe por inoperância da bomba, ou em encontros restritos entre amigos de longa data.
- Epá! - Dizia um para o outro. - Tens de beber muita água. Quando sentires vontade de largar, bate a porta da Doutora.
E, não tardou para que ela, mulata, gostosa e simpática, aparecesse junto de seus pacientes para anunciar:
- Ola, melhor idade! Atrasei-me porque tive urgência na cirurgia, mas já cheguei e peço desculpas pela demora.
A presença dela induziu os kotas a um apelo já conhecido. Todos sacaram das garrafas e mandaram agua, tanta agua quanto puderam, goela adentro.
- Companheiros! Entre medicamentos intermináveis e uma cirurgia, preferi o bisturi. Eu mesmo pedi ao meu doutor. - Dizia um dos kotas. - Vim fazer o controlo, depois de 15 dias sobre a alta médica.
A conversa fluía. Contavam-se experiencia e conhecimentos sobre ervas e fármacos milagrosos, clínicas e farmácias recomendáveis, vantagens e desvantagens do remediar permanente ou recurso à cirurgia corretiva. Perante uma audiência discreta mas atenta, os kotas lembravam também a virilidade dos tempos áureos e a "dobra" de hoje. Conversa aberta de meter inveja, recordando tempos do cabelo ainda negro, apelando ao arrependimento de muitos homens que se haviam bandeado para o lado das tranças e das panelas.
- Era tempo do "kwata panina" mas havia uns embarrados que levavam no mutungu, sobretudo nas cadeias e nas frentes de combate. - Atirou descontraído outro idoso que se fazia movimentar por intermédio de uma cadeira de rodas.
- E tu, kandenge, também transitaste para o nosso clube?
- Não, meu pai, estou quase mas vim cuidar apenas do chassis. - Respondi-lhe irónico, buscando deles curtos, mas rasgados, sorrisos.
O ambiente era de descontração. O interesse comum pela busca da saúde que fraquejava e a condição de paciente gritavam mais altos.

- Olha, jovem, o carro, usado ou guardado, chega uma altura em que os componentes falham. Quando tive a tua idade, se tivesse as "folhas" que tenho hoje, teria feito "longo curso". - Desabafou outro sexagenário, perante a curiosidade duma senhora de idade, frequentadora daquele "kididi kya kudisanza" e, aparentemente, também conhecedora dos problemas com que os kotas "andam com eles".
Noutra porta, a enfermeira chamou: Mariano António!
Perante o silencio e a proximidade do meu nome e o anunciado aos ouvidos atentos da multidão, levantei-me para espreitar o papel. Era a minha vez de ir ao especialista em clínica geral.
Enquanto o homem fechava a ultima ficha para iniciar a minha, larguei um "bom dia doutor" que lhe terá soado muito bem.
- Bom dia, meu jovem. Qual é a sua profissão? - Perguntou o médico, cabelo branco no que resta da calva, procurando por uma empatia que viria a conseguir sem muito custo.
- Sou jornalista na prateleira, emprestado a outras coisas.
- Tem curso superior?
- Fiz Superior de Ciências de Educação, Superior de Comunicação e frequento um mestrado...
- Pufas! - Exclamou o entrevistador que se preparava para perguntas mais técnicas. - Então, meu Doutor, diga-me o que o traz ao hospital e qual é a sua rotina de vida?!
...

domingo, abril 06, 2014

OS LIVROS E A EXALTAÇÃO À PAZ EM SAURIMO

Saurimo, 04 de Abril de 2014. A Cidade está com um movimento desigual. Coros de igrejas (reconhecidas ou não pelo Ministério da Cultura) atravessam as ruas da cidade de canto a canto. Há chuva, mas ninguém arreda o pé. O destino é o Estádio das Mangueiras onde decorre o culto ecuménico em saudação e oração pelos 12 anos do calar das armas. Cândida Narciso, a governadora, e seu elenco, altas patentes militares e sua praça, comandante da polícia e representantes dos seus diversos ramos, jovens, crianças (que aproveitam o contacto com a relva sintética, enquanto o culto não começa), todos os angolanos residentes na Lunda Sul representados no culto multi-denominacional .
Cantaram os coros seleccionados. Chegou a chuva, mas de pouca dura. Os kimbanguistas decidem enfrentar os dois minutos de chuvisco e inundam o estádio com o som de suas cornetas. O ambiente se refaz. Na verdade, ninguém saiu do estádio. Foi apenas um recuo estratégico das bancadas para a parte coberta do campo de futebol. O culto retoma. Um pastor faz a pregação da "palavra" e o conteúdo é sobre "as vantagens de viver em paz". Faz-se a oração e o protocolo recolhe as ofertas. A governadora dirige-se ao altar e faz apelo à necessidade de se preservar a paz, duramente conseguida, com sangue e sacrifício…
- Olhemos à nossa volta e comparemos com o que éramos e tínhamos há doze anos, antes da paz. – Solicitou a governante.
Chegam os murmúrios voluntários, em jeito de resposta, cada um no seu lugar. A resposta era comum e evidente.
- Muita coisa mudou para melhor. Há muitos ganhos… Respondemos todos, sem coação.
- Então, temos de preservá-la. Temos de multiplicá-la. Temos de expandi-la. - Voltou a apelar Cândida Narciso.
No seu canto, atento, no verso do convite, o cronista apontava: - Mulheres e militares, os que mais sofreram na carne os efeitos da guerra, estão grandemente representados. Ainda bem que todos os angolanos percorrem o dicionário para apagar (para sempre) a palavra guerra que levou muitos de nós a "partir londango por causa do lukango” [1]. De Kabinda ao Kunene e do Lopito ao Lwaw, um só País em PAZ. “Tri-ti-ti” [2] nunca mais, e que a PAZ do Senhor esteja e permaneça connosco para todo o sempre!
Dissipadas as nuvens chuvosas, quando era já o sol quem governava sobre o azul celeste, terminou o culto e todos os caminhos iam desembocar ao Largo 1º de Maio, centro de Saurimo, onde uma equipa procedente de Luanda promovia o festival da PAZ.
Produção agro-pecuária, com produtos alimentares e animais; produção cultural com dança Cyanda,  música ao vivo e de discoteca, artesanato, escultura, e literatura; brinquedos vários para entreter os meninos que, por três dias, desfrutaram de um carrossel. Tudo isso movimentou o largo que se tornou pequeno durante três dias.
Paz com livros
 
