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quarta-feira, outubro 01, 2025

A ESCOLA QUE ERA O ISMAEL

Estávamos no ano de 2002. Lembro-me bem, pois eu tinha acabado de comprar o meu primeiro carro. Entre os jornalistas juniores da LAC ninguém mais tinha.

Naquele tempo, as estradas ainda pareciam largas, pois contavam-se os que possuíam carros próprios. O da Redacção ainda recolhia e distribuía.

1 ano sem ti

O Ismael Mateus tinha deixado o seu carro na estação de serviço (eram poucas ainda). No final do turno, chamou-me.

_ Cidadão, conduzes, não é?

_ Sim, chefe!

_ Tens carta?

_ Sim! _ Menti-lhe.

_ Então vem comigo.

Fomos à estação de serviço, perto da RNA, pegar o carro que fora higienizado. Ele estava a conduzir um outro emprestado. O trajecto era do Alvalade às proximidades do Vila Clotilde (Rua da Liga). Passámos perpendicularmente pela Sagrada Família, não entrei pela F. Weliwítschia. Eu à frente e ele atrás. Buzinou-me. Transpirei. Peguei a rua seguinte e segui até à casa em que ele vivia.

_ Cidadão, não basta saber acelerar e travar. É preciso conhecer a cidade. As rotas mais curtas. Percebes?

_ Sim, chefe!

Com seu braço longo, pousou sua mão sobre meu ombro. Senti o apreço. E era sem preço.

Lembro-me também dos cursos que me mandavas fazer, mesmo sem "pocket money".
Fui à Bélgica com USD 300 para uma semana (ACP-UE). Fui a Portugal com USD 100, só para exemplificar. Alguns colegas de redacção reclamavam que "os chefes aproveitavam as formações com ajudas de custos e mandavam os juniores às formações que não tivessem dinheiro". E dizias:

_ Vai só, seu matuense. Tarde ou cedo verás os resultados.

Não é que "o meu avião" descolou rápido e deixou para trás os demais?!

Foste um gajo fixe e visionário, padrinho Ismael Mateus!

segunda-feira, setembro 29, 2025

A LAVRA DE NINGUÉM

Na aldeia de Rimbe, onde o rio Kazondo se insinuava como veia ancestral entre dois domínios, o das mulheres ao norte e o dos homens ao sul, o tempo não corria: meditava. Ali, o presente era uma sombra alongada do que fora sonhado, mas jamais plenamente alcançado.

Rimbe emergira do êxodo dos migrantes de Kuteka e de Katoto, almas errantes que, fugindo da pólvora e da ignorância, carregavam nos ossos o esboço de um município utópico, a Munenga, cuja concretização tardaria quarenta e cinco anos, quando os fundadores já não mais existissem: mortos, dispersos ou tragados pelo esquecimento.
Ao norte, onde o Kazondo se entregava ao Riaha, rio maior, as mulheres, sobretudo as raparigas, lavavam louça, purificavam o corpo e desenhavam sonhos com a água. Era o território da higiene, da subsistência e da esperança doméstica.
Ao sul, onde o rio contemplava a nascente guardada por uma montanha perene em verdor, os homens — valentes, inválidos, infantes, mancebos e anciãos — encontravam abrigo, silêncio e vício. Era o domínio da introspecção, da força e da fuga.
Foi nesse sul que os mizangala, jovens de espírito inquieto e engenho improvisado, começaram a se envolver com a Kangonya, erva de leve combustão e vasto alcance. Para uns, era estímulo ao labor braçal; para outros, altivez compensatória diante da ausência de coragem ou eloquência. Mas havia os que, tragados pela erva, se afundavam no ócio absoluto. Não se avivavam para nada e tombavam como pintainhos em poça de água. Pareciam-se com sombras de si mesmos. Eram os “molhados”.
Com o aumento exponencial dos adeptos e os efeitos deletérios da planta, a administração municipal, respaldada pela força policial, passou a fiscalizar lavras e hortas ribeirinhas. Repreendia, e por vezes conduzia os infratores ao tribunal da municipalidade, onde se lhes impunha dias de reclusão e trabalhos sociais. As plantas eram arrancadas e incineradas ao sabor dos ventos montanhosos, como oferendas à ordem pública.
O primeiro a ser colhido pela repressão foi Obaid, surpreendido em flagrante inspiração sob a árvore que sombreava uma planta de lyamba. Alegava que ali pensava melhor, que o mundo lhe surgia mais claro quando o fumo ascendia.
Depois veio Ojna, cuja lavra, batizada de Chaleira, não apenas produzia, mas abastecia a comunidade e cercanias. Visitantes vinham de longe e os amigos o apelidaram de “o farmacêutico da montanha”. Mas também ele foi alcançado pela repreensão policial. Condenado a trabalhos sociais, ouviu sermões que não curavam.
Etnerc, mais discreto, cultivava o que chamava de horta da lucidez. Mas nem a lucidez o livrou da punição. A aldeia começava a se fechar sobre si mesma e os homens sentiam que a terra lhes fugia assim como o Rimbe fugira aos seus fundadores.
Foi então que Ueta, mais avisado e igualmente apreciador da Kangonya, convocou os amigos sob a mesma árvore que abrigara os devaneios de Obaid. Propôs-lhes uma solução inédita:
— Abramos uma lavra de ninguém.
— Lavra de ninguém? Como assim? — indagaram os demais, entre risos e perplexidade.
— Uma lavra que não pertença a Obaid, nem a Ojna, nem a Etnerc, nem a mim. Uma lavra que seja de todos e de ninguém. Se vierem fiscalizar, não encontrarão dono. Se perguntarem, diremos: é da aldeia.
Lavra de Luciano Canhanga
A ideia germinou como a própria lyamba. Decidiram abrir o campo junto à nascente do Kazondo, onde o matagal era cerrado e o caminho, quase invisível. Cortaram apenas o necessário, deixando a natureza como cúmplice. A horta passou a chamar-se CHA — Cooperativa dos Homens da Aldeia.
Para que nenhum homem singular fosse responsabilizado, pregaram numa árvore visível a todos uma placa com três letras: CHA. E ali, entre o verde que nunca secava e o silêncio que guardava segredos, os mizangala reinventaram a pertença.
Rimbe, que um dia fugira dos seus, voltava a ser deles, mesmo que fosse só por entre fumaça, folhas e alucinações.

segunda-feira, setembro 22, 2025

SACHA

Acordei ao pregão de um mendigo que, de casa em casa, pede, manhã cedo, as "sobras da janta". 

