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segunda-feira, agosto 02, 2021

UM MUKONGO E TRÊS MBALUNDU EM KINGIMBI

A região de matas cerradas com capim esparso nas encostas ou cume de montanhas chama-se Kingimbi, Nâmbuangongo, margem do rio Lifune. Na picada sinuosa, curvilínea, estreita e coberta de capim e arbustos somente os carros todo-terreno ou tractores ainda ausentes "torram farinha".

O asfalto, aí onde existe, fica longe. É a floresta e seus mistérios quem mais gritam. A vida é pacífica para o trabalho árduo dos camponeses, ainda, "importados" em elevadas doses do planalto angolano.

Estes, tal como no passado, sem mesmo temer as chacinas "upa-lumumbistas[1]" de 1961, são os que mais se prestam ao trabalho agrícola por conta de outrem, aceitando uma estada de ano e tal para uma renda de Kz 25 mil/mês.

- É esse dinheiro que quando multiplicamos por doze ou mais, dá para comprar boi e vaca na terra de origem onde os que têm ajuizo se tornam também empreendedores.

Outros, porém, se tornam casamenteiros de várias akâe e produtores de vários filhos.

- É o azar que traz o dinheiro. - Diz Francisco.

António, Francisco e José, jovens vindos de Kaciwngu, Wambu, juntaram-se a Pedro, um mukongo, que chefia a equipa. Estão a 12 quilómetros da aldeia mais próxima e 14 da estrada asfaltada que vai a Muxaluando, sem lá chegar negra-betuminosa. Os três jovens, 25 anos abaixo, renderam outros manos que já fizeram o seu pé-de-meia e se tornaram investidores também. Preferem contratos de permanência anual. Dos três, só um bebe. Outros dois são da igreja Sende[2]. Por isso não manjam carne suína nem fumam. Álcool, dizem, só na ferida.

- Assim mesmo, como fez o mano Angostinho, quando terminar, vou para a aldeia e faço como ele. Compro duas cabeças e começo minha lavra.

Na fazenda, em Kingimbi, não têm gastos com alimentação.

- O patrão é nosso amigo. - Dizem.

Leva-lhes comida, bebidas não alcoólicas, roupas e têm placa fotovoltaica e parabólica.

- Ainda só falta mesmo jornal e revistas para se divertir. -Pediram. por isso ficaram com os jornais do cronista que foram devorados como no tempo em que o JDM me chegava actual e quente com seis meses de atraso, distribuído pela CEDIL dos anos oitenta.

Algo parece repetir-se, embora em moldes repensados.

Os ovimbundu, "dada a sua paciência", obediência e resistência em trabalhos manuais árduos foram os trabalhadores predilectos nas tongas. Povoaram os Kwanzas, Malanje, Uije, Cabinda, Bengo e Zaire. Temo-los em toda Angol'Agrícola.

Antes eram recrutados à força, soba a capa de contratos esclavagistas que davam, ao fim de um tempo sem fim, em pano e cobertor de quinta categoria, meio quilo de fuba e duas tábuas de peixe seco acastanhado. Regressavam ou nunca às suas terras onde eram re-escravizados por outro colono. Os que nunca voltaram constituíram comunidades culturalmente coesas, ensinando a língua e cultura a seus rebentos. É pela sua dispersão que "a angolanização[3] dos ovimbundu é meio caminho para a solidificação do sentimento de angolanidade por todo o país".

Nos dias que correm, recorrem aos contratos. Mal remunerados a olho nu. O trabalho agrícola manual é agreste. As matas montanhosas do Nâmbwa são impenetráveis. Os tractores, inexistentes, podem lavrar as margens ribeirinhas, porém, a perna e a mão cuidam da montanha. Por isso, são essenciais os jovens "mbalundu[4]" fortes, sem vícios e sem família que ganham e juntam tostões para uma vida livre e empreendedora. Há nesta imensa Angol'Agrícola vários António, Francisco e José que como os citados trocam força abundante por dinheiro necessário. Mas também aprendem. António, Francisco e José refinam a pesca fluvial, aprimoram a montagem de armadilhas várias para os animais e aperfeiçoam a defesa ao largo da propriedade. Saberão, com certeza, cuidar das suas ou concorrer em outras fazendas mais estruturadas e melhor remuneradas.

A esses jovens valentes, o cronista abraça e encoraja. Só no dicionário o benefício surge antes do trabalho!

 



[1] UPA=União dos Povos de Angola, predecessora da FNLA. Lumumba foi o 1º Primeiro-Ministro do Congo Belga independente.

[2] Adventistas do Sétimo Dia (corruptela em Umbundu).

[3] Criação de sentimento nacional ou patriótico.

[4] Ovimbundu (por extensão).

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