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sábado, fevereiro 29, 2020

O NJANGO DOS "PECADORES"

Está situado numa zona plana, de fácil acesso e aonde se dirigem todos os caminhos da City Center. No seu interior, aguardam-nos mesas, sofás e sorrisos convidativos. A luz é tosca. Leva à impressão de se tratar de um lugar semi-escuro, onde a intimidade parece estar salvaguardada. A música, sim, é quente. Animada e mexida, ou melhor, faz todos se mexerem em movimentos que vão do simples contorcimento do corpo a outros mais ousados, mais eróticos que fazem erguer fechas e inundar cascatas. Diria: o ambiente é mesmo caribenho. Alguns homens chegam acompanhados. Outros apenas indicam o lugar do encontro e aguardam, enquanto "chicham" (essa nova moda de fumar sem cheirar fumo), pelas donzelas que tornarão sua noite diferente, talvez mais quente ou nem isso.
Essas, dengosas, prontas ao combate e insinuando batalhas campais, chegam dóceis e provocadoras. Lábios carnudos e avermelhados, cabelos longos que escondem maracutaias e "viradas" de matar o cavalo...
E nas algibeiras e carteiras... não queiras espreitar. E todos, perdidamente todos, se entregam desalmados aos copos e aos corpos como se dia seguinte não houvesse. É assim no Cubaña. Cape Town, 2020.

sábado, fevereiro 22, 2020

LALAMA: TÃO PRÓXIMO E TÃO DISTANTE

Zona ribeirinha ao rio Zenza, em Icolo e Bengo. Tão próximo, mas também tão distante.
Zona agrícola, próxima de Luanda, onde imperam casotas feitas de chapas. 
- Será pela facilidade de sua montagem ou uma cultura "arquitetónica" que se instala entre os meus "conterrâneos" catetenses? 
Ao que pude ver, naquele rio e naqueles angolanos não correm apenas água e sangue. Corre também o desejo e o empenho  de todos os dias de irrigar a terra fértil e alimentar as comunidades, as vilas e a grande cidade.


Zona "tão distante" de nosso curto imaginário que durante décadas fomos inculcados a cultura de impossibilidade da agricultura em Angola, nem mesmo à volta de cidades (por causa das minhas: uma per capita), tudo para alimentar o bolso com os desvios da importação. 

Tão distante para gente que pensa que a agricultura familiar precisa ser feita com muitos recursos subvencionados pelo Estado magro que já mama na teta do arruinado cidadão. 

Tão longe, Lalama, nas mentes de gente que nas suas cercanias ergueu luxuosos risorts e quintas de fazer turismo para que os exauridos, extorquidos e distraídos com festas de "sempre a subir e tchilar" não descobrissem onde repousam os dinheiros da sua fome e miséria imposta pela falta de patriotismo dos que se colocaram no leme do navio.
Em Lalama, antes terras agrícolas de mamãs "tembuás" sem trabalho em casas de sô ´tor ou funcionários da administração (Catete de Cima, Catete de Baixo, Domingos João, Kinzau, Mazozo, e etecetras), observei um cruzamento de procedências:
- Eme ngangw'Epala-kya-Samba, Kotofe katundu (sou da Kibala vim de Katofe).
- Ame nda kitiwila ko Vye (nasci no Bié)
- A ngivalela ku Kaxikane, ngeza mu sota wengi (nasci em Kaxikane e vim procurar negócio)
- Yami nguli kacokwe. Cihunda ca Nuryeji (Sou procedente de Muryeji, sou kacokwe)

É. Lalama mostra em miniatura o que Angola precisa: mulheres e homens que trabalhem e que digam não à ociosidade e ao furto da banana e mandioca alheia!


