É manhã, o secretário bate à porta da casa do soba, Luís Sakalongo. Depois da tradicional vénia, o secretário sai com duas bandeiras na mão. A primeira é a da República e será içada no mastro junto à escola da aldeia. A segunda é do MPLA e será içada num terreiro, não longe da casa do líder da aldeia. É assim todos os dias, conta o soba.
Sem necessidade de se tocar um sino ou coisa parecida, os habitantes colocam-se de pé, firmes e em silêncio, olhando para a bandeira que sobe vagarosamente. Até mesmo as crianças interrompem a sua traquinice e ninguém se movimenta. Os homens tiram os chapéus da cabeça e as mulheres arreiam as vassouras. É a norma.
Içada a cor que a todos representa de forma indistinta, é chagada a vez da bandeira do MPLA. Os que nela não se revêem são poucos e são os que partem para os seus afazeres. Os que a têm no coração mantêm-se de pé. Estáticos. Apenas olhares mirados para o pano tricolor que sobre. devagar, devagarinho. O secretário vai fazendo pequenas pausas, até atingir o topo e amarrar a corda ao mastro de pau.
O cenário é repetido à tarde, no dia seguinte, todos os dias, todas as semanas e todos os meses e anos. Os mais novos vão crescendo e sem que seja necessário o apelo, a comunidade vai, por via da repetição perpetuando o amor à bandeira e ao hino que a todos representam.
Do outro lado da aldeia está içada, de forma permanente, uma outra bandeira. É a do PRS, o partido que lidera a oposição ao MPLA nas Lundas. O soba explica que ela nunca esteve nem a meia haste nem retirada.
“Os homens chagaram aqui, pregaram a bandeira, plantaram o pau e nunca mais voltaram”, explica Sakalongo.
A tolerância é na aldeia o melhor caminho para a coabitação. “Todos dizem que ela devia também subir e descer como as outras, mas foi pregada. E ninguém diz nada. Apenas olhamos e até as crianças já sabem que não devia ser assim”.
Luís Sakalongo é ferreiro de profissão e já desempenhou a função de deputado à Assembleia Provincial do Povo na Lunda Sul.
O secretário da aldeia é seu irmão e fez parte do primeiro lote de jovens que foi a Cuba estudar. Já em Angola, as coisas não lhe correram bem, por razões que nem ele, nem o soba explicou. “Para não andar mal na cidade fomos buscá-lo e está aqui na aldeia connosco”.
O outro irmão é o adjunto do soba. Araújo Marianda, 68 anos, já foi membro e responsável da ODP (Organização de Defesa Popular). “Fui dos primeiros que fomos fazer o curso em Benguela e no Cunene. Estou aqui depois de muito ter lutado”, contou.
Ambos, Luís Sakalongo e Araújo Marianda, reclamam apenas o facto de não receberem nenhuma pensão como antigos combatentes, mesmo depois de terem escrito por diversas vezes às estruturas governamentais da província e do partido.
Como forma de chamar a atenção dos que por lá passarem, sobretudo os governantes e líderes do partido que defendem, o soba decidiu em rebaptizar o nome da aldeia para NGANDU LUFUNE KEXI CUNHONGA, que traduzido do Cokwe para português nos leva à ideia de “quem muito trabalhou mas que não é reconhecido pelos feitos”.
Ngandu é hoje uma das aldeias mais organizadas, graças ao empenho e sabedoria do seu soba, Luís Sakalongo.
Luciano Canhanga
2 comentários:
Hey, mano Kanhanga! Aguardo com ansiedade por um post seu em relação à "tanta" violência na África do sul visando estrangeiros. Tu tens mais horizontes q eu sobre aquele país, a julgar pelo seu CV publicado num dos teus Blogs. Vá, anda lá, que quero ler algo com a sua perspectiva. Abraços e força!
Patissa, xcreverei, com certeza, um post a proposito do que se passa na Soutrh Africa. Ainda mais agora quie se diz que Angola e Africa do Sul vao suprimir os vistos nos passaportes ordinarios (normais). Muitos angolanos tenderao a ir a patria de Mandela e vice-versa. Isso ainda vai dar muita tinta para jornais. Tudo tb numa altura em que se comecam a repatriar cidadaos da regiao que estao naquelas paragens. Xtounum cyber e entendo agora que gerir um blog atraves de cyber so pode ser um acto de heroismo. Tu, meu caro Patissa, es um heroi.
Um abraco. (ops: tou num teclado sem acentos)
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