Naquele
dia do ataque à Munenga, em Fevereiro de 1984, parecia que até os cães se tinham
aposentado de ladrar. Ou estava tudo muito calmo ou eu não tinha reconhecido o
suficiente aquele vilarejo.
À
madrugada, os kwaca (cuacha) que gostavam da alvorada, atacaram.
-
Avança, kovaso (covasso), agarra, kwata... Verberavam em meio a cânticos e
batucadas do pessoal de rapina.
Balas
perfurantes sobre a pobre cozinha em que Sabalu-a-Soba e eu dormitávamos. Ele,
meu primo mais velho, apertou-me junto do seu colo.
- Não
grita. Não chora. Ordem de mano. - Cumpri.
Um Kwaca
entrou armado. Roubou o cobertor que usávamos. Levou o recipiente que continha
óleo de palma. Levou, acto contínuo o veado que defumava. Vasculhou outras
coisas. Parecia não nos ver. Confesso que não viu. Ainda bem que só tinha olho
para comida e vestuário.
Depois
vieram outros. Um deles, chefe com duas estrelas ao ombro, botas lusidias e
acastanhadas. Falava bom Português ao meu ouvido de então. Depois, quando toda
a nossa família alargada já se achava encostada à parede frontal da casa que
nos acolhia (Manuel Albano), sem sabermos qual nosso destino (uns já carregavam
imbambas e cerveja roubada do bar do Sangue Frio em direcção ao Ngana Mbundu), eis
que o kwaca-chefe sacou de sua “kilera” uns papéis e mandou meu mano Sabalu
lê-los. Ele que já frequentava o III nível na Kwame Nkrumah, em Kalulu, leu
como esperado ou terá ultrapassado a expectativa. Era em Francês. Espantado, o
Kwaca-chefe teve de simpatizar-se com ele.
- Já não
vais connosco. Ficas aqui a responder pela jura (algo que não sabíamos o que
era).
E para
mim, virou-se em tom ameaçador: e tú, ó menino, sabes ler?
- Sim
mano. Estudo a terceira classe.
- Pois
é. Então ficas aqui com o teu mano. A partir de hoje és da alvorada. - Ordenou
o Kwaca-chefe.
Assim,
ficámos sãos e salvos, enquanto outros jovens, adolescentes e crianças que
foram surpreendidos nas suas casas tiveram de "acompanha-los",
carregando fardos. Uns seriam soltos. Outros seguiram para nunca mais voltarem.
Ngana Mbundu e sua tia (madame Lina, também conhecida por Senhora Kasenda)
foram raptados. Os alemães eram já idosos. Consta que as filhas, Érika e Mónica,
tudo fizeram junto do governo racista da África do Sul que mandava na Njamba,
mas debalde. Nem ossadas foram devolvidas.