Observei atento, o que um (hoje) desconhecido investidor (meu filho disse que só podia ser branco pelo tamanho das edificações) erguera em Lalama. Casa de dois pisos e um miradouro, campos irrigados, no vale do Zenza, pocilgas e casas para "assalariados" ou contratados (escravos camuflados doutra era) que ali trocavam suor por peixe, fuba e cobertor. Bem podiam ser aproveitadas as instalações e revitalizados os campos de produção intensiva e permanente. Mas o fogo da revolução, o "partitudismo" que a "independência trará coisas novas e melhores", tudo derrubou, obrigando as pessoas a começarem do nada.
Também conheci, finalmente, a rodovia que liga Viana-Catete-Kifangondo-Cacuaco-Viana.
Tão próximo, mas também tão distante (para quem não anda)!

sábado, fevereiro 15, 2020

UM ÓPIO CONTRA A FEROCIDADE LIBERAL CAPITALISTA


No "capitalismo liberal", segundo politólogos, impera a soberania do mercado e do eleitor.
Por outras palavras, há liberdade e sem intervenção política na economia que é "governada pela lei do mercado de bens e serviços. Quem escolhe os políticos é o cidadão eleitor. 

Quando o político não intervém, prosseguem os pensadores políticos modernos, é um "laissez fair" que "obriga" o político a pensar no legado para a próxima geração em vez de pensar na próxima reeleição. 

O sistema capitalista, mesmo que liberal, tem, porém, seus males. Os ricos (detentores do capital), com a exploração dos pobres (força de trabalho), tornam-se mais ricos e os outros (explorados) mais pobres. Isso leva as pessoas a olharem simplesmente para si e não para os outros. 

A aposta em programas sociais ou de nivelamento social é fraca ou inexistente, resultando em muitos indigentes. É o que constato nas ruas de São Paulo.

Entretanto, perante situações dessa natureza, é preciso encontrar mecanismos para entreter ou distrair aqueles que, sem oportunidade de mudar o quadro, se entregam ao proxenetismo, ociosidade por falta de ocupação, mendicidade e outros males. Surgem os "ópios" sociais.

A Avenida Paulista, que abre aos domingos, das 10h00 às 18 horas, é um desses meios para distração/lazer/turismo. Aos que sobrevivem, é um ópio. Aos que vivem, proporciona lazer. Aos visitantes de outros Estados, é espaço para lazer, sendo toda ela, nos seus perto de 3 quilômetros de extensão, uma festa no horário acima apontado.

E o pobre, que já é pobre, queima as únicas moedas que serviriam para a poupança, o pão ou mesmo o transporte para nova e penosa jornada da segunda-feira imediata.
É o ópio que faz olvidar a própria existência humana!

