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domingo, fevereiro 21, 2016

D0 ALTO DA CELA E TUNDAVALA


Crónica 03
Contemplo a maravilha que a natureza nos oferece complementada pelo engenho humano e vejo quão imensa é a cidade de Luvangu. Não tarda, chega mais uma viatura com dezena de crianças a que se seguem outras de jovens excursionistas. O espaço ganha vida. Corre-se à volta como se procurando por algo.
- Não há cá balneários públicos? – Atira um dos turistas desejoso de desfazer-se de líquidos ou sólidos transformados em pasta.
Abro a minha caixa de recordações e voo até à “Mesa Montanha” da cidade do Cabo e projecto aí um “cable” e todo o apetrecho turístico como loja de conveniências, restaurante, café e um Motel erguidos com material local e sem beliscos ao meio natural. Um pouco desgostoso, já a caminho da Humpata, para ver a Leba, reparo que o restaurante e a loja de conveniências com que sonhei ficaram pelo alicerce.
- “Table Moubtain" nacional, ainda vamos a tempo, se os que têm dinheiro e aqueles que decidem quiserem. ‘ Falei aos botões.
A observação não se distancia da Tundavala que desperdiça a sua enorme paisagem.
- Só falta mesmo quem decida erguer instalações que alimentem o turismo. – Murmurei ao Martins que acrescentaria:
- Organizar transporte da cidade ao miradouro, cobrar taxa de usufruto, impedir que se suje a área com detritos humanos, latas de cervejas e refrigerantes ou ainda marmitex. Empregar guias que expliquem cada um daqueles recantos ou colocar em cada atalho placas informativas sobre a história do local e sua subdivisão espacial. Recrutar fiscais, fotógrafos e instalar o que atrairia e reteria mais gente ao espaço turístico e recreativo: restaurantes, cafés, lojas de souvenirs, albergaria rústica, toiletes, etc. Com tudo isso, ou mesmo metade, não mais nos espantaríamos com o Cable e Table Moutain de Cape Town. – Concluiu como que conhcesse a Raibow Nation.
Quem visita Luvangu e não vai à Leba é como ir a Roma e não chegar ao Vaticano. Dizem. A estrada que desafia a escarpada serra da Leba é uma "serpente" enrolada sobre a montanha vertical. A natureza fez a sua parte e o homem engenhoso complementou com a escada sobre o "edifício" de dezenas de andares. Que maravilha!
Pena é não se ter erguido ainda no local espaços para reter o turista, depois de saciado pela natureza circundante.
Ainda do alto da Leba, depois de pagar a portagem de Kz 150.00, contemplo a sua raridade e me recordo de um velho sonho: descer e subir ao volante de uma viatura.
Ensaio a fiabilidade dos travões e engato uma mudança intermédia, combinando força e velocidade que não passava de 40 Km/h no início da odisseia.
A meio do percurso, um camião tractor geme pesado e cauteloso, pressionado pelo bloco de mármore que há-de trazer divisas ao país e ornamentar um edificio num país qualquer.
- Quão bom seria se tivéssemos já indústria de beneficiação das rochas ornamentais. Deixaríamos de vender comodities baratas e comprar refinados caros! – Atirou o Martins que sabendo onde trabalho aproveitou provocar-me sorrateiramente. Mas é para a descida da Leba que concentro todo o meu talento e destreza.
É já em território do Namibe que os fóbicos da Leba engolem despreocupados ar puro.
- Ebenezer (até aqui o Senhor nos ajudou)!- Foi a frase que ouvi do meu companheiro de viagem que soltou poucas palavras enquanto eu pelejava contra as curvas e contracurvas numa espécie de espiral regressivo. Nem mesmo os batuques, os recipientes para a ordenha, os cacetetes (porrinhos), estatuetas e outros artefactos de madeira expostos em venda, ao longo da parte final da descendente Leba, despertaram a atenção do Martins que apenas reagiu aos meus beliscos verbais quando deixou de ver curvas à frente. Cinco quilómetros abaixo da Leba, depois de uma vasta mata de mulolas espinhosas, se estende o Mercado das Mangueiras onde matámos a fome e a sede. A carne, assada em tiras finas espectadas em palitos, custava Kz 150.00 ao passo que uma perna de galinha rija custava quatro vezes mais.
