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quinta-feira, fevereiro 22, 2018

DE NKONGO A CONGO

Ambriz, norte do Bengo, a caminho do Zaire, parado num posto de abastecimento de combustíveis, aproveito prosear:
- Mana, boa tarde!
- Boa tarde mano. Quer "arguma" coisa para consumir ou para levar?
- Para consumir. Um café, por favor. Pode ser com açúcar.
Enquanto a jovem ligava a máquina aproveitei provocá-la:
- Mana, como se chama quem nasceu no Zaire?
A senhora faz passear a mente que navega nos conhecimentos e quase naufraga.
- Mano, nasci "mborra" em Luanda. Minha mãe é que é daqui do Ambriz e meu pai de Mbanza (Kongo).
Mariana escapou à resposta que eu esperava, sendo, porém, fornecida por seu colega que me a transmitiria em voz meio muda:
- A resposta é "zairiense", kota. E justificou-se: zairense é do Congo Democrático. Nós aqui "samo" mesmo de Ambriz, ambrizetano (do Nzeto) ou mbanza-konguense que também se chama "zairiense".
João Nevumba, como se apresentaria já na despedida, não se ficaria por aí na sua explicação e acrescentaria:
- Estou a ver que o mano está perguntar porque gosta mesmo de saber e parece está mesmo a ir "na" capital. Mano, as pessoas de Mbanza não gostam muito "lhes" chamar "zairiense". Quando o mano chegar, se precisar referir, fala só mukongo que abrange todos do norte.
Acatei o conselho, joguei o café, meio frio, garganta abaixo. Engatei a mudança automática de progressão e rumei à cidade cujo símbolo apresenta cinco espadas que simbolizam igualmente número de topónimos por que já foi designada: Mpemba, Nkumba Ungudi, Kongo dya Ngunga, S. Salvador do Congo (depois do baptismo do Rei, tornando-se cristão) e Mbanza a Kongo.
Nkongo, contam os guias do museu, é caçador na língua local. Terão os enviados de Diogo Cão, aportado em Matadi, perguntado como se chamavam aquelas terras, ao que os nativos vindos da caça entenderam que se lhes tivesse sido questionado "o que eram", tendo respondido nkongo (caçadores). O reino que possuía seis províncias geridas por "Manis" (titulo de governadores) tomou a designação de Congo, sendo Mbanza a Congo (capital), na pronúncia e escrita dos comerciantes de bugingangas e anunciantes de Cristo, o centro político para aonde os "manis" levavam os impostos recolhidos para custear a máquina administrativa. O detentor do poder supremo é Ntotila, em cujo Palácio repousa(va) uma frondosa árvore de três grandes ramos (são dois na actualidade) e uma fronde de folhas permanentes, sob cuja sombra eram efectuadas as audiências e os julgamentos. Perdeu-se na memória o nome da árvore. Porém, o facto de ter acolhido vários Kuhu (boas vindas ou conversas introdutórias que para os ambundu equivale a mahezu) ela ganhou o registo de Yala Kuhu.
O residência real possuía ainda um espaço muito restrito para a lavagem e tratamento do cadáver do rei finado (sungilu) para que fosse possível conservá-lo intacto até ao acto fúnebre que era procrastinado até à chegada do Mani que vivesse mais distante, chamados todos pelo som do tantã.
A casa mortuária real (mpindi a tadi) ficava a umas centenas de metros do Palácio, distância aproximada a que nos leva ao campo santo real, colado ao nkulu mbimbi (igreja antiga, a Sé com mais tempo a sul do Sahara).
Mas sobre Mbanza Kongo não é tudo.
Sobre o desrespeito à mítica yala kuhu, contam-se estórias associadas à queda, nos anos 90 do sec. XX , de um helicóptero que, entre outros, vitimou o bispo da diocese local e também o despiste de um avião da companhia de bandeira, já no início do séc. XXI, que levou à morte o administrador municipal, para além do "sangue que a árvore jorrou, estendendo-se do espaço em que está o pavilhão desportivo até ao cemitério real, quando os brancos construíram a estrada, cortando o terceiro galho".
Mas o guia do museu, formado no Benin, em preservação de espaços históricos, a luz da candidatura da cidade de Mbanza Kongo a património da humanidade, não se fica por aqui e vai mais adiante nos detalhes da sua apresentação. Fala também do "Mbanda Mbanda, do clã Nenzako, de Maquela", uma espécie de Presidente do Tribunal Constitucional, a quem cabia entronizar o rei, e informa que "Mbanda Mbanda e o rei no trono nunca se podiam reencontrar. Se o rei fosse à terra dele, ele se ausentava. Se Mbanda Mbanda viesse à capital, também o rei se ausentava. Ele só se via com o ntotila uma vez para o entronizar".
Entre História confrontável nos livros já abundantes e estórias de ouvir contar e entreter o visitante/turista, muito há ainda por ouvir e desvendar. O melhor mesmo é percorrer os cerca de 400km que separam Luanda de Mbanza a Kongo para ver ouvir e reter. E quiçá recontar também?!


Texto publicado no Jornal Cultura em Janeiro de 2018 

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