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domingo, janeiro 13, 2013

O TI DOMINGOS MORTELADO

Era procedente do planalto angolano. Não se sabia se do Huambo ou Bié porque nunca o perguntamos e ele também nunca nos explicou, talvez porque se julgasse irrelevante. Angola não é dos angolanos? Que importa o local de nascimento se nestes 1246700km2 cabemos todos nós e mais uns tantos "chinocas" que já nos dão sobrinhos?

Uma arma destruidora bastante usada na
guerra civil
 O tio Domingos Mortelado não tinha um dos pés, perdido na guerra (calcula-se que tenha sido a guerra pela independência), em sitio e circunstancias que só ele sabia. Vivia da sua lavra e do esforço de sua mulher e filhos. Era único na aldeia a usar muletas embora fizesse quase tudo. Cortava lenhas, capinava e também tomava o seu copo com os outros homens da aldeia. Apenas não podia trabalhar na fazenda onde a labuta era mais agreste.
Todos os miúdos e miúdas da aldeia contígua à fazenda Israel (Libolo) hoje reagrupada e denominada por Pedra Escrita, tratavam-no por tio Domingos Mortelado. Até parecia que Mortelado fosse seu apelido. Nunca alguém questionou porque era mutilado e porque era assim tratado.
Perguntar? A quem? Havia espaço para tal?
- Podia ser entendido como uma discriminação o que era impensável naqueles tempos.
E a vida corria bem. Ti Domingos Mortelado p´ra cá, ti Domingos Mortelado para lá. Sem que ele se importasse do cognome.
Hoje já não vive. Mas fica na saudade de muitos miúdos e miúdas do meu tempo que só mais tarde se aperceberam que Mortelado não era seu nome, mas a condição que a guerra lhe tinha imposto. Na verdade ele era o tio Domingos, o mutilado.

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