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segunda-feira, fevereiro 22, 2021

ANO DA PAZ E INTENSO TRABALHO

A paz que temos veio da guerra e não aquela que saíra da mesa de Bicesse (Pt), depois de forte pressão "fungutária" a toto-o-terreno.

A começar o ano, ainda nos primeiros dias de Março fui ao Luena em reportagem já "bastamente" narrada noutros escritos. O "Jonas Enyala" morrera nas chanas do Leste, em Fevereiro de 2002.
O ano capicua (2002) tornara-se de intensa actividade, política, diplomática, humanitária, social, reconstrutiva, educacional, religiosa, etc.
O País iniciava a mexer-se em todos os segmentos e para todas as direcções.
Iniciado o Curso Propedêutico de Língua Portuguesa, promovido pelo Sindicato de Jornalistas Angolanos e Universidade Católica de Angola (calculo que tenha sido de seis meses), tive muitas saídas em reportagem para o interior e exterior. Em Portugal, o Governo realizou uma actividade, virada aos "mais de cem mil angolanos residentes na altura", para mostrar-lhes o caminho da volta. Só ao Luena acabei indo mais duas vezes. Tal levou-me a algumas faltas ao Curso, que foi organizado e realizado com excelência. Porém, levei sempre comigo os apontamentos e discutia com o professor (calculo que Dr. Luís Manuel João) e os colegas os temas em que tivesse encontrado dificuldades.
Terminada a formação, aos que tiveram aproveitamento e presença efectiva foi entregue um Diploma. Aos que tiveram aproveitamento e faltas uma Declaração.
Para além da minha entrega permanente ao estudo dos assuntos morfo-sintáticos da LP, essa crónica vai aos que me chamam "finório" ou duvidam quando faço correccões ou ministro aulas de LP.

sábado, fevereiro 13, 2021

A ESTÓRIA DA CARTA AMARROTADA

Estou a imaginar o veado que lhe mandaram entregar a carta ao leão faminto. Chegou numa banda e encontrou o coelho.

- Puto coelho, você que corre bué, leva só essa carta àquele cota que fica mau à toa. Vou te mixar.
O coelho recebeu sem refilar, mas sem como entregar. Meteu a mukanda na algibeira e amarrou cinturão, para não perder a missiva. Foi ter com o macaco.
- Mano macaco, faxavor. O mano veado me deu essa carta para o ti leão.  Ele estava a teketar e me obrigou a levar a carta mas eu também tenho mbora minha kagunfa. Ele disse que se entregar vai me mixar. Me faz lá só favor. Se eu ainda soubesse trepar... Kota, como o ti leão está debaixo daquela árvore (estás a ver ali, nê?), o kota sobe nessa árvore que tem bué de galhos, apanha a outra e vai, de galho em galho, até chegar. Quando estiver bem em cima dele, eu vou gritar para lhe distrair e o mano deixa cair a carta. O pagamento que mano veado me prometeu, você fica com 60 milhões e eu fico com 40. Faxavor, mesmo mô kota.
E assim procederam, razão pela qual, a carta do ex-PR chegou muito amarrotada.

(Carta do ex-PR, JES ao Presidente da AN de13.01.2020)

sexta-feira, fevereiro 05, 2021

ESCAPARAM ME PORRADAR

Essas coisas de viajar sem o atavio que ao olhar dos outros importanta o indivíduo, ou seja enfatado, às  vezes te pocalizam.