- Não leva ao lixo a comida que sobrou. Dá "no" pobre. - Cantarolava, desafiando os passarinhos alojados nas copas das minhas árvores. 

De imediato, veio-me à cabeça a experiência do milho trazido do Kwanza-Sul e que empresta a sua cor ao descampado. Hoje não me dei ao trabalho mínimo de conferir se é mesmo "sacha" a limpeza de ervas daninhas que crescem entre o milheiral.

Cresci, com o milho, a vê-lo e a "sachar". Desde pequeno no Limbe.

- Filho pequeno não trabalha porque não come muito. - Dizia eu a reclamar do sol, suor e ardor.

Durante algum tempo, fora apelidado de "Filho Pequeno".

Dizem também que "é mais fácil retirar alguém do campo do que o campo dele". Essa máxima deve combinar comigo.

Em Fevereiro, fomos ao Ebo e pedi à Dina Martins uma espiga de milho.

- Mano, podes tirar quantas quiseres.

Abaixei e retirei uma espiga pequena e desdentada, ou seja, a que tinha várias falhas de grãos.

- Essa, mano?! Porquê? Tira, ao menos, uma grande e boa. - Insistiu a Dina.

- Irmã, é só para brincar e recordar os tempos de camponês. Não tenho lavra. Vou pôr no quintal ou no canteiro e depois os meninos vão arrancar. Não adianta levar o que sei que não terá serventia. - Expliquei, deixando-a mais cômoda.

A espiga andou esquecida no carro, até que, um dia, ao retirar umas tralhas que me "feriam os olhos" dei conta dela. Calhou que tinha "pinguiscado" umas gotículas de chuva. Descarocei e levei os grãos, dois a dois, ao solo firme do canteiro e do descampado que se acha contíguo à minha casa.

Os cabritos e os meninos desgovernados que pululam o bairro destruíram a maioria. Deixei que os sobreviventes ficassem camuflados no capim que cresce apressado com a vinda da chuva.

- É chegado agora o tempo da sacha. - Falei para mim mesmo.

Não tendo enxada, a pá fez a vez, removendo o capim e envolvendo os milheiros de mais terra.

Tal como dissera à Dina, de uma espiga "desdentada" podemos ter cinco ou muito mais espigas ou mesmo quilos de grãos que podem, depois, ser replicadas e multiplicadas. Isso é crescimento. 

Já imaginou quem tem um descampado à volta de casa fazer igual? Pouparia uns Kwanzas, cumpriria o papel decorativo verde e atenderia ao ambiente e ao estômago.

São conversas "milhonárias" que podem render.

segunda-feira, setembro 15, 2025

O PILÃO DA TIA KAMBANDU

[Baseado em narrativa do Castro Albano e vista de constatação]

Há objectos que não se gastam com o tempo. Gastam o tempo. O pilão que "vive" na casa da tia Kambandu não é apenas um tronco esculpido: é memória compactada. É gesto que resiste. Foi talhado por Albano Kyuma, com mãos que sabiam conversar com o mundo vegetal.
— Veio visitar-me, quando comecei a engatinhar — contou o Castro, baseado em relatos de sua mãe, Kambandu ka Luxandi, que tem um olhar que mistura lembrança e saudade.
O velho Kyuma chegou como quem traz mais que presença: trouxe da mata um tronco grosso escolhido a detalhe, silêncio respeitado e uma intenção que não se explica. Só se sente.

O pilão nasceu ali, entre paus, escopro, martelo, conversas e pausas. Não foi apenas um presente. Foi um pacto. E logo serviu para esmagar cana-de-açúcar, cujo suco serviu para confecionar a saborosa e sempre presente walwa ou kisângwa, bebida que o patriarca saboreava como quem escuta os que há muito partiram. Ele dizia que o gosto da cana moída naquele pilão era diferente, como se a madeira tivesse memória própria.
— Esse pilão já viu mais caminhos que muitos homens. Acompanhou-nos de Mbango a Munenga, de Munenga ao Lususu, do Lususu ao Mbango de Kuteka - incluindo a lavra junto à vala da Senhora Kasenda_ e do Mbango à aldeia de Pedra Escrita — narrou a tia Kambandu.
Várias foram as viagens, as epopeias, sempre com ele à cabeça construindo novas estórias. Ficou na casota da lavra, voltou para a casa da aldeia e nunca reclamou. É como se soubesse que a sua missão não era apenas moer. É lembrar.
Hoje, quando a velha Kambandu o usa, na aldeia de Pedra Escrita, não é só o som do pilador contra o pilão que se ouve. É a voz de Kyuma, é o riso da velha Kambandu, é o cheiro da infância misturado ao suco doce da cana, e da fome afugentada pelo milho e bombô triturados naquele pilão. E o Castro Albano, filho de Kambandu ka Luxandi e neto de Kyuma, sabe que enquanto esse pilão existir, nenhum esquecimento será completo.
Na tradição bantu, o pilão é muito mais do que um utensílio doméstico. Ele é símbolo de continuidade e herança. Passado de geração em geração, o pilão carrega a memória dos que vieram antes. Cada marca na madeira é uma história, cada uso é um rito de ligação com os ancestrais.
É também centro da vida comunitária. Em muitas aldeias, o som do pilão marca o início do dia. É um som que une, que convoca, que anuncia o preparo da refeição e o pulsar da vida.
O pilão é ainda um instrumento de iniciação e aprendizagem. Crianças aprendem a pilar com os mais velhos, num gesto que é ao mesmo tempo físico e simbólico — aprender a transformar, a sustentar, a respeitar o alimento.
Confecionado por homens da aldeia, o pilão é elemento feminino e sagrado. Tradicionalmente manuseado por mulheres, o pilão representa o poder de nutrir, de transformar o cru em cozido, o bruto em alimento. É também símbolo de fertilidade e de força silenciosa.
É ainda tido com objecto de rituais e cerimónias. Em algumas comunidades, o pilão é usado em ritos de passagem, como casamentos ou funerais, sendo considerado um elo entre o mundo dos vivos e o dos ancestrais.
Assim, o pilão da tia Kambandu, confecionado pelo seu sogro Albano Kyuma, não é apenas madeira. É tronco de memória, tronco de identidade, tronco de pertença. É por isso que resiste ao tempo. Já lá se foram perto de cinquenta anos!

