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segunda-feira, abril 14, 2014

ENCONTRO DE CAMARADAS


- Tenho a carcaça bem aparentada mas com muitas peças a reclamarem reparação ou substituição.

A derradeira pergunta do "kimbanda kya putu" havia sido profunda e levou-me a falar-lhe sobre as colisões e despistes do passado. Informei-lhe também sobre o dia-a-dia repartido entre o gabinete, o TBC (tira bumbum da cadeira ou trabalho de campo), a docência e as escrita. Uma única pergunta fez-me viajar ao longo de duas décadas, mais ou menos.

-Quantos anos tens, 38, certo?
- Não, Doutor. Na verdade, tenho 40 e abro sempre o jogo aos médicos para que não me ministrem fármacos para lactentes.
- Entendo. És da geração que se segue à minha. Tudo fazíamos para adiar, por um ou dois anos, a ida do filho a tropa.
A conversa começou assim, ate se "estender" para temas prolixos. Pena foi que o local não permitia mais troca de conhecimentos, mas deu para ambos concluirmos que vestimos as mesmas cores (três) e cantamos o mesmo hino.
Ao lado, não muito longe, no mesmo edifício, andar e corredor, está a sala 27. Não tem letreiro mas todos sabem qual é o seu numero. É a sala dos kotas. Senhores acima dos 40 anos, idade que me espera. Os kotas falam à vontade sobre temas k ate há pouco tempo eram abordados apenas no escuro do quarto, com a mulher desesperada pelo dizimo que não recebe por inoperância da bomba, ou em encontros restritos entre amigos de longa data.
- Epá! - Dizia um para o outro. - Tens de beber muita água. Quando sentires vontade de largar, bate a porta da Doutora.
E, não tardou para que ela, mulata, gostosa e simpática, aparecesse junto de seus pacientes para anunciar:
- Ola, melhor idade! Atrasei-me porque tive urgência na cirurgia, mas já cheguei e peço desculpas pela demora.
A presença dela induziu os kotas a um apelo já conhecido. Todos sacaram das garrafas e mandaram agua, tanta agua quanto puderam, goela adentro.
- Companheiros! Entre medicamentos intermináveis e uma cirurgia, preferi o bisturi. Eu mesmo pedi ao meu doutor. - Dizia um dos kotas. - Vim fazer o controlo, depois de 15 dias sobre a alta médica.
A conversa fluía. Contavam-se experiencia e conhecimentos sobre ervas e fármacos milagrosos, clínicas e farmácias recomendáveis, vantagens e desvantagens do remediar permanente ou recurso à cirurgia corretiva. Perante uma audiência discreta mas atenta, os kotas lembravam também a virilidade dos tempos áureos e a "dobra" de hoje. Conversa aberta de meter inveja, recordando tempos do cabelo ainda negro, apelando ao arrependimento de muitos homens que se haviam bandeado para o lado das tranças e das panelas.
- Era tempo do "kwata panina" mas havia uns embarrados que levavam no mutungu, sobretudo nas cadeias e nas frentes de combate. - Atirou descontraído outro idoso que se fazia movimentar por intermédio de uma cadeira de rodas.
- E tu, kandenge, também transitaste para o nosso clube?
- Não, meu pai, estou quase mas vim cuidar apenas do chassis. - Respondi-lhe irónico, buscando deles curtos, mas rasgados, sorrisos.
O ambiente era de descontração. O interesse comum pela busca da saúde que fraquejava e a condição de paciente gritavam mais altos.

- Olha, jovem, o carro, usado ou guardado, chega uma altura em que os componentes falham. Quando tive a tua idade, se tivesse as "folhas" que tenho hoje, teria feito "longo curso". - Desabafou outro sexagenário, perante a curiosidade duma senhora de idade, frequentadora daquele "kididi kya kudisanza" e, aparentemente, também conhecedora dos problemas com que os kotas "andam com eles".
Noutra porta, a enfermeira chamou: Mariano António!
Perante o silencio e a proximidade do meu nome e o anunciado aos ouvidos atentos da multidão, levantei-me para espreitar o papel. Era a minha vez de ir ao especialista em clínica geral.
Enquanto o homem fechava a ultima ficha para iniciar a minha, larguei um "bom dia doutor" que lhe terá soado muito bem.
- Bom dia, meu jovem. Qual é a sua profissão? - Perguntou o médico, cabelo branco no que resta da calva, procurando por uma empatia que viria a conseguir sem muito custo.
- Sou jornalista na prateleira, emprestado a outras coisas.
- Tem curso superior?
- Fiz Superior de Ciências de Educação, Superior de Comunicação e frequento um mestrado...
- Pufas! - Exclamou o entrevistador que se preparava para perguntas mais técnicas. - Então, meu Doutor, diga-me o que o traz ao hospital e qual é a sua rotina de vida?!
...

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