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quarta-feira, maio 13, 2009

AKUKU MAKAYA YA TEMA!

À mesa um despertador, à corda, barulhava no seu tic-tac-tic-tac a cada segundo que passava. No fundo ele era também um relógio destinado a marcar apenas a hora do almoço.

Os meus conhecimentos, aos 4 anos, se limitavam à hora treze. Era naquele momento em que ele gritava furiosamente, como um comboio descarilado.

_Trimmmmmmmmmmmmmm! vibrava ensurdecedor, às vezes, que a avó Kikumbo, já no limiar da sua maioridade, chegava a não perceber o mundo à volta.

_Nde no Ka muasene*, vociferava a velha aflita.

O almoço, este, estava sempre pronto antes daquela sineta que nos punha voluntariamnte de pé e a correr, rumo à baixa, ao riacho inseminado de peixe de água doce que meu pai se gabava de ter sido o obreiro.

Estávamos na Fazenda Kitumbulo do meu avô Fernando Dambi ou Ngana Muriango onde se diz me terem encomendado para nascer, no ango de Kuteca, no óbito doutro meu avô, o materno, Canhanga Massaca ou Ngana Ñunji que era soba grande da Banza de Kuteka.

É pena que as minhas vivências com o avô Dambi tenham sido na primeira infância e o meu "saco" do passado carregar muito pouca informação, mas escreverei, um dia, sobre o toque de chamada daquele velho empenhado em trabalhos campestres ou consulta de adivinhação".

Primeiro tocava o despertador a que chamávamos de relógio de mesa, depois alguém tinha que pregar um enorme berro, à distância, com o código secreto:
_Akukuééééé, o makaya ya teméééé!'**

E lá vinha ele, meio satisfeito por poder matar o bicho, meio aborrecido por não ter terminado a empreitada. E todos, filhos, netos e visitantes que eram frequentes, sentávamo-nos à mesa para o repasto seguido de makiakia para os mais-velhos.
A tarde, normalmente, era passada em conjunto no terreiro*** ou no corte de ngando (papiro) material para a confecção de esteiras e outros objectos de cestaria.

Enquato aos sábados e domingos os homens adultos (sempre o avô, o pai, o tio César e outros visitantes) iam à caça com arcos, flexas e cães, nós, os miúdos, acompanhávamos as nosssas mães à pesca com cestos ou aproveitavamos a ausência dos pais para as nossas aulas práticas de armadilhar perdizes, pacas, macacos, pássaros e pescarias com nassas e anzóis carregados de salalé e minhoca.

O Atenção, cão pastor alemão que meu pai tinha conseguido do patrão da Fazenda Roussel, era o que mais caçava e por isso o mais querido da comunidade. Mas havia ainda o Tigre, o Tunga Laó, o Kelula e outros de cujas façanhas me lembro pouco. O meu querido Atenção, que teve durante a minha infância muitos charás, foi morto por uma onça depois de renhida peleja que deixou ambos em estado crítico. Tanto o meu pai o curou que não resistiu aos ferimentos. Teve funeral humano com uma caixa e campa em reconhecimento dos seus feitos. Do lado oposto, os caçadores da comunidade encontraram-na esqueléctica debaixo duma árvore, onde ventualmente tentava, também, curar-se das mordeduras do Atenção.

Às noites, à volta da fogueira, os adultos eram autênticas bibliotecas de secular saber. Contavam-se adivinhas, estórias de animais e histórias de factos ocorridos num tempo de ouvir dizer. Da escrita pouca importância se dava, mas a oralitura era obrigatória. Saber desvendar a genealogia era uma perícia apenas dos bons filhos. Eram esses os interpretes nas conversas adultas e nas longas viagens. Os mais velhos deixavam os monitores começarem com as perguntas e respostas dos mais novos... Uma aprendizagem que se processava por meio da repetição diária de um rosário costumeiro a que os anciãos acrescentavam novos elementos. Novos contos, novas fábulas e novas experiências que complementavam os já absorvidos pelos noviços... E havia pedagogia!


* Vão chamá-lo!

** Avô, o tabaco à beira do lume quase que queima!
*** Local onde se secava e ensacava o café

Luciano Canhanga

2 comentários:

kanuthya disse...

O tal despertador :D
Também um dos cães de casa de meus avós morreu após luta com onça. Eu, que amo cães, onças e animais em geral, não pude deixar de me sentir sempre comovida sabendo que ele morreu mas feriu muito a onça, pelos sinais que ficaram. Bravura e dedicação!
xi-coração

Carlota Vasconcelos disse...

A memória é tão agridoce, marca cicatrizes intensas dentro de nós; é a testemunha da nossa existência, gurdiã de nossas saudades e dores. E é tão necessária, pois justifica aquilo que somos. A memória nos revela. Que belo post, Luciano! É bom estar aqui no seu blog novamente. Abraços do Brasil! :D