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sábado, outubro 08, 2022

UKU: SOL, NÚVEM E ESCURIDÃO

Encravada em zona escarpada, a mais ou menos 75 quilómetros do Atlântico, olhando para a antiga cidade de Novo Redondo, a vila de Uku é a capital do Seles, um dos 12 municípios do Kwanza-Sul (Angola).

Já passavam alguns minutos da hora 17 quando chegámos ao Uku, procedentes de Luanda com passagem por territórios dos municípios Kwanza-sulinos do Libolo, Kibala, Hebo, Amboim e Konda.
O espetacular sol poente encanta qualquer contemplador da natureza. As por trevas nocturnas e as neblinas permanentes não deixam de ser encantos que se juntam ao silêncio quando se poupa o gasóleo do gerador.
Quem chega ao Uku pela primeira vez, como foi o nosso caso, pode ser enganado pelos letreiros, pensando que a vila termina no monte onde se acha o grupo gerador (desvio para Kasonge).
- Aqui onde é que vamos comer? Isso nem lugar para dormir tem. - Disse um dos meus companheiros de viagem.
- É melhor recuarmos para Konda (29 km) ou avançarmos para o Sumbe (a placa apontava 75 Km). - Sugeriu o outro.
Teimoso, como sempre, o condutor-cronista decidiu espreitar o que havia de incógnito pela frente, até aparecer um jovem conduzindo um triciclo motorizado.
- Jovem, sabe dizer onde se pode comer e ou dormir?
- Cheguem só à cidade e perguntem. - Disse sorridente.
- E onde fica a cidade? - Voltou a perguntar o condutor.
- É mais à frente. Depois daquela montanha, onde estão os geradores, vai em direcção ao Sumbe e pergunta. Assim fizemos.
- Essa vila é maior do que a do Hebo. - Atirou o Dido, buscando a reacção do Beto que é Hebuense.
- Será? Tens certeza?

Os dois ficaram nas indagações enquanto o cronista fazia os olhos viajarem pelas infraestruturas. Hotel Cota, um largo, administração municipal, uma antiga Estalagem sem letreiro, um "liceu" com janelas de chapas de zinco entre outros imóveis que no passado terão dado muita alegria e brilho aos ukwenses.
- Jovens, boa noite! Onde se pode encontrar uma boa hospedaria para comer e dormir?
- Essa aqui (o jovem olhava para norte) é uma delas. Mas a melhor é a do kota Cláudio que fica à saída para o Sumbe. Se os kotas forem até ao quiosque, vão receber todos os azimutes. - Explicou.
O relógio caminhava apressado e a escuridão vinha com ela. Não havia tempo a perder, nem como identificar os interlocutores pelos nomes. Entre gastar tempo em ir procurar o quiosque e confirmar se a hospedaria do Cláudio possuía requisitos mínimos, decidimos avançar.
- Se é a caminho do Sumbe, vamos avançar. Podemos voltar à cidade para comer, se se julgar necessário. Porém, se não tiver camas e água fazemos o esforço de chegar ao Sumbe. - Decidimos, desconhecendo ainda o que a estrada nos podia reservar pela frente: curvas exageradas, como disse o Beto Martins à entrada do Keve (7pontes).
Pelo caminho, dividimos os olhares: uns controlando à direita e outros à esquerda, identificando instalações que pudessem ser albergues. Encontrámos, quase onde findam as habitações, uma edificação com paredes decoradas em formato de seios. Batemos a porta e, debalde! Fechadas.
- Nem alma viva por cá? - Indagou o condutor, já a pensar nos 75 Km até à capital da província.
Valeu a insistência do Didi que espreitou por uma fresta, identificando o proprietário/gestor que fora ocasionalmente deixar comida para os cães. A hospedaria tinha água quente, camas limpas e energia térmica, mas era necessário recuar à vila para a janta.
- Aqui, a média de ocupação é de 1 quarto por noite. Não há clientes e como tem de se ligar o gerador, os custos são avultados. Por isso é que a Hospedaria só abre por marcação prévia. Vocês tiveram sorte em me encontrar. - Disse Cláudio, levando-nos ao quiosque (vila) para o jantar que foi feito com a nossa ajuda.
Epá, já viram? Tem mais ruas do que Kibala Kalulu e Hebo. Mesmo a Konda é pequena. - Atirou novamente, desta vez provocante, o Didi, ao que lhe respondi.
- Tens razão. Kalulu tem duas ruas e meia. Konda também. Kibala tem duas e Hebo uma e meia. É pena que a vila tenha estagnado ou mesmo recuado. Se não fossem as kavwanzas, ela teria tudo para ser cidade. Não acham?
- É verdade! - Responderam os companheiros de viagem e tertúlia.
- Mas, porque é que não tem energia da rede? - Voltou a questionar o Didi, recebendo do Beto um "come só e pergunta amanhã".
Antes da janta, o cronista pretendia afugentar o mal-estar provocado pela viagem, pedindo um simples black label.
- Meu doutor, tens de comprar a garrafa toda, que é 25 mil. Se a abrir para um simples, ela pode ficar um ano sem que ninguém passe para pedir outro cálice. Não há na juventude poder de compra nem gostos refinados. Preferem a cerveja a outras bebidas que vendem nos bairros. - Advertiu Cláudio, deixando o cronista entregue ao inclemente frio do Seles.
No dia seguinte a surpresa viria logo no primeiro quilómetro de percurso. "Trave com o motor e use a primeira marcha", ordenava-se numa placa a assinalar descida e curvas perigosíssimas. Até perto do Sumbe foi mais pé no travão do que no acelerador. Concluímos a razão daquele "não se vai ao Sumbe de noite", saído da boca do Cláudio, o nosso anfitrião.
- Terá sido o clima frio que atraiu os portugas, fundadores de Uku, àquele lugar ou o cultivo de café em encostas de montanhas cobertas permanentemente de nevoeiro?

17.09.22

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