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segunda-feira, julho 15, 2024

KATOFE DE ONTEM E DE HOJE

Em visita familiar à Kibala (14.07.2024), cheguei a Katofe (já conhecia a vila de passagem) e procurei pela Escola Técnica Agrária que busca resgatar a áurea da localidade que fica a aproximadamente 13 quilómetros da vila de Kibala.

O que encontrei apontava para uma vila que apela por socorro. Casas, algumas, com pinturas a reclamar mais de 49 anos de ausência do pintor. Algumas sem tecto. Outras juntam à falta de tecto as porta e janelas. O que foi "casa de acolhimento dos açorianos que acabavam de chegar" é hoje casa de ninguém, ou melhor, abrigo de cabritos, mabengo, lyambeiros e noctívagos morcegos.
_ Será que se alguém solicitar a sua reabilitação conseguiria obter a cedência?
É que um motel em Katofe teria serventia, tanto para a localidade, quanto para Kibala que fica perto.

As inovações são o Complexo Escolar e a Escola Técnica Agrária que tenta resgatar a importância histórica da vila em termos de potencial agropecuário da região e do país.

Informações recolhidas na Escola Técnica de Agronomia apontam que frequentam a mesma 190 alunos, 79 dos quais internos e os demais externos.

Sendo escola básica, os alunos devem entrar com a sexta classe concluída saindo com a nona classe (ensino fundamental), sendo a idade máxima de entrada os 16 anos (saindo aos 19 para o mercado de trabalho).

Katofe, foi uma florescente vila fundada por agropecuaristas portugueses oriundos do arquipélago dos Açores (vide entrevista com Lúcio Flávio da Silveira).

Dados apontam que era profícua em leite e outros agro-produtos, registando, à entrada para 1975, autonomia em suprimento de energia e água. Aliás, o Rio Katofe, de curso permanente e facilitador da irrigação, passa ao lado, cortando e molhando as terras.

José Kassola, natural da região, conta que seu tio trabalhou na ELA (Empresa de Lacticínios de Angola), cujas instalações, em Katofe, podem ser vistas à entrada da vila (lado direito, sentido Kibala-Waku). Conta que a unidade “transformava em natas” o leite recolhido pelos fazendeiros e o transferia para a fábrica principal, no Waku Kungo, onde era terminado o processo.

“Acredito que ainda haja amostras de misturadoras, espátulas, blenders e outros restos de equipamentos que eram usados”.
Kassola diz ainda que o proprietário da E.L.A. tinha a responsabilidade de distribuir gado às famílias e essas cuidavam da ordenha. "O leite era colocado em recipientes metálicos. O meu tio António José Cassola "Kimbuze" tinha um em casa e, apesar de já falecido, e os meus primos ainda o conservam". Acrescenta que o motorista passava de fazenda em fazenda onde havia gado para recolher os recipientes, pagando o valor estipulado em Escudos para que os mesmos tivessem poder económico.
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A vila de Katofe retratada por quem a viu nascer

Lúcio Flávio da Silveira Matos é natural de Katofe, município da Kibala, Kwanza-Sul, emigrado em 1975 devido ao clima antes e pós-independência, para Portugal e, depois, para o Brasil onde, entre muitas coisas, desenvolve actividade académica em uma universidade. Lúcio Huambo, como também assina algumas de suas crónicas, é um homem que reflecte sobre Katofe e que narra, nas suas prosas e poesias, a saudade, os mitos e os cantares da terra que o viu nascer.
Em tempos (2012), o Lúcio publicou um artigo que ressaltava os homens adultos do seu tempo de meninice que deram cabo dum leão. Foi o motivo que accionou a minha já desperta curiosidade, resultando numa entrevista que tenho o prazer de publicar nesta página.
- Caro Lúcio, havia uma cidade, pequena, mas com este estatuto ganho em 1974, que é a Kibala. A cerca de dez quilómetros erguia-se a vila de Katofe com igreja "sumptuosa" e casas majestosas (naquele tempo) que comentário?
Lúcio: O meu blog inclui uma resenha histórica, intitulada "A décima ilha", escrita pelo meu pai - com heroicos 92 anos feitos em Novembro de 2012 - em que ele narra a lenta, mas sempre progressiva colonização açoriana na região do Katofe. A igreja que consideras "sumptuosa" realmente foi o último fruto de um progresso que se considerava imparável, à época. Quanto à arquitectura da igreja, teve três versões: a primeira foi uma pequena erguida sem torre de sinos (sineira) e a segunda já tinha uma torre com sinos, mas em 1964 mostrou-se exígua para o povo que a frequentava aos domingos e dias de Festa do Divino Espírito Santo, quando havia muitos forasteiros. O progresso das casas foi paralelo ao da igreja; as primeiras casas do Katofe foram de pau-a-pique, depois de adobe, e as primeiras casas de tijolo cerâmico cozido foram erigidas a partir de 1962. A casa de dois pisos no início da povoação, construída pelo Kimbaça Emílio Dias, um dos três pioneiros açorianos, era de adobe e foi construída no início da década de 1950. Ali, era a primeira pousada dos colonos que iam chegando livremente dos Açores, sem quaisquer apoios do governo português. A minha família só se mudou da casa de adobe para a de tijolo cerâmico em 1968. A luz eléctrica foi instalada na povoação em 1966.
_ Katofe era uma colónia agrícola?
Lúcio: Era uma colónia agro-pecuária, essencialmente baseada na pecuária de laticínios, que foi implantada de forma livre e espontânea por três açorianos que primeiro viveram alguns anos na Kibala. Ao se fixarem em Katofe, mandavam notícias para os Açores e assim, de forma livre, se foi estabelecendo um fluxo migratório por afinidade de famílias e não por incentivo governamental.