Dias antes, a minha caixa de correio electrónico alertava: “Convite para exposição de livros na fera de paz em Saurimo. Estás pronto”? A minha resposta foi imediata.
Os 11 títulos “clássicos da Literatura angolana” (Espontaneidades da minha alma, de José da Silva Maia Ferreira;  Nga Mutúri, de Alfredo Troni;  Delírios, de Joaquim Dias Cordeiro da Mata; O segredo da morta, de António de Assis Júnior; Luuanda, de José Luandino Viera; Sagrada esperança, de Agostinho Neto; Mestre Tamoda e outros contos, de Uanhega Xitu; Mayombe, de Pepetela;  Quem me dera ser onda, de Manuel Rui; Sobreviver em Tarrafal de Santiago, de António Jacinto; Trajectória obliterada, de João Maiomona) reeditados pelo projecto Leia Angola, do Grecima, foram levados a Saurimo ao preço de kz. 500,00. Aos 11 clássicos juntaram outros ficcionistas, dentre eles eu, e lá fiquei autografando para mais de sessenta pessoas em apenas uma tarde.
- Agrada-me o crescimento do interesse dos saurimuenses pela literatura. Foi muito bom autografar 60 livros em uma tarde, numa cidade onde os hábitos de leitura começam a ser resgatados. - Expliquei, satisfeito, à reportagem da TPA.
Os leitores, muitos deles políticos, funcionários da administração do Estado e estudantes universitários, perguntaram também por dicionários e gramáticas, livros que nas aulas de Língua Portuguesa recomendo sempre para comprarem e ler. Infelizmente não havia, mas quem sabe pela próxima se contactem também editoras para se juntarem ao Projecto de Iniciativa Presidencial, o Leia Angola?!
 __________________

[1] Expressão em umbundo equivalente a: partir os maxilares por causa da mastigação de milho torrado. Um retrato dos tempos árduos da fome causada pela guerra (música de Capenda Salongue).
[2]Passagem da música de Viñi Viñi, finado músico do planalto central angolano. Tri-ti-ti, por onomatopeia, é o som das rajadas de balas. O mesmo que guerra!

terça-feira, abril 01, 2014

O SUOR DO ARTISTA E A REVOLUÇAO DO BETÃO

Em 2001, numa entrevista que fiz ao ja finado artista musical Teta Lando, nas obras do que viria a ser o seu empreendimento hoteleiro, junto a antiga rotunda da peixeira, à entrada do Hotel Marinha, dizia-me o artista que "estava a enterrar naquelas infra-estruturas os seus 50 anos de labor".
Há já 8 anos que não voltava a "Ilha" de Luanda e o meu espanto foi ter desencontrado o "cemitério" do suor de Teta. A pensão foi destruída como consequência da requalificação da área. Embora seja obvio que ele, Teta Lando,  ou os herdeiros tenham sido indemnizados, do ponto vista afectivo, uma casa feita tijolo a tijolo e com agregação comercial, não é a mesma coisa que a substituta. Na construção da pensão, Teta foi o dono e fiscal da obra.

Esse exercício é tão somente um olhar ao crescimento desmesurado do betão na península dos "an'azanga" onde, depois das cabanas dos pescadores terem cedido a construções de madeira e pequenas ou médias moradias em alvenaria, essas ultimas vão, de igual modo, cedendo espaço à construção cada vez mais vertical. Daí ser meu entendimento que não é demente quem diga, de boca cheia, que até meados do século, a "Ilha" será apenas prédios e avenidas nas duas margens. Tal é, inequivocamente, a tendência que vou vivenciando nos meus 30 anos de residente em Luanda.
Com a mesma velocidade, o betão vai crescendo na península do Musulu e demais orla marítima onde quilómetros de extensão se encontram demarcados e, nalguns casos, vedados com emergentes construções em aço e betão.
Fruto disso, as praias pública vão sendo empurradas para cada vez mais longe, constituindo-se em autênticas viagens o contacto e desfrute das águas quentes do Atlântico.
Se tudo é critica, nem toda é negativa. A vida é dinâmica e aquilo q desagrada à geração anterior e à minha pode orgulhar os homens do amanha que querem dar passos em direcção ao modernismo.
"Estagnar é morrer". A luta entre o paradigma dominante e emergente é uma questão dialéctica incontornável, com vitoria para o novo pensamento. Desde que a inovação seja sustentável e propicie melhores condições para os seres reinantes e vindouros, que venha!