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sexta-feira, maio 23, 2025

"ME TOCA SE ÉS PESSOA!"

Nos bairros periféricos de Luanda, habitados por gente com descendência rural, e nas comunidades do interland era comum e ainda pode ser que se oiça, em contendas ligeiras ou de forte agravo, a expressão "me bate se és homem completo".

Permita-me a confissão: aos 5 anos troquei os dentes. Dos dentes de leite passei à dentição definitiva e, de 18 passei a 32 dentes (quando me vieram os de ciso. Estava num processo de completamento. Assim, fui homem completo até aos 8 anos. Sim, até aos oito anos. 

Nisso de estar completo ou incompleto, não tenho contado o corte de unhas e cabelo, pois são permanentemente renováveis. Todavia, aquela cerimónia de integração social, chamada circuncisão, fez-me "homem incompleto", pois uma partícula do meu corpo foi removida. A isso se acresceu uma cirurgia ao baço, tendo sido removida parte do vital órgão, embora os médicos admitem a possibilidade de sua regeneração. Portanto, desde os meus oito anos que já não me encaixo na categoria de "homem completo".

Voltando à "vaca fria", não sendo "homem completo, desde cedo", de igual sorte desde muito cedo deixei de disputar completudes ou levantar a mão em querelas sobre quem mais grita ou quem tem a mão mais leve. Sempre que me foi endereçado o pedido "me bate se és homem completo", bati em retirada, preferindo ouvir impropérios como "boelo, fraco, incapaz" etc.

A expressão "me bate se és homem" é frequentemente usada em contextos de provocação ou desafio, geralmente em situações de conflito verbal. Ela carrega uma conotação de incitação à violência, desafiando a masculinidade ou coragem do interlocutor. Esse tipo de linguagem pode perpetuar estereótipos de gênero e incentivar comportamentos agressivos, o que é profundamente problemático.

É essencial repudiar o uso de expressões como essa, pois elas reforçam uma cultura de violência e desrespeito. Promover o diálogo respeitoso e a resolução pacífica de conflitos é fundamental para construir uma sociedade mais harmoniosa e igualitária. A violência, seja verbal ou física, nunca deve ser normalizada ou incentivada.

Por outro lado, "me bate se és homem" reflete e perpetua uma série de implicações sociais que são importantes assinalar e reflectir sobre:

A frase associa a força física à masculinidade, reforçando a ideia de que "ser homem" está atrelado à capacidade ou vontade de exercer violência. Isso não apenas distorce as expectativas em relação ao comportamento masculino, mas também contribui para a manutenção de papéis de gênero limitantes.

Ao desafiar outra pessoa à agressão, a expressão normaliza e banaliza os conflitos violentos, diminuindo a percepção das suas consequências. Essa atitude pode criar um ambiente em que a violência é vista como uma resposta aceitável ou até mesmo esperada.

O uso de expressões como essa desestimula o diálogo respeitoso e construtivo, promovendo confrontos ao invés de cooperação ou entendimento mútuo. Isso pode dificultar a criação de relações mais pacíficas e harmoniosas na sociedade.

Desafios dessa natureza podem pressionar indivíduos a agirem contra as suas crenças ou valores, apenas para se adequarem às expectativas sociais ou para evitar a percepção de fraqueza. Isso pode gerar stress emocional e até mesmo traumas, dependendo das circunstâncias.

A consciencialização sobre o impacto de expressões dessa natureza é essencial para combater a sua aceitação e incentivar práticas linguísticas mais saudáveis e respeitosas. Substituir provocações por diálogos empáticos ajuda a transformar o ambiente ao nosso redor.

É essencial repudiar o uso de expressões como "me bate se és pessoa", pois elas reforçam uma cultura de violência e desrespeito. Promover o diálogo respeitoso e a resolução pacífica de conflitos é fundamental para construir uma sociedade mais harmoniosa e igualitária. A violência, seja verbal ou física, nunca deve ser normalizada ou incentivada.

Já ouvi também homens: crianças, adolescentes, jovens e outros de barba rija e calvície denunciada a se dirigirem a mulheres com a expressão inversa, "me toca se és mulher completa!".

Já escrevi acima que não me considero e nem sou "homem completo". Para quê bater em uma mulher, mesmo que fosse homem completo?

Afinal, diz o ditado popular que "quem evita não é burro!"

Publicado pelo Jornal de Angola a 25.05.25

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