Fui mbora bem ao Uige: Viagem longa e prazerosa, Luanda, Úcua, Mobil (onde há cruzamento com estrada que vem de Kibaxe), Vist'Alegre (que ficou triste por causa de não repintarem as paredes nem reparar as portas e janelas partidas), Aldeia Viçosa (que parece preguiçosa), o talo Carmona (do antigamente), Negage, Bungo, Damba, Nsosso, Kibocolo, até na prrróprria Maquela do Zombo dormi lá.
Por acaso fui mbora bê, bem. Sem problema, sem pocalização, na ida. Até mesmo quando o carro acabou mbora de estragar, na aldeia de Kimanga, só umas mamãs é que escaparam me pocalizar, através do Kimphutu que não falam e do Kikongo que não gloso. Porém, com o soba, onde me dirigi para explicar ao Mbuta Munthu que o carro "caba mbora de estragar e vamos lhe deixar nos cuidados do papá, para vir lhe buscar outro dia com outro carro" não tivemos dificulidá, dificulidade.
Falámos bem, deixei-lhe lá um kadois mil e outro kadois mil dei aos jovens da aldeia que iam cuidar do cá, do carro.
Homem alheio. O soba só me perguntou.
- Mas ó chefe, ó papá. Assim mesmo que cabo mborra de te ver, corração me falou você é homem grande na capitale. Eu pode ranjá corda de tractore. Porquê num puxa devagar, devagar até no Carmona?
- Esse carro para sair daqui tem que vir outro para lhe levar nas costas (rebocador). Se lhe puxar, volante dele fica duro e pode acidentar. - Respondi "no" papá que me pegou no ombro, apoiando o que lhe disse.
Entendemo-nos. Se entendemos, no bom linguajar local, e fomos à casa do administrador comunal de Nsosso aguardar pela viatura procedente da cidade do Uige. O camarada Mwanza recebeu-nos com muita alegria. Até recarga (mandioca e ginguba cruas) deu-nos para entreter a boca, enquanto aguardávamos. Eramos 8 pessoas e precisávamos de dois carros.
No dia seguinte, o nariz quase quase a sentir o cheiro de Luanda, o Uige jtinha ficado atrás, havia quilómetros e quilómetros. Chegámos numa tal banda que chamam é Mobil (assim mesmo me disseram quando perguntei):
- Ó mana que vende jaca, como se chama essa aldeia?
- É Mobil. Aqui param os carros que saem da capital (Luanda) de Kitexi e Kamabatela e do Uige para conferir teste. Agora me compra já jaca.
Comprei. Enquanto passeava os olhos pela floresta de árvores verifiquei que se fazia outra floresta de pessoas que estavam a ser paradas. Umas tinham testes à covid-19 e lhes mandavam seguir. Eram poucas. Outras, por causa do feriado, estavam a ir visitar os seus papás que deixaram nas bwalas e iam sem testes. Como era feriado grande, o governo decidiu que quem quisesse sair da capital (Luanda)podia fazer o teste pelo caminho ao preço de seis mil kwanzas. O povo gostou e meteu-se à estrada. As filas recordavam o tempo das colunas.
Mas foi a minha curiosidade de fazer foto na placa que indicava as distâncias até Caxito e Luanda que fez o jovem bombeiro confartar-me.
Primeiro pensei mbora bem: aqui no interior a autoridade te faz proibição ou exigência sem conhecimento da lei. Vou fotar somente no lado que não tem pessó, pessoa. Virei de costas para a floresta de pessoas e olhei para a floresta de árvores e fiz a foto. Crásh.
De repente, um bombeiro jovem, kamiúdo tipo tem vinte anos, veio dizer-me:
- Mais velho, senhor, não sabe que é proibido fazer foto?
- É proibido fazer quê? Você também não sabe que é proibido proibir sem mostrar ou citar a lei? Mostra a lei ou vai chamar o teu chefe.
O rapaz ainda tentou me ordenar:
- Então apaga só a foto para não ter maka.
- Ter maka? te duvido. Não fiz pecado contra a lei. Me mostra a tal lei que proíbe fotar estrada. - Lhe falei mesmo caralmente.
Enquanto isso, os que iam ao campo enfatados, nessa mania de querer mostrar que gente que migrou veste e vive diferente dos papás e mamãs que cultivam a banana e matam kambwuiji para aumentar a banga na cidade, estavam mesmo a se fotar e fotar o makoso ou Kimpyato (lagartas comestíveis) estendido a beira da estrada.
Lá veio o polícia mais velho. Era magro e farda gasta de tantas lavagens. Tinha três estrelas em cada ombro. O rapaz explicou primeiro (ele é autoridade). Fiquei só a mexer a cabeça, ora de acordo, ora em desacordo. Vertical ou horizontalmente. Depois foi a minha vez de explicar.
- Mano, chefe polícia. Quero mostrar à minha família onde estou. Fiz foto naquela placa aí. Pergunta-lhe ainda se fiz foto no lado do controlo. Não fiz. Foi ali, na placa. Agora se é proibido, a pessoa sai de Maquela até Luanda não pode fazer foto, me mostra a Lei. Já agora, eu sou fulano de tal. Dá-me também seu nome para que possa reclamar do vosso acto junto da vossa chefia em Caxito.
O polícia, intendente-chefe, entendeu e disse:
- Se o chefe fez mbora foto na placa não é crime. Pode seguir o teu caminho.
Chegados a entendimento e para que não houvesse dúvida, mostrei a foto que não mostrava a floresta humana.
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Publicado pelo Jornal de Angola a 14.02.2021.

