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sexta-feira, novembro 23, 2012

CARTINHA DE LEMBRANÇA

Li no face book que o meu primo e pessoa em quem sempre me revi para formatar a minha personalidade e profissionalismo viajou para a Ásia. Gostei do facto dele ter escrito, anunciando no face,  que tinha feito escala num país da Ásia Menor e que rumaria a Singapura.
Lembrei-me dos tempos em que quem viajava tinha que trazer malas e sacolas de lembranças. Eu também já exigi lembranças e, uma vez chegada a minha vez de fazer a primeira deslocação ao exterior, também “sofri” da obrigação de trazer lembranças para amigos e familiares.
Eles, os que recebem,  se sentem reconhecidos, valorizados e muito mais. Quem traz vê-se forçado a pagar excesso de bagagem, visitar feiras em que se vendam quinquilharias e outras peças de menor preço, etc. Eram essas e outras “cenas” que levavam muitos ministros e directores angolanos à feira do Relógio, em Portugal, vestidos de “meninos”, vasculhando fardos e regateando valores com “feirantes ciganos”.
Felizmente, os tempos mudaram. Agora qualquer um vai ao Dubai, à Namíbia, a Ponta Negra, ao Rio e São Paulo, à China, etc. Porém, não é tão peculiar os angolanos de baixa renda viajarem para a Singapura. Por isso, fiz a cartinha que o meu mano  (você já a está a ler) vai ler com saudade de tempos que já lá se foram.
“Ah, Kota! Você vai a Singapura e "num despede mais" teu aluno da 2ª classe, na escola grande da Terra Nova?


Pedra Escrita, Munenga, Libolo
Olha, Kota! Até da sala ainda me lembro. Era a nº 18 e eu era o delegado, depois dos colegas todos terem destituído o Kito que não sabia fazer lista dos colegas barulhentos. Eu, modéstia à parte, e você sabe, era o mais ”esperto” da sala e até me nomearam chefe de Brigada da OPA. Naquele tempo de partido único, em que era proibido (para gente distraída) o jogo de influências, você ainda disse que eu era teu irmão e não podia ser “chefe” da sala. Mas os colegas todos disseram não pode ser. O Luciano é o mais esperto da sala e tem de ser ele o delegado. O Kota já não se lembra mais? Foi em 1984. 

Lembro-me também da porrada que o Kota me dava por causa do pão. E, como o tempo é inimigo da história, vou lembrar-lhe um pouco dessa cena:

O pão era vendido no depósito, ali no Rangel, junto ao “supermercado Kiluanje. Eram necessárias “bichas” (filas) madrugadoras e ja havia caenches que eram os "donos do depósito", tínhamos que ser "bons putos" dos caenches para que nos facilitassem à vida. O kota Ténnis (Raimundo) era um deles e, às vezes, eu tinha que lavar a loiça dele (em casa dele) para me ajudar na luta para a compra dos pães no depósito do Kiluanje.

Havia o Man-Domingo e o irmão dele. Estes eram mesmo já um "ka-bocado" bandidos daquele tempo. Ameaçavam e batiam mesmo. Uns chegavam a se "mbelar" (ferir com facas ou pedaços de garrafa). E eram temidos. Quem não se punha em pé quando o Man-Domingo ou o irmão dele falassem? Essas cenas o Kota não sabe porque ficava `mbora em casa a preparar as matérias ou a dar aulas. Eu é que ia lá "me enfrentar" na bicha do pão.

Felizmente os tempos mudaram e os nossos filhos também já não têm necessidade de passar por isso. Vivem em casas boas e não naquelas de pau-apique do Kaputu, deitam mais comida do que aquela que realmente comem, têm muitos livros em casa e não lêem nenhum, gastam mais em um dia do que nós gastávamos em um mês, têm internet e telefones quando eu era o vosso recadista... Lembra-se o kota das vezes em que me mandavam transmitir recados ou levar bilhetinhos às vossas amadas? Nem só me davam Kz 5 para o autocarro da ETP/TCUL...  

A minha hora de entrada na escola era às 10 horas e tinha que sair de casa às 9h30, com ou sem pães. Havia dias em que comprava pães e chegava tarde a escola. Ganhava porrada por chegar atrasado às aulas. Outras vezes não chegava a comprar pães porque o carro, um IFA-Robur, chegava tarde ao depósito do Kiluanje, depois de passar pelo do Brisa e o da rua 18 da Comissão do  Rangel. Nesses dias, em que ia para casa sem pães, normalmente, não me atrasava na escola, mas a surra esperava-me em casa. O kota que era o meu "camá pressor" gostava de pão!

Os tempos eram de guerra e a violência fazia morada até nos lares. A educação/instrução era à base da força/porrada. E todos aprendíamos e nos forjávamos de acordo à psicologia da força que imperava. E ninguém reclamava daquilo. As mães, sobretudo a minha, gostavam quando me impusessem a lei do porrinho (se calhar, dentro dela, dizia que "com fogo e martelo se tempera o ferro" e fiquei mesmo temperado!). Quem não gostava era mesmo a mãe Nzumba, a mãe do Kota que já está velhinha mas sempre carinhosa e lúcida, era ela quem mais me acudia na hora da porrada.

Mas, kota! Ia me esquecendo do motivo desta prosa: aqueles sapatos que me deu quando veio da Checoslováquia, em 1990, já “se estragaram ´mbora. Me traz lá só outros".

Olha, Kota! Lembro-me também dum "ka-rádio" de marca Philips que havia lá em casa, no Rimbe. O Kota deve estar lembrado também. Tinha a inscrição, na parte de trás, "Made in Singapure". Este pequeno país da Ásia, que o Kota visita hoje, lembra-me o rádio Philips e o Toshiba que o avó Soares Kazenza desmontou para ver o branco que estava a falar dentro dele. 

Sei que a Singapura é um país muito organizado e industrializado. Por isso mesmo, se o Kota vier só de mãos a abanar, sem lembrança, vamos "firmar inimizade. Lá no Kaputo eu dizia aos meus amigos “vamos se cortá mô inimigo".

Pronto, Kota Sabalo-a-Soba, faz boas viagens e traz lembrança, mesmo que sejam contos sobre a vida em Singapura".

2 comentários:

JM disse...

Não a propósito desta postagem, mais sim da postagem A LINGUA DA KIBALA E A CARTA QUE SUBSESCREVO, no blogue, ENSAIOS: Comunicação, Etnografia e História , eu comentei o seguinte: Parabéns por partilhar este importante estudo...

Sff, o que significa kianba Uingui. Pois assim me chamava A minha avo Ângela Kissala, originaria de Calulo. Eu quero saber, podes dizer o significado?

Atentamente,

Joaquim de Marcos
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Ps: Também envie-te um email intitulado, Amizade e Parceria, por que tardas em responder?

Anónimo disse...

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