segunda-feira, setembro 08, 2025

A "PASSADEIRA" DE KAPAYO

O dia estava agitado, como o vento frio que soprava impiedoso, parido e empurrado pela corrente gélida de Benguela. No vasto espaço ao redor do Estádio de Ombaka, agora metamorfoseado em ruelas e vielas por construções temporárias de stands, homens e mulheres se acotovelavam para passar, levantar ou pousar imbambas de toda sorte. O recinto fervilhava com a azáfama de feirantes vindos de todos os cantos de Angola: lá estavam 21 províncias e 326 municípios que representavam o povo, suas identidades culturais e as idiossincrasias de mais de 378 comunas.

Entre os muitos stands, um em particular chamava atenção — o do Úkwa, antiga comuna perto de Kakwaku da minha infância escolar. Ali, repousava a réplica de uma caçadeira esculpida em madeira, que parecia guardar memórias ancestrais.
— Chefe, estão a vender arma! — exclamou a jovem Suzana, talvez tomada pelo medo ou pela curiosidade pueril.
— Arma? De guerra ou de caça? — perguntei, aproximando-me.
O objecto, embora inofensivo, fez-me recuar quarenta e cinco anos no tempo. A memória trouxe-me a imagem da “passadeira” do tio Kapayo. Era assim que chamávamos a sua pequena caçadeira, usada para espantar os pássaros que desenterravam o milho recém-semeado. Os atrevidos que esvaziavam os mamões ainda nos mamoeiros tinham o mesmo destino — sobretudo os mais corpulentos, que, abatidos, viravam conduto em tardes de sol abrasado e fome de leão.
Às vezes, a "passadeira" do tio Kapayo, na nossa Munenga, também servia para afugentar macacos teimosos ou abater lebres quando a sorte sorria. Mas ninguém, além dele, ousava usá-la. Era dono de uma pontaria que gerava inveja e admiração.
— Quando eu crescer como o tio Kapayo, também quero ter uma igual — sonhávamos, primeiro com a chance de segurá-la, depois com o desejo de possuir uma que nos desse liberdade de disparar e levar o produto às mamães, que se alegravam quando nossas armadilhas traziam conduto para casa.
— Chefe, não sai tiro? — voltou a perguntar a Suzana, inquieta ao ver-me ensaiar uma posição de tiro.
— É de madeira. A verdadeira não pode ser exposta. Lá na nossa zona, as caçadeiras têm grande valor. Homem de verdade tem de ter uma, no mínimo. As pequenas são para abater aves que prejudicam o milho. Também servem para afugentar os macacos que destroem a banana, o milho e outras culturas. As grandes, essas só os mais velhos usam. São eles que se embrenham na floresta densa à procura de veados, corsas, porcos-espinhos, javalis, pacaças e outros animais.
Enquanto eu e a senhora do Úkwa desfiávamos rosários de lembranças, a Suzana balançava a cabeça em aprovação, acompanhando cada detalhe de uma história desconhecida e absorvendo o conhecimento como quem bebe água fresca em dia de calor.
Foi então que se aproximou um homem de porte firme, chapéu de palha e olhar sereno. Chamava-se Mário, artesão e contador de histórias da comuna da Munenga. Trazia consigo um pequeno tambor e uma sacola com diversas sementes.
— Essa caçadeira aí tem alma — disse ele, com voz grave. — Foi feita à imagem da que o Augusto Kapayo usava. Eu mesmo vi ele abater um porco-espinho com um só disparo, sem ferir a carne.
— Conheceu o tio Kapayo? — perguntei, surpreso.
— Conheci. Estudámos Dormimos juntos e passamos várias noite na mata, em tempos de caçadas. Ele dizia que a arma não era só para matar, mas para proteger o milho, a honra e os sonhos dos meninos da Munenga. As nossas caçadeiras atendiam a diversão e o imperativo de levar carne para casa. Lembro que o velho João, pai do Kapayo, trabalhou quase um ano a juntar o dinheiro para comprar a caçadeira que ofereceu de presente ao filho, quando esse completou a quarta classe do tempo colonial que era igual à vossa universidade de hoje.
A Suzana arregalou os olhos.
— Tio Mário, e vocês nunca tiveram medo de dormir na mata?
— Medo? Medo é como sombra: só aparece quando o sol está forte. À noite, quem tem caçadeira não tem medo. O caçador aprende a andar com ela sem tropeçar.
Nesse momento, juntou-se ao grupo uma menina de tranças apertadas e olhos curiosos. Chamava-se Lúcia, filha da senhora do stand. Trazia um cesto com frutas e uma pequena estatueta de madeira.
— Esta é a minha primeira escultura — disse ela, oferecendo-me. — É um macaco a fugir da lavra.
Sorri. A arte, ali, era memória viva. Já tinha visto tantos a fugir da lavra com uma espiga de milho na boca.
— Tia, e os homens do Úkwa não sentem medo dos animais na floresta? — insistiu Suzana.
— Filha, tudo se treina e aprende. Medo é para pessoa kawiso. Mas a vida é cíclica. Muitos dias têm sido de alegria para os caçadores, mas também já houve acidentes na mata em que o caçador virou presa.
Ensaiada a posição de tiro, aquele sonho de infância nunca realizado voltou a pulsar em mim. Mas havia outros afazeres. Parti, deixando a Suzana, a Lúcia e o velho Mário trocando saberes sobre a vida nas aldeias do Úkwa e da Munenga e sobre um país que, ali, se mostrava inteiro aos olhos de todos.
E a caçadeira, brilhante e silenciosa, continuava a contar histórias a quem soubesse escutá-la.