segunda-feira, janeiro 25, 2021

O SECRETISMO DE BICESSE E A FUNGUTA A TODO-TERRENO

O ano de oitenta e nove "me acabou" como "recua". Estava em Kalulu, alojado no Lar de Estudantes da Missão Católica e estudando a sexta classe. A escola Kwame Nkrumah tinha dado férias de Natal. Na noite de 24 para 25 de Dezembro, os homens da Unita atacaram a Vila.

A viagem que seria normal, para ir passar as férias natalinas com a família na aldeia de Pedra Escrita, tornou-se viagem de fuga a pé. Foram 42+26+35 quilômetros, nos trajectos Kalulu-Munenga, Munenga-Pedra Escrita, Pedra Escrita Mbabgu-Yo-Teka.
É que, chegado à aldeia de Pedra Escrita, onde residia a família, três dias depois, chegaram os homens de quem tinha fugido e fui refugiar-me na aldeia natal de minha mãe, mais no interland.

Movido apenas pelo extinto de sobrevivência e vontade de estudar, carregava comigo uma pasta com os livros e cadernos, poucas roupas e um lençol e uma toalha. Fugir de homens da mata e que matam e esconder-se na mata era nada!

Em todo o país, a funguta ou kitota era intensa. Dizíamos que "o inimigo quer nos acabar". Afinal, queriam apenas mostrar que estavam presentes e conseguir ter voz à mesa de Bicesse, de onde nada saia para o povo fustigado. Porra! A guerra era demais!
Nós, em Kalulu, não sabíamos que a paz estava a ser negociada em Portugal e que a guerra estava para terminar.

Em Kalulu, os professores brigadistas, idos de outras terras que a guerra fazia distantes, decidiram voltar às suas vilas e aldeias por causa da "situação militar calamitosa". A guerra era demais. Todos os dias atacavam ali e acolá. As escolas todas estavam a fechar. As vilas estavam a encher de pessoas sem comida e sem casas. Num quarto e sala podiam estar abrigadas mais de dez pessoas. Cada virava-se como galinha solta que esgravata a terra e debica o que vê.

- Ano que vem (1990-91) não vai haver sétima e oitava classes. - Disseram e cumpriram os professores brigadistas. Fernando Kapequele, que fora meu mestre de Língua Portuguesa, era um deles e viajou comigo na fuga final para Luanda.

Nós que estávamos a terminar a sexta classe era "se desenrascar". Quem tivesse família em Luanda devia já preparar macroeira para viajar e ir "se matricular na Ngimbi".
- Vou-me embora. - Decidi ao terminar o ano lectivo.

Rumei para Luanda em finais de Julho, viajando com os professores que regressavam ao Sumbe, Gabela e Waku. Arranquei a mandioqueira da minha lavrita, feita nos dois anos em que vivi em casa de um primo Gonçalves Carlos (quando estudei o 4º Semestre do ensino de adultos e a 5ª classe) e fiz um bocado de macroeira "que viajei com ela". Afinal, "quem vai longe tem de levar sempre qualquer coisa", mesmo sendo ainda miúdo.

A passagem, mesmo por cima do IFA, estava isenta de pagamento. O comissariado tinha passado guia de marcha com isenção de passagem. Eram ainda bons tempos.

Foi assim que vim, pela segunda vez, ficar em Luanda. Se os homens de BICESSE nos dissessem, "não se preocupem, estamos a se entender para acabar de vez para todas a guerra", talvez a sétima e oitava continuassem em 1990-91, talvez aguentasse mais um bocado aquele "nkufu nfidilu"(estraçalhar de cágado a morrer) e ficasse em Kalulu para terminar o 3° nível.

