Ngungu [Gungo para os "angotugas" e outros apressadamente aculturados] é um dos novos municípios da província do Cuanza-Sul. Por sinal, é o que se encontra mais ao Sul/Sudoeste da província, fazendo fronteira com o também recém-criado município de Egipto Praia, desanexado do Lopito (Lobito).
Partindo da aldeia de Evale Guerra, a sede municipal de Ngungu — outrora comuna homónima — está situada no interior, a cerca de 35 quilómetros da EN100, a principal estrada que liga Sumbe a Benguela. Uma conhecida missão religiosa, chamada Missão do Gungo, estende-se ainda mais para o interior, a aproximadamente 18 quilómetros da sede. Ali, entre colinas e trilhos de terra batida, missionários e comunidades locais mantêm viva uma rede de fé, educação e solidariedade, mesmo diante da ausência de infraestrutura básica.
A Missão do Gungo, pertencente à Igreja Católica e é gerida pela Diocese do Sumbe em parceria com a Diocese de Leiria-Fátima (Portugal), através do grupo missionário Ondjoyetu (a nossa casa, em Umbundu). A missão tornou-se um verdadeiro centro de desenvolvimento comunitário, oferecendo serviços essenciais como moagem comunitária, posto de saúde, capela, cantina solidária, sistema de abastecimento de água por gravidade, produção de blocos de terra comprimida (BTC) e kits solares para geração de energia. A sua sede, Ndonga, foi escolhida por ser um ponto estratégico para alcançar as aldeias mais isoladas do município.
Durante o conflito armado em Angola, o Gungo permaneceu isolado e vulnerável à guerrilha da Unita. A missão só pôde ser estabelecida de forma permanente após o fim da guerra civil, quando as condições de segurança permitiram a presença contínua de religiosos e voluntários. Hoje, atende uma população estimada em 34 mil pessoas, distribuídas por dezenas de aldeias sem rede de telemóvel, sem electricidade pública e sem abastecimento de água canalizada.Ngungu é mais do que um ponto no mapa. É um símbolo de resistência e esperança. E não está sozinho. Assim como Ngungu, estão muitos outros novos municípios de Angola, a exemplo de Munenga, Kisongo, Keña, Loñe, Pambangala, Kabiri, Lôvwa do Zambeze, Nehone, Xasenge e tantos outros da "Categoria E" que compartilham o mesmo dilema:
_ Como é que o desenvolvimento chegará lá sem asfalto, sem telecomunicações, sem energia (para todas as aldeias), sem água canalizada, sem saneamento básico e acções preventivas de saúde, sem planos directores para orientar o nascimento e crescimento urbano, sem “n” equipamentos sociais indispensáveis?
A pergunta parece simples, mas carrega o peso de décadas de centralização, promessas por cumprir e políticas públicas que ainda não alcançaram o país profundo. O asfalto, nesse contexto, é mais do que uma camada de betume. É via que facilitadora do acesso, de dignidade, de conexão com o resto da nação e aproximação de pessoas, bens e serviços.
Sem estradas, não há ambulâncias que cheguem a tempo, não há professores e enfermeiros que queiram ficar, não há comércio que floresça. O isolamento físico transforma-se em isolamento social, económico e político. E os municípios recém-criados, embora celebrados com júbilo, continuam à espera do básico: água potável, energia eléctrica, escolas funcionais, centros de saúde equipados e telecomunicações.
Mas há também uma força silenciosa nesses lugares. Uma força que brota da terra vermelha, dos batuques nas noites sem luz, das crianças que caminham horas para estudar, dos líderes comunitários que não desistem. Ngungu e seus irmãos municipais são territórios de luta e de futuro — se houver vontade política, investimento sério e respeito pelas populações que ali vivem.
A crónica termina com a mesma pergunta que a iniciou, agora mais urgente e mais colectiva:
_ Como é que o desenvolvimento chegará lá sem asfalto?
E, talvez, com outra:
_ Será que o país está pronto para ouvir a resposta?
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