_ Eram os colonos todos ou maioritariamente açorianos?
Lúcio: Os colonos eram todos açorianos; havia cerca de setenta famílias originárias da ilha de S. Jorge, nos Açores. Entre os colonos havia dois da ilha Graciosa e um da ilha Terceira que casaram com mulheres jorgenses que já se encontravam em Katofe. Esses colonos não jorgenses vieram originariamente para o Kwanza Sul para trabalhar na construção dos colonatos que o governo colonial resolveu implantar na Cela (Waku Kungu), a 60 quilómetros. Contudo, ressalte-se que nos colonatos estabelecidos pelo governo inicialmente era proibida a utilização de mão-de-obra nativa, enquanto em Katofe, por ser de colonização livre, os trabalhos de agricultura e pecuária eram feitos com a cooperação de mão-de-obra nativa.
_ Qual era a ocupação principal daquelas famílias?
Lúcio: A ocupação principal sempre foi a pecuária de leite. Inicialmente, houve muitos revezes. O progresso começou a fazer-se sentir a partir de 1965, quando a ELA - Empresa de Laticínios de Angola, com sede na Cela, foi estabelecida com capital acionário igualitário do Estado, firma portuguesa Martins & Rebelo e dos lavradores das regiões da Cela e Katofe. O posto de laticínios construído em Katofe era só destinado à recepção de leite, que era encaminhado refrigerado em camião-tanque para processamento na fábrica da Cela.
_ Que outras infra-estruturas havia à data?
Lúcio: As principais infra-estruturas estabelecidas até 1974 eram a escola, o internato escolar e o posto de saúde, todos frequentados também por população autóctone. Havia previsão para estabelecimento de uma agência de Correios na década de 1970, o que não se realizou até hoje.
_ Havia uma administração da vila?
Lúcio: Não havia uma administração da vila. Os colonos organizaram uma cooperativa que era a principal voz representativa, através do seu presidente, junto às autoridades governamentais.
_ Como eram as relações entre os filhos dos brancos e dos negros de Katofe?
Lúcio: Posso considerar boas com tendência a melhorar muito. A integração era maior no futebol, com a equipa da povoação, de brancos e negros, a realizar frequentes jogos nas cinco aldeias mais próximas, à volta da povoação - Hombe, Songwe, Kikula, Kas(s)ala e Katoka; segundo relatos de quem foi ao Katofe, essas aldeias não existem mais.

_Quando foi que a vila de Katofe começou a ser fundada?
Lúcio: Penso que no início da década de 1940, com os três pioneiros André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. O André de Oliveira morreu nos primeiros anos, vitimado pelas febres, pois o terreno na época era bem infestado por mosquitos e mosca-do-sono.

_ Lembra-se dos primeiros habitantes não autóctones de Katofe?
Lú: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba.

_ Por que razão foram lá parar (idos dos Açores ou outros pontos do distante Portugal continental)?
Lúcio: Os três pioneiros foram André de Oliveira, João de Oliveira e Emílio Dias que foram inicialmente para Kibala trabalhar para o Capitão Sandão, que era um militar açoriano casado na Kibala com uma nativa negra e (possuidor de) vários filhos. Resolveram tornar-se independentes e estabeleceram-se nas baixas de Katofe porque, segundo as informações colhidas na Kibala, havia ali bastante terra livre e boa para a criação de gado leiteiro, que é a vocação primordial dos jorgenses. Depois, juntou-se a eles Vicente Teixeira de Matos, o meu pai, que foi apelidado pelos autóctones de Kilamba. O meu pai foi encontrado no serviço militar no Huambo, onde o meu avô paterno tinha uma fazenda perto do Forte da Quissala; o meu pai foi para Angola atrás do pai, tendo abandonado os estudos em Portugal, quando ia fazer o curso de Veterinária. Quando foi convidado para ir criar gado em Katofe, mal saísse definitivamente do quartel, e bem longe do pai, ele não titubeou, afinal era um jovem de vinte anos.

O Lúcio Silveira tem estado a publicar no seu blog, MUKANDAS DO KABIÁKA, poemas com conteúdo que retrata Angola e fábulas da nossa terra (Angola). O meu entrevistado não descarta a possibilidade de converter as lindas e ricas fábulas em livro impresso.

Ainda sobre Katofe, o Pe. Abel João e Domingos Raul da Silva dizem, no livro BREVE HISTORIAL DA MISSÃO CATÓLICA DA QUIBALAO" que "em 26 de Setembro de 1949, no Cartório Notarial da Comarca de Nova Lisboa (Huambo), foi assinada a
escritura de fundação da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária, 'A Açoreana', com sede em Catofe, área do Posto Sede de Concelho de Quibala. Os Estatutos da Cooperativa foram publicados no Boletim Oficial da Província da Angola, III Série, nº 48, de 1 de Dezembro de 1949. Foram dezanove os fundadores".

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