Hoje que disseram "certificado da sexta classe tem valor", fui recuperá-lo para ir pedir emprego. Gosto de educação. O meu pai, antes de morrer disse "filho estuda para ser professor". Aceitei o desafio de trabalhar numa escola. Posso lavar pia ou regar jardim.

segunda-feira, janeiro 18, 2021

​IRMÃO PIRIGO

Era alto e magro. Seu nome, na criancice terá sido puto lombriga ou palitinho. Já a deixar a meia-idade, ganhou o hábito de gabar-se de sol a sol. 

- O meu nome já 'encosta na' lista dos 144 mil que vão 'no' céu!
Na igreja era até então chamado de "irmão Catorze-Quatro", em alusão aos três primeiros algarismos que na numeração árabe ganham, à direita, três zeros para completar o número dos "escolhidos", que segundo o livro da bíblia cristã, Apocalipse 14:01, vão governar a terra com Cristo, num executivo que terá o seu palácio no alto dos céus.
Na terra, dizia o irmão Catorze-Quatro, ficariam os bons mas que, pela sua medíocre obra evangélica,  não chegavam à sua excelência cristã. 
Catorze-Quatro tinha todos esses versículos de Apocalipse e Salmos 115:16 bem sublinhados e abria-os prontamente para se defender sempre que fosse afrontado por jovens reformistas e inconformados com a maneira como o templo físico era governado pelos “kotas” da velha guarda.
Catorze-Quatro nasceu numa missão evangélica e lá fez toda a sua instrução preparatória até à chegada da idade militar que lhe roubou o sonho de se tornar pastor ordenado, quando já frequentava o Seminário Emmanuel Unido, do Ndondi, no planalto angolano. Manteve, porém a vocação sacerdotal e fazia questão de se gabar de ser “um dos poucos escolhidos que conhecerão e trabalharão "caralmente" com o Messias no seu governo vindouro e sem fim".
Já a fazer a curva dos cinquenta, Pinto Kwononoka, de sua graça verdadeira, luta agora para ser elevado à categoria de diácono, ao mesmo tempo  que se esforça em ser um “velho-jovem", aderindo a todas as modas virtuais que lhe chegam pelas redes sociais.
Há já anos que as suas roupas se parecem à pele colada ao animal. Seus telefones são de último grito e tem plano infinito de internet que lhe permite passar a vida a dedilhar, mesmo durante os cultos dominicais. Na igreja, escolheu um lugar estratégico para a sua nova mania: senta-se próximo de um pilar de sustentação com uma saliência que faz um ângulo recto, onde disfarça o aparelho em que palavreia com os amigos durante o culto. E foi levando a sua "santidade de mentira" com a “cipala” semi-lavada até ao dia em que foi chamado para abençoar o ofertório da igreja.
- Irmão Catorze-Quatro, leva-nos a Cristo em oração! - Pediu o reverendo Kabwiza.
Sem tempo para desligar o telefone, o benquisto irmão da congregação elevou as mãos ao alto, antes dos habituais dois passos que separam o orador do assento, e começou a sua evocação.
- Meu Deus, mô papá, abre teus olhos e estende a tua mão aos nossos jovens. Cada dia há mais desvios. O "pirigo" está em cada esquina, em cada beco, em cada telefone, meu Jesus. Faz do teu espirito santo um pastor atento, mô papá, para nos proteger dos lobos presenciais e virtuais, mo Dedê (...) Em nome do seu filho, nosso irmão na carne, que espero me receba no seu governo celestial, amem!
Enquanto orava, a loira que do outro lado aguardava pelo "selfie", foi enfeitando o telefone do irmão Catorze-Quatro com mensagens eróticas e imagens, umas em estado "animalesco e em poses kamasutrais”, que divertiram, nos quinze minutos de sua longa "oração de perdão e abertura dos bolsos", os jovens que rápido se abeiraram da suas máquinas (telefone e a interlocutora da conversa virtual).
Quando se dirigiu ao assento, foi recebido com um criativo "irmão Catorze, temos de redobrar a vigilância e vergar cada vez mais o joelho, os telefones estão cheios de perigos"!
- Sim, irmãos. A mundo é um "pirigo" permanente! - Respondeu cabisbaixo, dando-se conta do "cinema sem bilhete que proporcionou à miudagem", ao mesmo tempo que eliminava as imagens com a “cipala” e o "peito alto" da “kindoza” que parecia uma barata “kuribeka”.
"Irmão 'Pirigo'", irmão Pirigoéé?! - Zombam hoje os jovens, dentro e fora da igreja, sempre que Pinto Kwononoka, o Catorze-Quatro, põe a cara fora do quintal. A sua fuma acompanha a expansão de Luanda, pois cada vez mais se escreve em todas as ruas onde é conhecido: "por cá também passou o Irmão 'Pirigo'"!

