Dizem que se
pesca na lagoa pluvial que fica em Viana, entre a Avenida Deolinda Rodrigues e
as traseiras da Comarca.
Contam-se
estórias sobre "abundantes fainas" diurnas e nocturnas e capturas de jingwingi de quilos abastados.
Eu, o
narrador, embora viva ao pé da lagoa, não vi ainda, não. É só mesmo conversa de
ouvir dizer e ver os anandenge a
andar de cima para baixo, ora com canas de pesca e minhoca, ora ximbikando, ora com as redes de apanhar
peixinhos que vêm cá acima apanhar água com um pouco ainda de oxigênio, por
causa do lixo e podridão que as vizinhas cavalonas põem, dias sem fim, no lago
que lhes cerca as mabata.
Verdade
verdadeira, peixe grande não vi ainda, não senhor. Mas peixe pequeno, piquinino, de pôr no aquário, que os
brancos e os sô doutore "lhe
chamam cuele" alevinos, esse, pessoa não precisa ter olho de águia. Vê sem
precisar de mawanas.
Até mesmo a
vizinha Rosa, uma cavelhota já de
bengala, faz muitos anos e que diz não vê mais nem vulto, certo dia se abeirou
da lagoa na companhia de um mona lá
do quintal de Sá Josefa, sua filha do meio, e gritou:
- Buereré de
"scapexinho ansim"?!
As filhas,
amigas das filhas, as comadres do bairro, as vizinhas e tudo na estupefação.
- Ená! Cega
de muito tempo já viu peixinho? Deve ser madiwanu!
- Madiwanu
de quê, "vucês" num sabem que quando pessoa num vê o que sai nos olhos se
acrescenta "nosovidos"? Stou ouvir bué de filho de peixe andar por cima da água,
no meio das folhas daquela árvore de "tambarino" que vizinho Lúcio
trouxe da Luanda.
As filhas,
noras e tudo de novo bwamadas.
- Como é que
mamã vê a árvore e as folhas na água se nem vizinho Lúcio a mamã conhece? -
Perguntaram de novo, tipo já é coro na igreja metodista.
- "Intão"
pessoa cega já não tem boca? Não tem ouvidos? Não tem contadores? -
defendeu-se. Tenho môs netos "qui minformam" tudo que se passa no bairro. Abrem
só rádio se todas as makas de Luanda eu não sei. Esses ouvidos é tipo gravador
do tempo colonial. O que entra já não sai. Até as cor, os cheiros, tudo eu
grava aqui na cabeça. Certos mizangala, aqueles que andam fumar kangonya ali na
esquina do Dialó não assaram bagre grande que apanharam mesmo aqui na cacimba
quando iam buscar lyamba que andam a guardar naquela ilhota da lagoa?
- Mas mamã
então, uma kifofu alheia, quem anda te fwefwenhar essas makas todas do bairro?
- Perguntou Mingota dya Kazela, filha mais velha que mora no Dondo e que veio
"disminuir" na saudade.
- Dya Kazela
(o mesmo que Branquinha em Kimbundu), eu sei tudo. Tudo mesmo passa de boca em
boca na frente da ceguinha e se esquecem que "kaveia" tem mbora
ouvido dela. Até se polícia desse tempo fosse educada e bem preparada não
precisava se dar massada para apanhar os malandros. Os planos deles de "assarto",
divisão de dinheiro, quem guarda as armas, os comparsas, as kangonya e tudo,
falam mesmo na frente da velhota. Eu sei tudo. Me traz só a rádio e a televisão
aqui para me perguntarem sobre as coisa que "ándamos" passar cuele, dia-a-dia na
cidade, se Viana não vai pegar fogo? Pega fogo porque eu sei de tudo! - Concluiu a idosa, sem meias palavras.
Publicado no Jornal de Angola, caderno fim-de-semana, 27/05/2018
Publicado no Jornal de Angola, caderno fim-de-semana, 27/05/2018
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