segunda-feira, setembro 01, 2025

ODJOVE, MULONDOLO OU PAU-DE-CABINDA?

Crónica para quem ainda acredita que o amor precisa de raízes, cascas e mapas.

Na IV edição da FMCA, realizada no Lubango, em 2023, assim como na V edição que a cidade de Benguela acolheu em Agosto, o que desapareceu antes mesmo do primeiro batuque não foi o milho torrado nem o vinho de palma. Foi o famigerado pau-de-Cabinda, aquele que dizem “levanta até defunto cansado”. Não se sabe quem levou, mas os dedos apontaram para os nguvulados de cabeça grande na algibeira, os mais velhos de bolsos cheios e olhares discretos, que saíram com os pacotes escondidos entre casacos e promessas. Uns dizem que foi para uso próprio, outros que foi para presentear genros em apuros conjugais. O certo é que o produto esgotou antes mesmo de se saber se era vendido por dose ou por esperança.

O pau-de-Cabinda, vindo da região homônima, é mais que casca. É mito. Vendido em pó, cápsula ou infusão, é tido como afrodisíaco de elite, capaz de devolver vigor a quem já só vigia e usa o descarregador "apenas para mijar".

Mas há quem diga que o efeito é mais psicológico que fisiológico, e que o verdadeiro poder está na crença ou no bolso.

Mas se o pau-de-Cabinda é o rei das farmácias informais, o odjove é o príncipe das aldeias. E foi justamente nas duas edições da Feira dos Municípios e Cidades de Angola que ele apareceu em garrafa, com rótulo e até mapa. Sim, mapa. Porque o odjove não é só bebida. É roteiro também.

Feito à base da fruta de marula, aquela que dizem embebeda até elefantes,  o odjove vinha acompanhado de um mapa da embala: casa do sekulu, casas das esposas (com e sem filhos), casas dos filhos solteiros. E dizia o marketeiro:

“O sekulu, depois de beber odjove, percorre todas as casas das esposas, voltando leve e cansado no dia seguinte.”

Durante a colheita, os régulos afrouxam as penas de adultério. Afinal, quem pode resistir ao chamado da marula fermentada se até o elefante dança e tropeça?

Enquanto o odjove é kunenense, o mulondolo é raiz do Kwanza-Sul. As suas folhas são comestíveis e refogáveis como fokhas de batateira. As raízes é que são “tira-teimas”. Dizem que quem consome o mulondolo tem a mulher permanentemente falar bem dele junto da sogra, o que, convenhamos, é milagre maior que qualquer ereção prolongada.

“Dá resistência inimaginável”, dizem os nativos de Lubolu e da Kibala. 

“Deixa o pau-de-Cabinda a ver navios e o longeso do Wambu a pedir reforma”, atestam os confessos consumidores de tudo quanto lhes dá a breve ilusão de borboleta.

Em quem acreditar?  

No pau-de-Cabinda que esgota antes de se tocar o hino nacional?  

No odjove que vem com mapa e promessas de fecundidade?  

Ou no mulondolo que não tem marketing, mas tem sogra satisfeita e bem-falante do esposo da filh'amada?

Talvez o segredo não esteja na raiz, na casca ou no licor, mas na história que cada um carrega. Porque no fim, o que embriaga não é a marula, é o desejo de continuar sendo lembrado como aquele que soube amar com potência e força, com graça e com folhas refogadas!


Publicado pelo Jornal de Angola a 28 de Setembro de 2025

sexta-feira, agosto 29, 2025

BRUNEIROS: MITOS E MEMÓRIAS

[Um conto de feitiçaria e lembranças]

Na vila de Kalulu, onde o capim seco dançava ao sabor do vento e os tambores ecoavam nas noites de lua cheia, havia um nome que se murmurava com respeito e temor em todo o Lubolu: Kakwete. Os mais velhos falavam dele em voz baixa, como quem teme acordar forças poderosas e adormecidas. Os mais novos, curiosos e atrevidos, tentavam espreitar-lhe a casa de pau-a-pique e coberta de capim e segredos.

Kakwete não era apenas um homem. Era o temido e respeitado bruneiro. O feiticeiro de todos os tempos e com quem não se "torrava farinha". Não havia ninguém de sua igualha. Era o mestre das artes ocultas. Diziam que quem quisesse subir na vida, fosse por trabalho e mérito ou por sorte, acabava por bater à sua porta. E quem não o fizesse, ficava para trás, como folha seca levada pelo tempo.