terça-feira, janeiro 12, 2021

TESTE À INTELIGÊNCIA E ÀS NORMAS ANTI COVID-19

A viagem, num carro "saltitante", já levava largas horas e tinha "comido centenas de quilômetros. Benguela estava já quase à vista. As paragens obrigatórias e voluntárias tinham passado meia dúzia e tudo valia para "enfeitar a boca" e entreter o condutor que não podia adormecer. Dizem os profissionais da estrada que o sono é pior do que o walende. E uma das conversas, não com os companheiros de viagem, mas ao telefone, foi assim.

- Alô!

- Sim!
- Ó chefe, ainda o teu nome é Kenhê?
- Sou Phande-a-Umba. Alguma coisa? Disponha, se faz favor.
- Sou eu o "comadante" do Katenge. O chefe, quando passou, me fez um alerta, mas a tal mensagem ainda me passou. A viata já lhe parámos aqui na nossa posi e já lhes medimos.
- Mas, o meu alerta é que eu vi, por duas vezes, a senhora a sair da camioneta antes de chegar à paragem e a atravessar a pé o recinto do controlo para retornar à viatura metros depois. Deviam inquirir se têm todos os requisitos exigidos para viajar.
- Mas, ó chefe, nós aqui no Katenge é somente medição!

segunda-feira, janeiro 04, 2021

EU E A OLIVETTI

Quem me vê/ouve teclar nota resquícios do vício da máquina mecânica. Sim. Aprendi a usar os dedos das duas mãos. Não todas mas as essenciais, aquelas ensinadas pelo manual de dactilografia da igreja ao pé do Triângulo do Rangel (Rua da Saúde).

Conseguido o Manual, que me foi ofertado por Ilda Branda que frequentara o curso, consegui uma Olivetti nova. Foi só prática e mais prática, sendo o requerimentista e redactor das mikanda oficiais de familiares, amigos e vizinhos.

Seguiu-se o "Curso de informática", na ENCO que, não me eliminou a força e a velocidade no teclar.
Pelo meio, ainda tive um curto contacto com a máquina de dactilografia electrónica, na LAC, que encontrei a fazer a travessia entre a Olivetti e o computador (1996).
No Porto, encontrei um pequeno museu com muitas "Olivettis". É bom mostrar à nova geração os caminhos da inovação tecnológica.
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domingo, dezembro 20, 2020

DOS HOMENS AOS PÁSSAROS

Paranhos, terra do Silva tido como fundador do Kwitu, kaphutu cikolonya. Esse fontanário já serviu homens num passado que a geração actual de jovens não faz ideia. Muitos a entrar aos cinquenta também. A água encanada chegou à casa. Porém, lá está o fontanário, construído em pedra, cal e ferro. Persiste no tempo, desafiando-o tenazmente. Nem a lumpenagem põe mão ao que serviu o público, é público e memória colectiva.

São, hoje, os pombos e cucos que dele usufruem.

Tomara que chegue também o nosso dia da reforma dos fontanários!

