No coração do município do Hebo, província do Kwanza-Sul, repousa um dos testemunhos mais silenciosos e eloquentes da ancestralidade angolana: as pinturas rupestres de Ndalamiri. Gravadas sobre rochas que resistem ao tempo e às intempéries, estas expressões gráficas são mais do que arte primitiva — são narrativas visuais de um povo que, mesmo sem escrita formal, soube eternizar a sua cosmovisão, os seus rituais e a sua relação com o território.
A visita ao sítio, como relatado por Bernardete e familiares, "exige preparo físico mínimo. A subida e descida ao local são desafiadoras", o que, paradoxalmente, protege e afasta. Protege, porque o difícil acesso limita a degradação humana; afasta, porque impede que mais angolanos e estrangeiros conheçam e valorizem esse património.
A reflexão impõe-se: que futuro queremos para Ndalambiri? A memória colectiva não se preserva apenas com reverência simbólica, mas com acção concreta. O sítio carece de infra-estrutura básica — trilhos seguros, sinalização, retretes, lavabos, abrigo mínimo para visitantes, barracas de conveniência e, sobretudo, guias locais que dominem a história e a cultura da região. Sem isso, o turismo cultural não se consolida, e a narrativa ancestral corre o risco de se apagar.
Mais grave ainda é o silêncio institucional. A ausência de campanhas mediáticas, de inclusão curricular e de roteiros turísticos estruturados revela uma negligência que fere a dignidade histórica do povo angolano. As pinturas de Ndalamiri não são apenas traços sobre pedra — são testemunhos de uma Angola que existia antes da Angola moderna. Ignorá-las é amputar parte da nossa identidade.
A urgência é dupla: proteger e divulgar. Proteger, com medidas técnicas e legais que garantam a integridade do sítio. Divulgar, com acções educativas, culturais e turísticas que o insiram no imaginário nacional. Porque quando a história morre, como bem alerta Soberano Kanyanga, nós morremos com ela — não fisicamente, mas espiritualmente, culturalmente, colectivamente.
Ndalamiri é mais do que um destino. É um chamado à consciência patrimonial. Que saibamos escutá-lo antes que o tempo o silencie.

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