SP, 20.10.2019

sábado, fevereiro 08, 2020

UM XIXI QUE ME ATRASOU 6 ANOS

Corria o ano de 1978, "Ano da Agricultura" nas denominações daquela época. Todos os anos, a minha mãe visitava os seus irmãos em Luanda: Ferreira Ganga que cuidava de Alberto Canhanga, levando, sempre, um galo grande para presentear o irmão kasule que "passou de ano"(acadêmico).
A viagem daquele ano, iniciada no Lussusso, tinha já perto de 30 quilómetros feitos, a caminho de Luanda. Estávamos já na pousada do alemão Walter Kruk, também conhecido por Ngana Mbundu. Nunca tinha visto, de uma só vez, tantos carros, autocarros, pessoas com ares de importantes, camaradas chefes e brancos que não tinham sido colonos.
De repente, aquele ambiente, primeiríssimo na minha vida, encheu-me a bexiga, ao ponto de me aliviar nos calções,  ante a incontinência momentânea e, eventualmente, algum mutismo.
  • Falo Kimbundu num ambiente em que todos falavam português e outras línguas estranhas (eventualmente alemão)?
E, como "é o dedo que contém ferida que mais tropeça nas pedras", para o meu azar (desconheço as razões até hoje), a minha mãe abortou a viagem, regressando à Fazenda Israel (próximo da actual aldeia de Pedra Escrita, Libolo) onde vivíamos há poucos meses, saídos do Kitumbulu.
Passaram mais seis anos, até que, forçados pela Unita, em 1984, fui "contemplado" com a viagem que me fez conhecer Luanda, sendo as minhas irmãs mais novas quem sempre acompanhavam a mãe à capital, gozando comigo, em cada regresso, entoando a célebre expressão: ewô, mu Lwanda úwabe!
  • (Quão linda é Luanda!)
Passados 41 anos, posto em Cape Town, ponho-me a ver os encantos dessa urbe e a imaginar o que se pensava de Luanda por aqueles que não a conheciam.
Se seis anos depois do "fatídico" mijo cheguei à capital, ainda creio que com empenho e boa governação, em menos de sessenta anos poderemos aproximar Luanda à sua congênere sul-africana,  em termos de benfeitorias sociais e serviços turísticos, fazendo com que quando os nossos responsáveis provinciais forem questionados por seus superiores, os governantes, sobre os serviços e produtos turísticos em cada região, deixem  de confundir o turismo "indústria da paz" com os carros para turismo, como respondeu um certo responsável provincial ao seu ministro.
- Então,  senhor delegado provincial, como está o turismo?
- Chefe, ainda estou mesmo a andar com aquele camião que está  a ver aí à frente. O turismo avariou!


Texto publicado pelo Jornal de Angola. 18.09.2022

sábado, fevereiro 01, 2020

CAMINHANDO POR "ANGOLA EM PAZ"

Depois de um périplo que os levou ao Médio Oriente, Ásia, América e Europa, já no fim do percurso e com estala em Lisboa, Mangodinho e Niva (que ganhou o nome por via daqueles carros soviéticos que sucederam os Lada=levamos analfabetos destemidos angolanos; Não importa, vamos alfabetizá-los=Niva), discutiam sobre as cidades e países evoluídos e aqueles que "estavam a apenas um metro de ANGOLA" como é o caso da cidade que Mangodinho chamou de "Angola em paz".
- Isso aqui, deixa só - dizia Mangodinho - em comparação com o que vimos, está com nada. Nada mesmo. Isso é, no meu entender de pessoa viajada, Angola em paz!
- Mas, Mangodinho, Angola já está em paz e ainda estamos a patinar para chegarmos a esse patamar. - Ripostou Niva, jovem reguila nos debates de não deixar conversa adiada.
- Patamar. Patamar de quê Niva? Patos no mar se calhar eles têm. Patamar que é de estar acima dos outros, nada. Nada que se vê. Já que achas que não é Angola em Paz, então fica só Angola sem maribondos-sanguessugas-do-erário. Quando limparmos a casa com o exemplo da Singapura que partiu sem dó nem piedade contra os larápios, garlas e peculadores vamos, sem demora, atingir o degrau deles e lhes espetarmos de rajada, uma cinco voltas de avanço!
Niva preferiu puxar a cara para outro lado e soltar um pouco do sorriso que forçava os lábios com vontade de sair.
- Oh, Mangodinho! Achas mesmo que em dez, vinte anos chegarmos a ter ruas limpas e sem buracos, árvores saudáveis e não atropeladas pelos carros, carros limpos e sem deitar fumo, prédios pintados e sem esgotos a transbordar, comboios superficiais e undergrounds, ciclovias e postos de carregamento eléctrico, nas ruas poucos jovens, muitos velhos e poucas crianças e grávidas?
- Vendo bem, Niva. Tocaste num bom ponto. Só cavavós a andar sôfregos pelas ruas, tipo aqui, não precisamos. O resto é questão de luta-contra-bandidos. Mas o ponto afiado da tua colocação é mesmo a ausência de grávidas. Porra! Quê quêsses mizangala todos saudáveis e a mostrarem músculos nas caminhadas andam a fazer às noites? Só futebol, birra e tabaco? Têm de ir aprender connosco. Isso sim. Vamos propor no relatório...