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terça-feira, dezembro 15, 2020

A REPRESSÃO DEBAIXO DE ESPINHOS

Nos anos 80 do Sec XX, com a guerra crescendo de intensidade, raptos perpetrados pela guerrilha de farda verde, fome e deslocados, passar noites na mata para escapar à surpresa madrugadora era dia sim, semana também no meu Limbe¹.
Uma das situações incômodas que conservo na memória era o facto de se ter colectiva e familiarmente imposto que "aqueles que tivessem tosse não deviam tossir e as crianças não deviam sequer reclamar a teta através do choro".
- Omona wu otujibisa!² - Dizia-se ao primeiro ai.
Minha mãe, viúva na casa dos trinta, ainda alimentava a Emília e havia pessoas com gripe e constipação, fruto das intempéries climatéricas a que nos submetíamos. E fazíamos o esforço em não tossir nem soltar um espirro.
Quão duro era reprimir um espirro ou tosse, manifestações espontâneas difíceis de esconder!
Hoje, de baixo de coroas espinhosos que envolvem o vírus do momento, viajei 8 horas com dois senhores (mãe e filho) que engripados ou sofrendo de doenças respiratórias que os convidavam a espirrar e ou tossir, não podiam soltar tal momento espontâneo e sublime, por respeito aos demais co-passageiros e também por receio de possível estigmatização.
Lembrei-me do meu sofrimento há trinta e sete anos no Libolo e durante a viagem inteira sofri com eles.
Afinal, um tossir espontâneo ou um espirro seguido de um "santinho" fazem parte da natureza humana e dão fôlego aos homens viventes.
Que se vá embora esse corona!

¹ Aldeola agrícola da comuna de Munenga na EN120. Foi extinta pela emigração dos seus habitantes e ficava a dois quilômetros da actual Aldeia de Pedra Escrita.
² Esta criança vai levar-nos à morte (Kimbundu).

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terça-feira, dezembro 08, 2020

A CICATRIZ E O CAFEEIRO

 Certo dia encontrávamo-nos no rio ou à beira. Calculo que teríamos ido "kanyunar"¹ muzwa². O rio, povoado em bagres e tuqueias pelo meu progenitor, já ia conferindo autossuficiência à família em termos de peixes e caranguejos. Esses, os hala, apareceram antes da minha família.

Na floresta ribeirinha, havia umas raízes "aéreas" grossas e longas que nos serviam como baloiços. Havia outras brincadeiras mais caricatas que não narro nessa prosa.
Posto eu em uma dessas "raízes-baloiço", terei sido picado por uma formiga, tendo-me desequilibrado e caído. No chão, fui recebido por um pau aguçado que me furou a bochecha. Devia ter três anos.
Meu irmão com quem me encontrava fugiu de medo. Corajoso, fui andando a caminho de casa e quando cheguei ao cafeeiro, peguei em uma das folhas e tapei a ferida, impedindo a saída do sangue.
E não é que a cura foi com pó de café?
- Ele trouxe a ferida e o seu próprio remedio. - Terá dito Ngana Muryangu, neu avô paterno.
Hoje plantei (levei à terra firme) o meu primeiro cafeeiro das quatro plantas que o amigo Mário Botelho De Vasconcelos me ofereceu. Não perguntei se é da espécie arábica ou robusta. Seja de que tipo for, posso conferir-lhe sombra, se robusta, ou eliminar sombra, se for arábica.
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¹ Visitar armadilha
² Nassa. Artefacto para apanhar peixe.

terça-feira, dezembro 01, 2020

OS ESCOMBROS DE JANJO E A PICADA DE CASSONGUE

A manhã era fria, 15 graus Celcius, e no Horizonte estava marcada a cidade de Luanda. A viagem seria longa: Huambo-Cuito e voltar ao Huambo (Chicala Choloanga) e rumar em direcção ao Cuanza-Sul ou seguir do Cuito ao Andulo, Mussende, Quibala-Luanda.

Tão logo me aproximei do Cuito, liguei a um amigo:
- Kamba Fernando Chicapa, tu que conheces bem o Andulo, diz-me ainda como está a via Cuito-Andulo-Mussende.
- Epá, tens aí uns 40 quilômetro de terra batida entre Calussinga e São Lucas. Quanto ao Mussende-Cariango, na tua Província, já sabes. - Advertiu.
Ansioso em conhecer Mussende um dos seis municípios cuanza-sulinos por visitar (Quilenda, Ebo, Conda, Seles e Cassongue), decidi voltar ao Huambo (Chicala-Choloanga), explorar a "nova" via que liga o Bailundo ao Cassongue e conhecer a vila que fica encravada fora da EN120.
Entre o belo e o constrangedor que vi, registei essa imagem que mostra o que sobrou da missão católica de Janjo, Cuanza-Sul, município de Cassongue.
Calculo que no seu tempo podia pleitear com a "catedral" de Ambaca. É uma pena que a guerra e o descaso a tenham levado a este estado.
Vi, à entrada central (lateral direita), duas crianças vestidas de batas brancas.

