Ali, na fronteira entre esses dois universos, encostados a um antigo Berliet Tramagal militar e a um Peugeot branco - ambos abandonados e fazendo companhia ao lixo ainda escasso - erguia-se a casa de Albino Nganga, cuja moradia de pau-a-pique possuía um quintal de chapas de zinco acastanhadas pelo tempo e retorcidas pelo vento.
Amigo dilecto do meu tio, Ferreira Nganga, o velho Albino possuía uma máquina para fotografia momentânea que a criatividade luandense de então baptizara de "paga-já". Aos nossos olhos de crianças, a máquina era uma caixa pesada, suportada por um tripé - uma câmara escura e mágica cujos segredos só ele conhecia. Tanto mais que nunca fora visto a ceder a caixa fotográfica a outra pessoa.
A minha primeira foto de todas foi uma "paga-já", quando frequentei a "Escola Grande" da Terra Nova e contava dez anos. Antes disso, nunca fora fotografado para tratar documento nenhum. As minhas fotos mais recuadas, à data, são do tempo em que estudei no Ngola Mbandi (sétima e oitava classes), sendo já no início da década de 90. Conservo o cartão da AAEM - Associação dos Alunos do Ensino Médio, mesmo sendo, à data, pré-aluno do ensino médio.
Em 1984 ou 85, o tio levou-me à sua casa para tirar um retrato. O velho Albino começava sempre com uma advertência solene: "Atenção, não se mexe!"
De tanto fitar a câmara enquanto o fotógrafo mexia demoradamente nos instrumentos, o petiz acabava por fechar os olhos. E era exactamente nesse instante de fadiga visual que ele executava o mágico flash. A regra era clara: caso precisasse de repetir o flash, pagar-se-ia a dobrar. Era, de facto, um sacrilégio consumar a fotografia paga-já do tio Albino.
Naquele tempo, os velhos eram profundamente unidos, fazendo-se sempre acompanhar de filhos e sobrinhos para que fossem conhecidos pelos parentes. Todos os amigos e coetâneos do tio eram tratados por "tio", tecendo uma vasta rede de cumplicidades que fortalecia os laços entre todos.