- Mas aqui, com tanto gado, a carne é assim tão cara? – Questionei à vendedeira que atendia pelo nome de Fernandinha. Era também o nome gravado à entrada da barraca.
- Senhor, é a crise. Até o preço da taxa subiu!
Fazia sol de assar sardinha e o mar que distava perto de uma centena de quilómetros fazia o convite: “Venham também ver Moçâmedes”.
- Desculpe-me Namibe, mas não será desta vez o nosso reencontro! – Despedi-me, forçado pelo relógio que corria apressado. Havia ainda a cascata da Xibya (Chibia) por explorar e fizemo-nos de regresso ao Luvangu, com curta paragem na Humpata onde o gado bovino, as maçãs, as peras, o trutulho e o bom clima convidam o turista a uma contemplação do belo. Ponto de passagem entre Luvangu e a Leba que nos conduz ao Namibe, Humpata é também um local turístico e de recreação. Tem um mercado municipal recheado de frutas de vontade e pousadas com camas fofas.
Chegados à grande cidade do sul, o caminho seguinte foi o que dá ao Kunene.  Perdidos entre as mulolas e rios caudalosos em tempo de chuvas fartas, mas que se tornam desérticos em horas seguintes, precisei de tradutores para "assuntar" que precisava de fazer fotos com as mulheres mundimbas trajadas a preceito. Estava na Xibya (Chibia), famosa pelos seus campos agrícolas onde se haviam estabelecido colonatos luso. Conta-se que Sá da Bandeira, nome por que fora baptizada a capital huilana, ter-se-á enamorado pelo clima da Xibya... 
Dois tradutores de ocasião ajudam-me a transmitir a ideia, na língua nativa, às mulheres mundimba que ignoram o idioma trazido por Sá da Bendeira e conterrâneos.
- Ele veio nos visitar e quer tirar fotos para recordação. Também promete dar algum dinheiro para os que ficam comprar recordação. - Terá dito, mais ou menos, um dos tradutores, antes de reclamar: - eu que estou a “assuntar” com as mamãs também me põe na conta da recordação. A ele se juntou outro jovem, também pretendendo a boleia da tradução.
As senhoras, caprichosamente trajadas em seus panos e bijuteria de misanga (missanga na grafia convencional) ao pescoço,  acederam sem resistência. Até apareceram mais do que as minhas previsões, mesmo sabendo que a quantia prometida era, para mim, irrisória. Mulher mundimba também gosta de se ver na foto registada e guardada na memória do telefone. E foi o que pediram.
Havia prometido dar cem kwanzas a cada uma das cinco senhoras que contactei inicialmente. No fim, lá estavam onze mulheres. Para manter o que anunciara paguei mil e cem às senhoras, juntando mais duzentos para os dois homens  que ajudaram a manter tangíveis os discursos.
No momento de despedida, soaram rajadas de palmas. Todos agradecidos. Numa picada interior da Xibya (Chibia) onde quase nada se compra, senão as misanga (plural de musanga) e o álcool que "afugenta" o frio que vai e vem sem parar, onde a água pluvial corre furiosa da montanha para lado desconhecido, de tanto não poder adentrar o solo pedregoso, cem Kwanzas terá sido dinheiro.
Não foi dia de turismo. Caminho não havia para chegar à tão recomendada cascata que, afinal, estava antes, na comuna da Huila. Também guias turísticos e bons entendedores da Língua de Camões estavam raros.
Do turismo passamos à aventura. É que nem a Maria (viatura) decepcionou na transposição dos obstáculos pedregosos, quanto não lamacentos, que se apresentavam na picada escarpada que risca a nuca da montanha que se estica da Xibya ao Namibe. Regressados a Luanda, verifico de novo o contador de distâncias e este me informa: consumidos dois mil, trezentos e quarenta e nove quilómetros. Bem haja turismo!

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