À volta do imóvel podem ser vistos outros escombros sinalizando uma forte presença missionária (escola, hospital e outras dependências habituais).
Na ânsia de aumentar o meu conhecimento sobre o Cuanza-Sul, procurei por informações sobre a distância até à  Vila de Cassongue que, há muito, pretendo conhecer. Não passam muitos anos que vi uma matéria na televisão em que se dizia que "Cassongue já tem asfalto".
- Ó mano, bom dia. Daqui, do desvio, para a Vila sede quantos quilómetros são?
- Bom dia chefe. É 'mbora perto.
- Sim, mano. Mas quantos quilómetros? A estrada está boa?
- São trinta e sete quilômetros de terra 'abatida'. Mas pode andar bem. Só nuns sítios é que está a nascer lama.
Pensei: trinta e sete quilômetros em terra batida, saltos, lama, eventuais desnivelamentos que podiam danificar o para-choques frontal, gastar mais de uma hora para os dois percursos (ida e volta ao desvio para apanhar a EN 120) ...
- Ó mano, muito obrigado pela informação. Vou conhecer a Vila de Cassongue na próxima viagem que fizer ao Huambo. Se calhar, até lá, o asfalto chegue à vila de Cassongue.

domingo, novembro 29, 2020

QUANDO A MÃE TE CHAMA "MESTRE"

Um dia antes de me submeter ao júri, ordenei minhas duas irmãs:

- Vão à casa da mãe ou mandem vossas filhas para trançar o cabelo dela e arranjar as unhas. Imaginem que ela vai a um evento. Caso consinta, peçam a ela mesma que empreste o dinheiro necessário que pagarei quando voltar.
- Mano, ela tem o cabelo curto e não vai aceitar. - Disse uma delas.
- Vão e digam que eu é que vos mandei. - Ordenei sem mais detalhes.
- Mas eu, cega, sem mobilidade, estão a me preparar para ir aonde? - Dizem que questionou assim à neta que se fez presente.
- É o tio quem mandou. - Arguiu a Elizabeth Carina.
- Mas ele não viajou para o Putu?
- Sim. Mandou mensagem para traçar a avó. 
Hoje, uma semana depois, encontrei-a sorridente. Bateu palmas quando me ouviu cumprimentá-la.
- É o papá? A viagem, correu bem?
Não tinha reparado o cabelo dela pois o cobria com um lenço. Quando perguntei se as netas haviam cumprido o que orientei, ela destapou o lenço e avançou:
- Estou bonita. Até pareço que vou à festa. Ninguém me disse por que me prepararam.
- Mãe, fui terminar um curso e por isso mandei preparar a mãe para que ficasse como se estivesse lá perto de mim.
- E o curso correu bem?
- Sim mãe.  Correu bem. É pena que o banco não me tenha dado  dinheiro para comprar uma lembrança para a mãe. 
- Não há problema. Comida e medicamento aqui nunca faltou. E assim qual é o curso?
- É de mestrado, mãe. 
- Agora és mestre Luciano Canhanga! É assim que te chamam?
- Sim, mãe. 
- Então, não esquece papá. Manda mensagem ao tio Beto (irmão dela) e diz: agora sou mestre.
Fizemos as contas e parti para a fiscalização do estado da casa e de outras dependências.

domingo, novembro 22, 2020

DO PORTO A LISBOA

A senhora estava fina. Bem, não sei se fina ou finória. De corpo, tenho certeza. Era fininha.

A estranheza começou quando lhe estendi as cédulas.
- Não tem multibanco? - Provocou-me recebendo em resposta:
- A que hora parte o machimbombo? 
- Hum?! - Ela, com cara de parva.
- A que hora parte o autocarro?
- Hum?! Autocarro? O quê que é?
- A que hora parte a camioneta?
- Ah! Afinal é isso? É ao meio dia.
(No meu íntimo) - Fidacaxa. Se a língua é a mesma e tu é que tens menos domínio de vocábulos por que me vens com essa cara de quem ouviu Kimbundu?!
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