Meu amado amigo da muxima, do peito e "das confianças", como decidimos nos tratar nos dias que correm, para diferenciar essa nossa "amizade-como-irmandade", espero que essa carta/desabafo te encontre bem. Na verdade, são aquelas palavras que sempre te quis dizer, mas que fui protelando e postergando em função desta ou daquela situação subtil e que podia, num ambiente mais aberto, macular a honra de nossas virgens-parturientes.
Como o dia é de festa, descaso e descanso, isso depende do que cada um gosta e faz nesses longos dias de ócio, decidi, no silêncio e recolhimento que te é característico, mandar-te essa mukanda.
Soube que hoje, por lá, é dia de Carnaval, merecedor de um longo período que já se vai arrastando há 4 dias de festanças e desbundas com o salário acabado de receber. Embora tu não precises deste aviso, mas tens gente à volta e conhecida que pode carecer, volta e meia, de uma forma de "remind": o salário de Fevereiro é para comer e curar-se durante o mês de Março que tem trinta e um dias.
Aqui, na South onde me encontro, não vejo Carnaval. "Somente" vocês que "amam mais a colonização mental/cultural do que o próprio colonizador" é que o vivem com a euforia de quem tem já todos os males curados. Aqui é dia normal de busca de pão. Lembraste daquela vez em que o teu filho, meu sobrinho, te perguntou "por que não estavas a levar o saco para pôr o pão", quando em vez de lhe dizeres que ias trabalhar disseste que ias à procura de pão? Pois é. Aqui é mesmo dia de procurar pão e não de beber umqombothi (cerveja caseira) como fazem os nossos kimbombeiros do México e do Sete & Meio.
Talvez por desgosto, vi a minha tetravó e todas as pessoas da sua era que me estavam a contar lindas estórias partirem sem se despedirem. Foram um a um, mulheres e homens.
Uma das lições com que fiquei, da curta conversa que mantive com ela foi que as nossas danças e os momentos festivos colectivos como as cerimónias dos "tundandji, cinganji, evamba, ekano, efundula, omwongo" e outras festas ligadas à iniciação femininas, como efiko, efundula e ufiko, ou ainda de entronização que têm seus períodos e nunca abrangeram/paralisaram o país todo.
Lembrei-me agora da expressão "izaji" do meu Kimbundu materno, que significava feriado/recolhimento. Nos nossos dias de feriado, nunca alguém simulou ter sido raptado e a pedir resgate.
Em 2019 estive na Áustria, terra alheia de brancos que pensam que o crescimento e desenvolvimento residem no trabalho e na inovação técnica e científica. Foi na semana do carnaval. Não vi nada, nadinha que se parecesse ao carnaval que vocês festejam à boca-larga e saia-curta. As pessoas foram trabalhar. Mesmo em Portugal, não se vive essa euforia dos "pretos que receberam e injectaram o ópio" no corpo, tornado perene a autodependência.
Repara ainda no que acontece nas igrejas? Os brancos fizeram o seu papel. Introduziram o ópio, eles deixaram de consumir e nós abrimos igreja em todas as esquinas. Vai espreitar quantas missas realiza uma igreja na tuga e quantas pessoas lá vão. Depois, compara com as nossas. É colonização. Só que, desta vez, o cego tem olhos desvendados, entretanto que não quer ver!
2 comentários:
Dear Soberano,
Queria saber eu do fundo meu coração de onde tira tamanha inspiração de escrita. Pelo que me pare ser um talento nato, um talento que deve ser partilhado com o mundo.
Well done meu colega😃
Mais uma vez parabéns pelo seu lindo trabalho.
I'm thankfull. Friends like u inspire me to write.
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