Cateculo: aldeia dos meus amigos
de adolescência, Avelino Toneco, Lito, João Paulo e outros nos tempos em que
vivi e estudei em Kalulu. A Cateculo íamos, aos fins de semana, eles buscar
mantimentos e eu acompanhando-os e aprendendo como escalar uma palmeira e
colher o vinho de palma fresquinho e docinho. E me diziam: bom maruvo não se
bebe no chão!
Cateculo é uma aldeia no meio da
floresta, rodeada por cafesais e palmeiras. Infelizmente, vi muitos campos que
continham cafeeiros cobertos de nada. Toda a vegetaçao foi cortada e queimada.
Talvez onde se colhia café, semente de pouco valor comercial nos dias que
correm, se pense semear milho ou plantar mandioqueira. A fome e o imediatismo
tb nos podem levar a isso.
Marginal do Dondo: aqui ainda se
come bom kakusu a mil angolares à beira do Kwanza que é o nome oficial da moeda
nacional. Pena é inexistirem wc's e os detritos das casas ribeirinhas serem
cegamente canalizados para o grande rio de Angola. Há que se tomar medidas pois
isso de os detritos humanos alimentarem peixes e os peixes alimentarem os
humanos pode resultar em "jihadi nyi malamba".
Pedra Escrita: aglomerado
populacional para aonde confluiram e confluem povos de várias aldeias da
regiao. Os Kuteka, os Kipela, os de Tumba Grande, os descendentes de ovimbundu
que trabalhavam nas antigas fazendas, os antigos "recuas" do Kisongu,
Longolo, etc. foram agregados à força pelo comandante Infeliz quando persistiam
em ficar nas lavras ou constituindo aldeolas familiares. A aldeia com mais de
quinhentas familias e umas quatro mil almas ja tem escola e água canalizada
(embora bruta). Falta alguém se lembrar de concluir o posto médico cuja
empreitada iniciada ha mais de cinco anos foi esquecida na décima fiada. É hoje
refugio de cabras e lagartos...
Ruinas da Fortaleza de Kalulu:
fiquei triste ao ver a nossa fortaleza no estado que a foto mostra...
Construída
sobre o Monte Lukulu, que estará na origem da designação da vila de Kalulu,
vila sede do Libolo, no Kwanza-Sul, a Fortaleza de Kalulu (ou Calulo nome
oficializado nos registos topográficos) foi um dos maiores bastiões da
resistência nativa à fixação dos europeus nas terras de Ngola até ao século XX.
Nos
tempos da minha infância e adolescência, na década de noventa do século XX, ela
cumpria ainda o seu papel militar, sendo o local onde se concentravam as melhores
peças de artilharia do exército governamental que fazia face a uma rebelião
armada e, por isso, seu último reduto. O entrar e sair de militares era sempre
tido como sinal de algum alerta de que o cheio a pólvora podia estar próximo ou
sinónimo de novas aquisições em termos de tecnologia militar. Basta ver que o Palácio
do Administrador está erquido à entrada do forte.
No
tempo da guerra civis entre angolanos a Fortaleza de Kalulu era um local
inacessivel a civis comuns, sendo quase místico para a miudagem do meu tempo o que
havia e ou acontecia no seu interior, para além das "armas pesadas" e
dos "tropas mais cacimbados" que entravam e saíam. Das raras vezes
que vi o seu controlo a mudar de mãos, mesmo que fosse por curtos minutos,
senti parte da derrota, assim como sentia dor ao ver pedaços de pedra a ela
arrancados à força de canhões e morteiros. Mas, dia depois, retornados duma
fuga forçada, lá estávamos de novo, a curar as feridas, apagar as cinzas e a
contemplar a dureza da nossa Fortaleza contra a qual, infelizmente, a acção
voraz do tempo tem sido implacável.
A
abertura da Fortaleza de Kalulu ao público aconteceu nos anos de paz efectiva, isto
é, depois de 2002. Com a desmilitarização da vila de Kalulu a fortaleza passou a
acolher as antenas reprodutoras dos sinais da Televisão Pública de Angola e da
Rádio Nacional de Angola.
