Geograficamente, sou um ocidental em relação ao país. Nasci numa região onde o sol tarda chegar, embora a luz europeia tenha chegado primeiro. Portanto, duma cultura influenciada ao longo de 5 séculos de presença portuguesa.
Noto também, por outro lado, a desarticulação daquilo que é ancestral aparecendo outras formas socio-culturais, ou seja, a miscigenação cultural fruto de influências recebidas via TV, sobretudo, e via contactos inter-pessoais (destaque para o Brasil, EUA, Portugal e RDC). Encontro na sua realeza o Soberano local vestido de peles, empunhando no pulso o mais sofisticado Quartz ou Omega. Comendo com as mãos para depois sentar-se num sofá de couro ou vestindo panos para fazer-se passear num X5 top de gama.
Andando pelas aldeias encontro casas de adobe e cobertas de capim enfeitadas com antenas parabólicas importando culturas alheias, sempre mal digeridas, fazendo com que o pano, principal vestimenta feminina ceda às calcinhas e sainhas curtas de verão brasileiro.
Encontro igualmente velhos que apenas falam Cokwe, crianças que não falam língua nenhuma e jovens que se arriscam nas duas ( Cokwe e português).
No ocidente angolano, mais à moda europeia do que à africana, encontro expressões aglutinadoras de povos e culturas como “zairenses, bailundos, sulinos, nortenhos, kacokwes” e outras para caracterizar o outro diferente do Eu luandense e pergunto-me:
_Que cultura temos e que cultura teremos amanhã?
Dizem-me também que o amanhã será a fusão, ou no mínimo, a conciliação entre o ontem e o hoje, do eu e do outro, quando o outro for meu semelhante com suas formas peculiares de ser e estar e pensar. Quando os empréstimos não mais constituírem motivos para censura, tão pouco a diferença motivo de exclusão.
E concluo que a compreensão e a inclusão em vez da imposição farão a cultura do amanhã. Quanto ao hoje vale pensar em alteridade como desafio. Aconselha Gusmão.
Soberano Canhanga
2 comentários:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança. / Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades". Assim começa um soneto de Luis de Camões. Tudo evolui. Como se costuma dizer, "parar é morrer".
Angola, como nação em construção que é, não está parada. A novidade junta-se à tradição. Querer que a tradição se mantenha intacta em Angola, tal como ela é neste momento, é querer a morte da cultura do seu povo, mesmo que se deseje o contrário.
O amigo Canhanga refere o uso de panos como sendo uma marca de tradição. Assim é. Mas há muitos, muitos anos, o uso de panos foi a novidade, pois a tradição era o uso de peles e de casca de árvore (certamente que, ainda hoje, entre os tucokwe, ainda haverá quem saiba preparar vestuário de casca de árvore, o qual é extraordinariamente macio e confortável se a casca for bem preparada, num processo que demora semanas).
Uma coisa se me afigura desejável: que haja valores morais. Não é muito importante que esses valores sejam antigos ou novos. O que importa é que eles existam. Um povo sem valores é um povo que se condena a si próprio. No caso de Angola, desejo sinceramente que o seu povo nunca perca os seus valores morais e culturais africanos, porque Angola é africana em primeiro lugar; só depois é que ela é lusófona, cristã ou o que se quiser.
P.S. - O seu filho parece ser um bom rapazinho (descontando as diabruras próprias da idade, evidentemente). É compreensível o orgulho que o amigo mostra por ele.
Denudado, plenamente de acordo contigo. No fundo falamos a mesma linguagem.
Julgar o homem em função do seu tempo. Quanto à cultura ela é dinâmica, por isso falo na necessidade da alteridade e do outro semelhante...
Se não houvesse mutação tavamos ainda em cavernas e piolhentos... Faço tão somente descrição... E que cha, a propósito dos angolanos e doutros ...anos que não dominam língua nenhuma?
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