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terça-feira, outubro 07, 2025

O KIMBUNDU E UMBUNDU – LÍNGUAS NACIONAIS CODIFICADAS – E O CASO DO KIBALA OU NGOYA

1. INTRODUÇÃO

Angola é um país de grande diversidade linguística, onde coexistem o português — língua oficial — e várias línguas nacionais de origem bantu. Entre estas, destacam-se o Kimbundu e o Umbundu, línguas com tradição oral, produção literária emergente e crescente reconhecimento institucional. O Kibala (ou Ngoya), por sua vez, representa um caso singular de debate linguístico e identitário, situado entre a variante dialectal e a possível língua autónoma.

2. LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E DISTRIBUIÇÃO DAS LÍNGUAS

2.1. Kimbundu

Falado predominantemente nas províncias de Luanda, Bengo, Cuanza Norte, Malanje e partes do Cuanza Sul e Uige, o Kimbundu é a língua do grupo Ambundu. Com mais de 3 milhões de falantes, apresenta estrutura tonal, sistema de classes nominais e forte prefixação verbal e nominal. É uma das línguas bantu mais estudadas em Angola, com influência lexical no português angolano e brasileiro.

2.2. Umbundu

Predomina nas províncias do Huambo, Bié, Benguela, partes da Huila, Namibe e Cuanza Sul, sendo a língua do grupo Ovimbundu. É a língua nacional mais falada em Angola, com forte presença na educação, cultura e comunicação social. A sua estrutura gramatical e riqueza lexical têm sido objeto de estudos linguísticos e etnográficos.

2.3. Kibala (ou Ngoya)

Falado na região da Kibala, abrangendo localidades como Hebo, Kilenda, Lubolu, Mbwim e Waku, é considerado por alguns estudiosos como uma variante do Kimbundu, enquanto outros defendem a sua autonomia linguística. O termo “Ngoya” é exógeno, usado por comunidades vizinhas, enquanto os falantes se referem à sua língua como “Kimbundu da Kibala” ou "Nosso Kimbundu".


3. INSTRUMENTOS NECESSÁRIOS PARA A AUTONOMIZAÇÃO DE UMA LÍNGUA

A autonomização de uma língua — ou seja, o processo pelo qual uma variante dialectal passa a ser reconhecida como língua independente — é um fenómeno linguístico, político, social e cultural. Não há uma única autoridade que o define, mas sim um conjunto de actores e etapas que contribuem para essa legitimação.

3.1. Codificação e Normalização

Gramática própria: Regras definidas de morfologia, sintaxe e fonologia.

Ortografia padronizada: Sistema de escrita consensual e estável.

Dicionário: Repertório lexical que legitima o vocabulário da língua.

3.2. Produção Escrita e Literária

Textos literários, científicos e jornalísticos.

Traduções para e a partir da língua, demonstrando sua capacidade de comunicação universal.

3.3. Reconhecimento Institucional

Inclusão em currículos escolares, exames e documentos oficiais.

Políticas linguísticas de promoção e preservação.

3.4. Uso Social Alargado

Comunidade de falantes nativos e fluentes.

Presença nos media: rádio, televisão, internet, redes sociais.

3.5. Autonomia Identitária

Sentimento de pertença.

Distinção funcional em relação a outras variantes.


4. QUEM DEFINE A AUTONOMIZAÇÃO DE UMA LÍNGUA?

Comunidade de falantes: O reconhecimento começa internamente, com o sentimento de identidade linguística.

Linguistas e académicos: Estudam, descrevem e codificam a variante.

Instituições políticas e educativas: Oficializam a língua e promovem sua inclusão nos sistemas de ensino.

Organismos internacionais: Como a UNESCO e o ISO, que atribuem códigos linguísticos.


5. COMO SE PROCESSA A AUTONOMIZAÇÃO?

Codificação linguística: Elaboração de gramática, ortografia e dicionário.

Produção cultural: Literatura, música, teatro, imprensa.

Mobilização social: Movimentos culturais e comunitários.

Reconhecimento oficial: Declaração como língua nacional, regional ou co-oficial.


6. COMO SE DEFINE O NOME DE UMA LÍNGUA?

O nome pode derivar de:

Autodenominação dos falantes (ex.: Umbundu).

Topónimo ou região (ex.: Catalão).