Embora
seja considerada pelos nativos do Kwanza-Sul e por muitos historiadores, que
leram sobre ela ou a visitaram, como um "local
de memória colectiva", desconheço a existência de um diploma legal que
a eleva a património Histórico Nacional, como acontece com outros edifícios
classificados, pois não vi nenhuma placa com tal indicação, nem à entrada nem
no seu interior.
De
uma coisa, porém, tenho plena certeza: a
Fortaleza de Kalulu é memória colectiva dos angolanos sobre a resistência
oferecida pelos nativos à presença europeia, levando os invasores portugueses a
erguer na elevação que se acha no interior da vila um forte em pedra bruta para
melhor se defenderem e desferir fogo de artilharia contra os nativos que se revoltavam
de tempo em tempo. No seu silêncio, ela conta também o estoicismo dos povos
do Lubolu e arredores contra a usurpação de suas terras, subalternização da sua
cultura e mutilação de seus usos e costumes. Um povo fraco e submisso que
tivesse renunciado a sua organização política, social e cultural não teria merecido
tamanha honra dos conterrâneos de Paulo de Navais.
Sobre
os anos das refregas entre movimentos desavindos ao sair de Alvor e, depois,
entre o Governo instituído no país e a rebelião armada, a Fortaleza de Kalulu
guarda outra História e estórias. Vai daí também a necessidade de se redigir
tudo quanto ela registou, formar-se jovens guias que recontem estes episódios
aos visitantes da sede administrativa do Libolu que vai conhecendo um
crescimento do número de visitantes, sobretudo nos dias de Futebol que é
animado em semanas intercaladas pela equipa do Clube Recreativo do Libolo que está na 1ª divisão, ostentando já
quatro títulos de campeão nacional.
Depois
de ter sido reduzida a depositária das antenas que reproduzem os sinas da Rádio
e Televisão Públicas, que caso fossem colocados na elevação maior, Kaliematuji,
até dariam maior serventia em termos de alcance dos referidos sinais, a Fortaleza
de Kalulu cai aos bocados, como facilmente observará quem para lá se desloca, não
se observando movimentação no sentido do seu restauro e ou uma mera reposição
dos blocos que se desprenderam do muro, fruto de continuada acção humana ao
tempo das refregas e da acção do tempo.
Sabendo
que o Palácio do Administrador municipal, que fica à sombra da escadaria da
centenária fortaleza, beneficia de restauro, aproveito lançar um SNF (Salvem a
Nossa Fortaleza) , procurando que seja lido e alguma alma com poder e apego à
memória colectiva se lembre de exercitar a magistratura de influência
positiva junto dos poderes político e económico ou mesmo leve mão ao bolso para
que se preserve a Fortaleza de Kalulu.
Já
perdemos, com esse andar despreocupado, o Fortim da Kibala cujas pedras foram
emprestar força aos alicerces das casas de adobe, não faltando muito para que o
mesmo destino seja dado aos blocos que compões a Fortaleza de Kalulu.
Segundo
o investigador Carlos Figueiredo, também ele um libolense a prestar docência em
Universidades de Macau e Brasil, que se juntou a esse apelo, "...com a perda do Fortim da Kibala,
infelizmente, apagou-se também uma página importante da História do Libolo. Na
altura em que o fortim foi construído, a Kibala era parte integrante do
Município do Libolo. No final do séc. XIX e princípio do séc. XX, a localização
estratégica de Calulo foi importantíssima. Na Fortaleza de Calulo estava
instalado o Posto Militar que funcionava como centro de todas as operações
expedicionárias tanto na área do Libolo como nas circunscrições vizinhas da
Kissama, do Seles e do Bailundo. O fortim da Kibala foi construído para dar
apoio a essas expedições e servir como testa de ferro aos ataques dos nativos
da região do Seles e do vale do Longa. O Município da Kibala só foi desanexado
do Libolo em 1921, depois de concluída a pacificação da região".
Tornam-se,
por isso, imperiosos a responsabilidade moral e o dever histórico-patriótico de
todas as mulheres e homens conscientes de toda Angolas que devem unir esforços
para a preservação do nosso passado comum, em Kalulu e em outros cantos do
nosso país.
Nota: Parte do texto publicado na edição de 15 Jan 2016 do Semanário Angolense.
Nota: Parte do texto publicado na edição de 15 Jan 2016 do Semanário Angolense.
Sem comentários:
Enviar um comentário