Os jovens tímidos, incapazes de conquistar uma donzela, recorriam ao "migosta", uma mistura de ervas e encantamentos que prometia abrir corações e fechar resistências. Só Kakwete sabia preparar tal feitiço com eficácia. Era como se o amor, a fortuna e o destino estivessem guardados nas suas mãos rugosas e nos seus olhos que pareciam ver além da carne.

Mas o nome de Kakwete não se quedava pelas fronteiras do Lubolu. Muito além, em terras que na minha meninice pareciam tão distantes quanto os contos de avós, havia outro nome que se erguia como sombra sobre todas as outras: Ciwiyawiya, o velho de Ndombe Inene.

Em Ndombe Grande — ou Ndombe Inene, como os mais velhos ovimbundu e os conservadores preferem — vivia o mais velho Ciwiyawiya. Diziam que ele não era apenas um bruneiro, mas o bruneiro dos bruneiros. O maioral. O mestre dos mestres. E os seus feitos, soprados pelos ventos da memória, ainda hoje se escutam nas fogueiras e folguedos das noites longas.

Durante as décadas de 70, 80 e 90, quando as rusgas militares varriam as aldeias em busca de jovens para o serviço obrigatório, Ciwiyawiya fazia o impossível: transformava rapazes na flor da idade em velhos alquebrados, cabelos algodoados, costas curvadas e passos lentos. Os soldados passavam, olhavam, e seguiam adiante. Só levavam os que não haviam sido tocados pelo velho.

O director municipal da cultura de Dombe Grande, homem de saber e memória, não hesita:

“Muitos jovens daquela época, hoje já idosos, juram que é verdade. Quando os militares vinham, só escapava quem fora tratado pelo mais velho.”

Era como se Ciwiyawiya tivesse um pacto com o tempo. Como se pudesse dobrá-lo, moldá-lo, e usá-lo como escudo contra a guerra. E assim, muitos escaparam, não pela força, mas pela astúcia de um homem que dominava os mistérios do invisível.

E surge, então, como em todo bom conto, a pergunta que atravessa gerações: terá existido alguém capaz de “torrar farinha” com Ciwiyawiya? Em Benguela, pelo menos, dizem que não. O velho era imbatível. Um nome envolto em lenda, mas também em testemunhos vivos — daqueles que juram ter visto, sentido ou vivido os efeitos da sua bruxaria.

Entre o real e o imaginário, entre o medo e o fascínio, os bruneiros como Kakwete e Ciwiyawiya continuam a habitar o imaginário colectivo. São sombras que caminham ao lado dos vivos, moldando histórias, crenças e destinos. E enquanto houver quem conte, haverá quem creia. Menos eu!


Publicado pelo J.A. aos 14.09.2025.

sexta-feira, agosto 22, 2025

A INTERPRETABILIDADE DO KIMBUNDU E O EXEMPLO DE "THUMBA NYI SAMBA"

O Kimbundu, uma das principais línguas bantu faladas em Angola, pode ser considerado uma língua interpretável por excelência, devido à sua riqueza simbólica, estrutura morfológica e forte ligação com a oralidade. Dentre outros elementos, ela possui:

Simbologia e metáfora: muitas palavras e expressões em Kimbundu carregam significados múltiplos, que vão além da tradução literal. Um nome pode conter uma história, uma bênção ou uma advertência ancestral.

Estrutura aglutinante: o Kimbundu forma palavras complexas a partir de raízes e afixos, o que permite decompor e interpretar significados com profundidade.

Tradição oral: a língua é um veículo de transmissão de sabedoria ancestral, mitos, provérbios e ensinamentos espirituais. Isso exige uma escuta atenta e uma interpretação contextualizada.


Um exemplo notável da profundidade interpretativa do Kimbundu é a expressão “Thumba nyi Samba”. As palavras thumba nyi samba, no contexto da expressão, remetem a apoios laterais, como se alguém estivesse à procura de suporte à direita e à esquerda.

A frase “ngene’ami thumba, ngene’ami samba”, frequentemente musicalizada, traduz-se como “não tenho onde me apoiar”, evocando a imagem de um órfão, um desamparado, alguém sem suporte familiar ou social o mesmo que "sem beira nem eira".

Essa expressão aparece em canções, provérbios e lamentos, reforçando o seu uso como uma forma de lamento existencial ou social, muitas vezes ligada à perda, abandono ou solidão.

Por isso, “Thumba nyi Samba” pode ser classificada como:

• Expressão idiomática: o seu significado não é literal; thumba e samba não se referem apenas a lados ou pessoas físicas, mas a apoios simbólicos.

• Adágio ou provérbio: carrega uma lição moral, frequentemente usada para reflectir sobre a importância da solidariedade, da família e da comunidade.

• Aforismo: é uma frase curta e memorável que expressa uma verdade ou princípio, usada em contextos filosóficos ou reflexivos.

• Ditado popular: é de uso comum entre falantes do Kimbundu e transmitida oralmente de geração em geração.

Em suma, “Thumba nyi Samba” ganha força e múltiplos significados em função do contexto e do seu uso. 

Preservar e valorizar expressões como esta é também um acto de resistência cultural e de afirmação identitária, um espelho da alma de um povo, cuja força reside justamente naquilo que desafia a tradução, sendo um exemplo claro de como o Kimbundu é uma língua que exige mais do que tradução — exige interpretação cultural e sensibilidade.


Texto publicado pelo Jornal Cultura a 11. Set. 2025

sexta-feira, agosto 15, 2025

OS GÊMEOS NA COSMOGONIA ANGOLANA: O CASO DE KAKULU NYI KABASA (LUBOLU)

Cosmogonia é o conjunto de narrativas, mitos ou crenças que explicam a origem do universo, da vida e das forças naturais. Nas tradições africanas bantu, especialmente em Angola, a cosmogonia está profundamente ligada à ancestralidade, à natureza e à espiritualidade, revelando-se em símbolos como os gêmeos, os montes, os rios e os nomes sagrados.