Grupo étnico ou cultural (ex.: Zulu).

Termo histórico ou tradicional (ex.: Latim, Tétum).

Em alguns casos, o nome é disputado ou evolui com o tempo, conforme o reconhecimento político ou académico.


7. O CASO DO NGOYA: LÍNGUA OU VARIANTE?

Kibala (ou Ngoya) representa um exemplo paradigmático do debate sobre a sua designação e autonomização linguística. Estudos como os de Tomé Grosso, Ndonga Mfwa, Gabriel Vinte e Cinco e Soberano Kanyanga apontam para uma variante do Kimbundu com identidade própria, falada na região da Kibala. A sua autonomização depende da aplicação dos instrumentos descritos, bem como do reconhecimento da sua identidade linguística pelos falantes e pelas instituições.


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (ORDENADAS ALFABETICAMENTE)

Angenot, Jean-Pierre; Mfuwa, Ndonga; Ribeiro, Michela Araújo – As classes nominais do Kibala-Ngoya.

Araújo, Paulo Jeferson Pilar; Petter, Margarida – O quimbundo e o português do Libolo.

Canhanga, Luciano (Soberano Kanyanga) – A língua dos Kibala – Kimbundu ou Ngoya?

Cobbinah, Alexander – Lubolo-Ngoya | Endangered Languages Archive.

Grosso, Tomé – Monografia sobre o Dialecto Kibala e o termo Ngoya.

Jordan, Linda; Manuel, Isata – Sociolinguistic Survey of Kwanza Sul Province.

Kitumba, Evaristo – Problemática linguística da província do Kwanza-Sul.

Mfwa, Ndonga – Estudos sobre variantes do Kimbundu e o caso Ngoya.

Ndombele, Eduardo David – Reflexão sobre as línguas nacionais no sistema de educação em Angola.

O Pais – Colectânea “Letras sobre as Línguas de Angola”.

Pinto, Hermenegildo – Umbundu: caminhos para a sua preservação.

Ramos, Rui – A Língua Kimbundu.

Sacalembe, Júlio – Políticas linguísticas em Angola.

SIL International – Sociolinguistic Survey of Kwanza Sul Province.

Wikipedia – Ngoya language.

quarta-feira, outubro 01, 2025

A ESCOLA QUE ERA O ISMAEL

Estávamos no ano de 2002. Lembro-me bem, pois eu tinha acabado de comprar o meu primeiro carro. Entre os jornalistas juniores da LAC ninguém mais tinha.

Naquele tempo, as estradas ainda pareciam largas, pois contavam-se os que possuíam carros próprios. O da Redacção ainda recolhia e distribuía.

1 ano sem ti

O Ismael Mateus tinha deixado o seu carro na estação de serviço (eram poucas ainda). No final do turno, chamou-me.

_ Cidadão, conduzes, não é?

_ Sim, chefe!

_ Tens carta?

_ Sim! _ Menti-lhe.

_ Então vem comigo.

Fomos à estação de serviço, perto da RNA, pegar o carro que fora higienizado. Ele estava a conduzir um outro emprestado. O trajecto era do Alvalade às proximidades do Vila Clotilde (Rua da Liga). Passámos perpendicularmente pela Sagrada Família, não entrei pela F. Weliwítschia. Eu à frente e ele atrás. Buzinou-me. Transpirei. Peguei a rua seguinte e segui até à casa em que ele vivia.

_ Cidadão, não basta saber acelerar e travar. É preciso conhecer a cidade. As rotas mais curtas. Percebes?

_ Sim, chefe!

Com seu braço longo, pousou sua mão sobre meu ombro. Senti o apreço. E era sem preço.

Lembro-me também dos cursos que me mandavas fazer, mesmo sem "pocket money".
Fui à Bélgica com USD 300 para uma semana (ACP-UE). Fui a Portugal com USD 100, só para exemplificar. Alguns colegas de redacção reclamavam que "os chefes aproveitavam as formações com ajudas de custos e mandavam os juniores às formações que não tivessem dinheiro". E dizias:

_ Vai só, seu matuense. Tarde ou cedo verás os resultados.

Não é que "o meu avião" descolou rápido e deixou para trás os demais?!

Foste um gajo fixe e visionário, padrinho Ismael Mateus!