Num hospital público de Cape Town, em 1967, um homem economicamente realizado, de 53, padece de insuficiência cardíaca irreversível e ninguém acredita em sua salvação, não existindo outra saída que não fosse encomendar a sua alma àqueles em que acreditava dar-lhe existência ultra-tumba. Apenas um médico, o Dr. Christiaan Barnard se recusou a desligar a respiração assistida.
Corria o mês de Natal. No dia 02, mãe e filha, esta de 25 anos apenas e a fazer carreira em um banco de referência, são atropeladas por uma pequena e, "aparentemente, inofensiva" viatura. A mãe teve morte súbita e a filha com traumatismo craniano, sendo-lhe declarada morte cerebral, horas depois, embora tivesse o coração ainda a bombear.
Já sem forças, Edward Darvall, ainda sem se refazer da má nova sobre a partida da mulher Myrtle Darvall, recebe outro telefonema do hospital.
_ O que será desta vez? Já "não caíram o Carmo e a Trindade?" Que há mais por cair? - Terá pensado sem o dizer.
Do outro lado do telefone estava jovem médico cirurgião, com PhD nos EUA, exausto, triste pelas ocorrências, mas ganhou coragem, fez o anúncio derradeiro, seguido de uma pergunta.
_ Tudo tentámos para salvar a jovem Denise Darvall, mas fomos incapazes. Todavia, ela tem um coração ainda a funcionar. O senhor autoriza que seja transplantado em um paciente que dele carece há muito tempo?
Seguiu-se silêncio. Depois uma voz entre a fraqueza e a coragem determinante de quem quer que o mundo dê uma gigantesca volta (ao nível do conhecimento).
_ Sim. Já que não conseguiram salvar a minha filha Denise, no mínimo, tentem salvar a vida de quem precisa_. Esta resposta dada por Edward Darvall ao Dr. Barnard, deu lugar ao primeiro transplante de coração humano, realizado a 3 de Dezembro de 1967. Antes já outras experiências haviam sido tentadas pelo Dr. Barnard e sua equipa usando, principalmente cães, um deles exposto no museu do coração.
O receptor, Louis Washkansky, um comerciante sul-africano de 53 anos que sofria de insuficiência cardíaca terminal, viveu 18 dias com o coração emprestado e morreu de outra causa não ligada ao coração [pneumonia].
Essa é a história que foi mostrada e contada à turma de angolanos que procuram reforçar o inglês naquelas paragens.
Atrás da colecção dos factos feitos, fotos e objectos está o curador e guia do Museu do Coração da Cidade do Cabo Hennie Joubert.
Perguntado se as sensações e sentimentos são como antes do transplante, Joubert conta que "o coração leva o sangue ao cérebro que tem a missão de amar, interpretar coordenar e ordenar as demais actividades do corpo". Falou sobre alguns pequenos cuidados que observa em termos de medicação, todavia, negou qualquer limitação física por causa do "coração alheio" que agora é dele. "Eu jogo golfe".
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Na cama: manequim do receptor |
A história do Dr. Barnard é demais conhecida. Por isso, é de Hennie Joubert, homem quase incógnito, "dono do museu" que me atrevo a rabiscar algumas linhas [História de sua vida]. É um sul-africano, de Ceres, em cujo corpo "coabitam duas pessoas," ou seja, ele e um coração que lhe foi doado em 2006, inspirando-o para homenagear o Dr. Barnard, pessoa que conheceu de perto e amigo de seu pai. Heenie afirma que "trabalhou árduo", enquanto teve excelente saúde, quando adoeceu, teve sorte de encontrar um doador. Todavia, para recompor o cenário completo da sala de cirurgia (daquela noite) tive de gastar cerca de sete milhões de Rands para conseguir os direitos de autoria das imagens e a propriedade de alguns objectos que estavam em falta para completar o cenário.
Ao assinalar-se os 40 anos do primeiro transplante humano de coração (2007), investiu pessoalmente no projecto, vendendo tudo o que tinha para montar o museu no hospital público de Cape Town, Groote Schuur, que tem ao lado uma universidade. E não foi fácil recompor as peças e produzir os manequins com as feições dos personagens reais. Até o carro envolvido no acidente, metade está no museu. O quarto da jovem Denise, os adereços, etc. A cama em que o receptor do coração se encontrava havia sido doada ao Hospital Católico Romano de Windhoek, mas consegui tê-la de volta em troca de uma nova. As luzes do "anfiteatro" ou sala operatória haviam sido doadas a uma instituição de medicina animal, foram resgatadas, assim como fotos, entrevistas do Dr. Barnard e muito mais.
Quanto à turma de angolanos, brasileiras e sauditas, da English Plus Academy, "a visita realizada a 27 de Fevereiro de 2025, foi espetacular", na medida em que permitiu conhecer uma página sobre a história da evolução da medicina humana e conhecer parte da vida daquele homem (Heenie) que vive com um coração emprestado.
O seu contrato de gestão do museu termina este ano, havendo dúvidas quanto ao destino do espólio pessoal acrescido ao do Hospital.
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Publicado pelo Jornal de Angola a 02.03.2025
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