Mtes Kakulu nyi Kabasa: Gentileza Projeto Libolo

Na cosmogonia bantu, os gêmeos ocupam um lugar especial, sendo vistos como manifestações de equilíbrio, dualidade e força espiritual. Essa simbologia aparece em diversas línguas e culturas do território angolano.

Kimbundu: Kakulu nyi Kabasa

Umbundu: Njamba e Ngeve

Kikongo: Nsimba e Nzuzi

Cokwe: Lweji nyi Cinguli ("Kinguli")

A título de analogia com outros territórios e cosmogonia africanas, na África Oriental, os gêmeos são chamados por Apiyo e Adongo, sendo Apiyo a primeira nascida de gêmeos e Adongo a segunda.

No território ancestral do Lubolu — hoje dividido em três circunscrições municipais — junto ao majestoso rio Kwanza, erguem-se dois montes imponentes: Kalulu nyi Kabasa, que personificam gêmeos na tradição local. A ancestralidade Ngola (Ambundu) passou a nomear os gêmeos como Kakulu e Kabasa.

Nem sempre os gêmeos nascem de sexos diferentes. Quando são do mesmo sexo, ainda assim recebem os nomes tradicionais: Kakulu e Kabasa. O filho que nasce logo após os gêmeos é chamado de: Kaxinda ou Fuxi (Kimbundu), Kasinda (Umbundu) e Landu (Kikongo).

Na visão ambundu, Kakulu é considerado o primeiro a ver o sol, sendo o mais velho no imaginário tradicional — embora, segundo a ciência, seja o mais novo por nascer depois.

Essas designações revelam como os nomes africanos carregam significados profundos, conectando o indivíduo à sua linhagem, à natureza e ao mundo espiritual. Os gêmeos, em especial, são vistos como mensageiros, guardiões ou manifestações de forças cósmicas, e os filhos que os seguem também ocupam papéis simbólicos importantes.

sábado, agosto 09, 2025

O BONÉ E O CRACHÁ

A quentura do sol preguiçoso cedera lugar ao clima frio do cacimbo benguelense. Os raios mais atrevidos _ poucos_  penetravam pelas frestas entre as chapas de zinco do Pavilhão, tingindo de cobre os rostos apressados que cruzavam o recinto. Era fim de tarde, e o murmúrio da cidade e dos feirantes misturava-se ao ranger dos contentores, ao silvo distante do comboio, ao cheiro de peixe fresco e terra poeirenta e reclamar por rega. Ia eu a sair, quando os olhos me levaram a uma cena que parecia suspensa no tempo.

Ali estava ele — o soba — parado como quem procura um caminho entre mundos. Ao seu lado, uma senhora de olhar inquieto apertava a carteira contra o peito, e um jovem, que parecia filho ou seu sobrinho, observava tudo com espanto: as bancadas improvisadas, os tanques de criação, os apriscos, os estábulos, as lavras, as lojas. Era como se o mundo lhe tivesse sido revelado de súbito, sem aviso.

Desci os três ou quatro degraus com cuidado, como quem se aproxima de um altar. Antes de chegar até ele, retirei o boné — gesto simples, mas carregado de reverência.

— Boa tarde, papá. Posso ajudar em alguma coisa?

O soba ergueu o crachá com dignidade, como quem exibe um estandarte.

— Sim, filho. Sou soba daqui. Tive um julgamento e cheguei tarde. Estou com a minha ndona. A mim e a ela disseram que podemos entrar, mas o problema é o meu cunhado. O filho pode ajudar?

— Papá, dá-me um minuto e meio. Vou tentar conseguir um convite.

Ele assentiu com um sorriso cansado.

— Filho, a comichão é minha. Você "endende", nê? Então pode fazer dez minutos. Nós vamos te esperar aqui mesmo.

Entrei apressado, como quem carrega uma missão. Pedi dois convites emprestados e regressei com o mesmo passo urgente, situando o tempo não muito distante do prometido minuto e meio.

— Papá, o seu cunhado já pode entrar. Trouxe dois convites. Se complicarem a mamã, também pode apresentar este aqui. Se não precisar de usar, amanhã ainda poderá usar. Valem até segunda-feira.

O soba olhou-me com surpresa e gratidão.

— Ó filho, muito obrigado! Me fala ainda: você, com esse respeito todo, é daonde? Até te vi que só tiraste o chapéu para vir me cumprimentar.

— Sou do Kwanza-Sul. O meu avô era regedor, portanto seu colega. Via os mais velhos como lhe reverenciavam, e aprendi também na vida a valorizar os nossos papás.

Ele pousou a mão sobre o meu ombro com firmeza.

— Deus te acompanhe sempre, ó filho, e passe essa sua educação aos outros. Se ainda precisar de qualquer coisa, enquanto estiver aqui, é só dar a volta ao campo e perguntar pela casa do soba.

— Muito obrigado, papá.

Mostrei-lhe o caminho para o Stand de Benguela. O soba seguiu com passos lentos, acenando em gesto de gratidão. A esposa vinha atrás, e o cunhado atrás dela, como numa pequena procissão que expunha tambémo modus  vivendi e as relações hierárquicas nas comunidades .

Naquele instante, compreendi que há gestos que não se ensinam — apenas se transmitem. E que, às vezes, basta tirar o boné para abrir portas que não se vêem.


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Nb: Foto feita mediante pedido expresso e autorização.

Publicado pelo Jornal de Angola a 17.08.2025

sexta-feira, agosto 01, 2025

KAMACINQUENTA E KAQUINHENTU: O VALOR DAS OFERTAS E DA TRANSFORMAÇÃO

Lembrei-me de uma canção do rico folclore da Região Lunda, em Angola, que diz:

"Ana mapwo, mweko ko Ndundu kexi kumona bosse mapalika: bosse ngwehe kamacinquenta / mujimba walyeca ngwe longa lya huma!"

Tradução: As moças do Dundu, sempre que vêem o “boss” — alguém afortunado — solicitam: “Boss, dê-me um kamacinquenta (um valor), amolecendo o corpo como se fossem um “prato de barro” (longa lya huma).

Essa música evoca o termo kamacinquenta que, embora remeta ao número cinquenta, carrega um significado muito mais profundo. No universo cokwe, kamacinquenta é uma oferta simbólica — um gesto de reconhecimento, gratidão ou desejo — feito àqueles que ocupam um lugar de destaque ou que, de alguma forma, marcaram a nossa trajectória. Pode ser também um acto de beneficência.

A imagem do corpo que se amolece como longa lya huma — o prato de barro moldado pelo oleiro — é poderosa. Ela representa a vulnerabilidade e a maleabilidade do desejo, mas também a capacidade de transformação. O barro, inicialmente mole, é moldado com cuidado e intenção, e depois endurece, tornando-se útil e durável. Assim também são os vínculos humanos: frágeis no início, mas capazes de se tornar sólidos quando nutridos com respeito e reciprocidade.

Esse gesto de pedir e oferecer algo significativo encontra eco em outras culturas angolanas.

O termo kaquinhentu, cantado por Robertinho no universo ambundu, carrega o mesmo espírito. Embora os números sejam diferentes — cinquenta e quinhentos — o valor simbólico é o mesmo: dar algo que importa, seja material ou afectivo, como forma de reconhecimento.

A canção “Kaquinhentu” reforça esse valor com uma estrofe comovente:

"Se wala nyi kaquinhentu / bana tata, bana tata nyi mama / ene akuvalele/  

Kuxinge mamênu, kubete tatênu / ene akuvalelê, ene akusaselê ..."

Tradução:  Se tiveres um kaquinhentu (algo de valor), dá-o a teu pai e tua mãe (progenitores).  

Não ofendas a mãe nem batas no pai. Foram eles que te geraram e te cuidaram.


Ambos os termos revelam como diferentes etnias expressam, por meio da linguagem e da música, valores comuns de solidariedade, gratidão, desejo e transformação. O kamacinquenta e o kaquinhentu não são apenas números. São gestos que moldam relações, como o oleiro molda o barro!


Texto publicado pelo Jornal de Angola a 03 de Agosto de 2025

terça-feira, julho 29, 2025

O HOLOCAUSTO E A SITUAÇÃO NA FAIXA DE GAZA

(Analogia, causas e consequências)

Introdução
A comparação entre o Holocausto e a situação contemporânea na Faixa de Gaza é objecto de intensos debates acadêmicos, políticos e éticos. Embora ambos os contextos envolvam sofrimento humano em larga escala, suas origens, dinâmicas e consequências apresentam diferenças substanciais.
Esta dissertação propõe-se a analisar, de forma crítica e contextualizada, as semelhanças e dissemelhanças entre esses dois eventos, partindo de seus conceitos fundamentais, causas e impactos demográficos, económicos, políticos e sociais.

Conceitos e Causas
O Holocausto foi o extermínio sistemático de aproximadamente seis milhões de judeus europeus pelo regime nazista entre 1941 e 1945. Trata-se de um genocídio planeado com base em ideologias racistas e antissemitas, institucionalizado pelo Estado alemão sob Adolf Hitler.
Já a situação na Faixa de Gaza refere-se ao conflito prolongado entre o Estado de Israel e o grupo palestino Hamas, intensificado desde 2007, quando o Hamas assumiu o controle do território. O conflito é marcado por bloqueios, operações militares, ataques com foguetes e bombardeios, com graves consequências para a população civil.
Enquanto o Holocausto foi um genocídio com o objectivo explícito de aniquilar um povo, a situação em Gaza é um conflito armado com motivações políticas, territoriais e religiosas, havendo denúncias de violações de direitos humanos e uso desproporcional da força.

Consequências Demográficas
O Holocausto resultou na dizimação de comunidades judaicas inteiras na Europa, alterando drasticamente a demografia do continente. Milhões foram mortos em campos de extermínio e os sobreviventes enfrentaram deslocamentos forçados e diáspora.
Na Faixa de Gaza, a população palestina tem crescido, apesar das adversidades, mas enfrenta deslocamentos internos, destruição de lares e infraestrutura, e um número crescente de mortos e feridos civis, especialmente em ofensivas como a de 2023–2024.

Impactos Económicos
O Holocausto destruiu o capital humano e económico das comunidades judaicas, com confisco de bens, fechamento de empresas e exclusão sistemática da vida económica.
Em Gaza, o bloqueio imposto por Israel e Egipto, aliado à destruição causada por sucessivos conflitos, resultou em colapso económico: desemprego elevado, dependência de ajuda humanitária e infraestrutura precária.

Repercussões Políticas
O Holocausto levou à criação do Estado de Israel em 1948, como resposta internacional à necessidade de um lar seguro para os judeus. Impulsionou ainda a formulação da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948).
A situação em Gaza, por sua vez, alimenta tensões regionais e internacionais, polariza opiniões e desafia o direito internacional humanitário. A ausência de uma solução política duradoura perpetua o ciclo de violência e instabilidade.

Consequências Sociais
O trauma do Holocausto moldou a identidade judaica contemporânea e gerou um compromisso global com a memória e a educação sobre genocídios.
Em Gaza, a população vive sob constante trauma psicológico, com impactos profundos na saúde mental, na educação e na coesão social. A juventude cresce em um ambiente de cerco, violência e desesperança.


Conclusão
Embora ambos os eventos envolvam sofrimento humano extremo, o Holocausto e a situação na Faixa de Gaza diferem em natureza, escala e intencionalidade.
Refletir sobre essas tragédias pode fortalecer o compromisso com os direitos humanos, a justiça e a paz duradoura.
= Soberano Kanyanga (com suporte do Copilot)



Todas as reaçõe
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quinta-feira, julho 24, 2025

UMA TERRA "SEM POVO" PARA UM "POVO SEM TERRA"?

Esse era e continua a ser o Slogan dos sionistas que dizimam os palestinianos (e outros povos do Médio Oriente) para se acapararem de suas terras natais.

Vejamos os factos históricos:

1. Os sionistas começaram a comprar terras na Palestina no final do século XIX, com o objectivo de estabelecer um lar nacional para os judeus, especialmente como resposta ao antissemitismo na Europa. 

2. Os sionistas não eram nativos da Palestina, mas sim um movimento (de povos nascidos na Europa) que buscava a criação de um estado judeu naquele território (Palestina). 

3. O Estado de Israel, ao ser estabelecido em 1948, não retoma o território do antigo reino bíblico de Israel em sua totalidade.

4. O movimento sionista, liderado por figuras como Theodor Herzl, surgiu como resposta ao crescente antissemitismo na Europa no final do século XIX. O objetivo central do sionismo era estabelecer um estado nacional para os judeus, e a Palestina era vista como o local ideal, onde o povo judeu tinha laços históricos e religiosos. 

5. A compra de terras na Palestina por sionistas começou no final do século XIX e continuou durante o período do Mandato Britânico, com o objectivo de aumentar a presença judaica e expandir a propriedade territorial colectiva. 

6.  O Fundo Nacional Judaico e a Associação de Colonização Judaica da Palestina foram duas das principais entidades responsáveis pela aquisição dessas terras.

7. O movimento sionista, ao buscar a criação de um estado judeu na Palestina, enfrentou resistência e conflitos com a população árabe local, que já habitava a região. 

8. Os sionistas frequentemente viam (e vêem) a população árabe como um obstáculo ao seu projecto nacional, utilizando slogans como "uma terra sem povo para um povo sem terra" para justificar as suas acções. 

9. A chegada de mais e mais judeus à Palestina, impulsionada pelo sionismo, gerou tensões e conflitos com os palestinos, culminando na criação do Estado de Israel em 1948. 

10. As fronteiras actuais de Israel são resultado de guerras, acordos e ocupações que se seguiram à sua criação. A disputa por território e o controle da região continuam a ser fonte de conflito entre israelitas e palestinianos, com diferentes interpretações sobre o direito à terra e às fronteiras.

11. A questão da Nakba (a "catástrofe" palestina, gerada pela expulsão e fuga de centenas de milhares de palestinianos após a criação de Israel) é um ponto central nas tensões entre as duas partes.

12. Quem é o intruso na Palestina?

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Fontes bibliográficas

1. Edward Said – A Questão da Palestina.

A obra desconstrói o discurso sionista e analisa criticamente o slogan em questão. Said argumenta que a frase nega a existência do povo palestino e serve como ferramenta ideológica de colonização.

2. Nur Masalha – Expulsion of the Palestinians: The Concept of "Transfer" in Zionist Political Thought, 1882–1948.

O historiador palestino documenta como o deslocamento dos árabes palestinos foi planeado e legitimado por discursos como o do “povo sem terra”.

3. Ilan Pappé – A História da Palestina Moderna: Uma Terra, Dois Povos. 

O historiador israelita, oferece uma leitura crítica do sionismo e da fundação de Israel, incluindo a análise do slogan e da Nakba.

4. Rashid Khalidi –

Palestinian Identity: The Construction of Modern National Consciousness. 

Explora como a identidade palestina se formou em resposta ao colonialismo e ao sionismo, com destaque para a resistência à narrativa de “terra vazia”.

5. Anita Shapira – Israel: A History.  

   Embora seja historiadora sionista, Shapira reconhece que o slogan foi amplamente usado no final do século XIX e início do século XX por sionistas europeus.

6. Nina Galvão – “Slogans da Memória: Pertencer e (R)existir na Palestina Histórica” (ANPUH, 2019). 

   Artigo acadêmico que analisa o slogan como dispositivo de memória e disputa simbólica entre sionistas e palestinos. [Leia o artigo completo aqui](https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1564758095_ARQUIVO_Artigofinal.pdf).

7. Walid Khalidi – All That Remains: The Palestinian Villages Occupied and Depopulated by Israel in 1948.

  A obra documenta as aldeias palestinas destruídas durante a Nakba, desmentindo a ideia de “terra sem povo”.

8. Benny Morris – The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947–1949.  

   Morris fornece dados empíricos sobre a expulsão dos palestinos, ainda que sua interpretação seja criticada por autores como Pappé e Masalha.

9. Artigo da Wikipédia – “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. 

   Embora não seja uma fonte primária, o artigo oferece uma excelente compilação de usos históricos do slogan, desde o século XIX até os dias atuais, com referências cruzadas. [Leia o artigo](https://pt.wikipedia.org/wiki/Uma_terra_sem_povo_para_um_povo_sem_terra).

10. Artigo da Globo Educação – “Conflito entre Israel e Palestina”.  

   Apresenta uma visão didática e cronológica dos eventos históricos que culminaram na criação de Israel e na resistência palestina. [Leia o artigo](http://educacao.globo.com/geografia/assunto/atualidades/conflito-entre-israel-e-palestina.html).