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segunda-feira, maio 29, 2023

ÂNGULOS DE WINDHOEK


- Aqui, sem chegar a água e energia, não há venda de terreno. - Contou Paulo Dupuleni, angolano com mais de 25 anos de residência permanente.
2- Dr. Pohamba Building: é edifício público, a caminho do Hospital Central, em fase de acabamentos e que homenageia o segundo Presidente da Namíbia.
- Olha, senhor cronista, já se está a construir o Gabinete do Dr. Heige, actual presidente que vai terminar mandato. Aqui é assim. Antes de o presidente terminar o segundo mandato, preparam o seu futuro Gabinete. Aconteceu com o presidente Nujoma e com o presidente Pohamba. _ Explicou Marcelino, nosso compatriota a trabalhar na Angola's House.
3- House of Angola: é a nossa embaixada. Gostei de ver o Largo Agostinho Neto (frontal) e a cor do edifício que desperta e liga o angolano transeunte aos nossos edifícios públicos. Adentrando o consulado, mesmo sem necessidade administrativa, fui bem tratado por uma compatriota. Apenas os mapas da RPA devem ser actualizados.
4- SWAPO PARTY NATIONAL HEADQUARTERS: é em Katutura, bairro dos negros que mais sofreram e apoiaram o maior partido namibiano. Instalar a sede nacional no bairro Katutura é o mesmo que criar laço de contacto permanente. É como dizemos por cá: "descer às bases e permanecer nelas".
5- Khomasdal, bairros entre Katutura e cidade: era o bairro dos mulatos ou colored, no tempo da senhora África do Sul Racista colonizadora. Agora, os negros podem viver onde quizerem.
- Em tempos, os brancos ricos decidiram construir nova cidade, a caminho do aeroporto, alegando que "os cães estavam a fazer muito barulho na cidade", conta o angolano Marcelino, um Oshiwambo. Porém, o Presidente Pohamba que era rígido disse-lhes "vocês podem construir, mas os negros com dinheiro também vão lá". E disse-lhes mais, continua o narrador: Quem não quiser coabitar com os negros, dono da terra, leve suas paredes e vá reerguê-las em terra de seus avôs. O que se passa, é que os brancos, para se distanciarem dos negros, aumentam as propinas em suas escolas e tudo mais, só que cada vez mais, os negros também vão tendo riqueza e a frequentar os mesmos lugares.
Eles são importantes, porque têm riqueza necessária para fazer avançar a economia. O que o governo está a fazer é pôr todos na linha. - Concluiu.

domingo, maio 28, 2023

EM BUSCA DE ARTESANATO EM MONA QUIMBUNDO

Ela tem 35 anos e foi sempre seu sonho constatar in loco algumas das coisas que tinha aprendido nos livros do ensino primário do seu tempo.

Apesar de ter nascido depois de Agostinho Neto, Senje ainda estudou nos livros daquele tempo que se seguiu a revolução, onde os manuais escolares levavam o aluno ao país inteiro.
Estudou a floresta de Maiombe e "o tronco da árvore", Cacuaco e "a vida na comuna", Lunda e "Cazaji e Mona Quimbundo", Quibala e "as sepulturas em pedras" como monumentos históricos, bem como Mandume ya Ndemufayo e o seu túmulo em Oyole. "Ekuikui II, escola número 80 do Huambo", entre outras histórias e estórias do planalto eram já "pão de cada dia" por ter nascido no planalto do Vye.
Convidada pelo marido e acompanhada pelos filhos, Senje foi surpreendida com uma pequena urbe do Leste de Angola que lhe tinha colado ao ouvido. Fora obrigada a decorar o texto do livro de leitura da terceira classe. Era obrigação, naquele tempo, quer soubesse ou não ler, recitar nas aulas os textos de leitura.
Nessa sua aventura de conhecer as emblemáticas localidades descritas nos livros de leitura escolar já tinha estado em Cacuaco, onde não mais encontrou as salinas e as fábricas, nem os peixes que "brilhavam como prata na areia". Os pescadores que encontrou eram uns biscateiros sem história nem paixão pelo mar. Acto contínuo, seguiu no seu jeep à ainda comuna do Úkwa, descrita como "a mais pequena, onde vivia a Ana, prima do Dudu, Beto e Tito que eram de Cacuaco". No Úkwa, nem os personagens nem as vivências pôde reconhecer. Apenas animais quase vivos, a sagrar, pendurados em espetos e a aguardar por compradores. Desiludida, partiu para Quikulungu onde a "fazenda que o livro apresentava em fogo" era desconhecida de todos.
- Por que nos mentiram tanto? - Perguntara aos jovens que encontrara sem que deles obtivesse resposta. Mas não desistiu e Senje continuou a marcha, procurando dar sentido aos conceitos.
Chegou ao Leste e alimentou o sonho de conhecer "Cazaji e Mona Quimbundo" que ficavam a mais de meia centena de quilómetros de Saurimo. Seria o cumprimento dum velho desejo. Tudo o que aprender, através dos livros eram relatos sobre "um povo bravo na luta e que se dedicava ardentemente à agricultura do arroz, mandioca e outras culturas, à pesca, à caça e ao artesanato" que muita água lhe enche a boca, agora que vai conseguindo alguns kwanzas fruto do seu novo emprego.  
- Aonde vamos, marido?
- À fronteira.
- Com a Zâmbia ou Congo? - Insistiu Senje ao marido que se mostrava pouco dado a conversa. Na verdade, queria manter o segredo quanto ao destino.
- Fronteira com o Congo Democrático que é o vizinho com quem mais terreno partilhamos. Vamos comprar "bubús". - Ironizou o marido, sempre atento à condução e pouco dado a falas.
Senje e os dois filhos, rapaz kasula e menina, se deleitavam com as paisagens naturais abundantes naquelas paragens.
- Papá, olha praia. - Atirou o kasula, ao que a irmã corrigiu:
- Não é praia. É rio.
- Também tem árvore, papá. - Voltou a alertar o rapaz encantado.
Senje ainda aproveitou apelar aos filhos para que não distraíssem o papá que estava atento à estrada e aos carros com que cruzavam.
Era tarde chuvosa e com visibilidade reduzida, para além de trafegarem na rodovia uns "kazukuteiros" em velocidade acima do convencional.
- Mas é mesmo para a fronteira que vamos? Quanto tempo levaremos? - Insistiu Senje.
- É sim e estamos quase a chegar. - Garantiu o marido depois de confirmar o contador de distâncias do veículo que registava já 51 dos 52 quilómetros que separam Saurimo do antigo posto militar colonial, também tida em alguma literatura histórica como "a primeira capital da Lunda", antes de Henriques de Carvalho fundar a cidade associada hoje ao brilho dos diamantes.
Não tardou o grito de alegria.
- Eh, eh! Mona Quimbundo do livro da terceira! Obrigado pela surpresa. Era mesmo meu sonho conhecer essa localidade que já tirou muitas lágrimas a meus colegas da terceira.
Percorreram a comuna, um antigo posto militar na expansão militar que se seguiu à Conferencia de Berlim, quando os portuguese precisavam de mostrar aos parceiros europeus que detinham o domínio sobre as terras de Mwatisenge, a leste da colónia de Ngola, e definirem com os belgas, e ingleses as fronteiras das possessões saídas do encontro realizado na Alemanha entre 1884 e 1885.
Adentraram a comuna do "artesanato, pesca e agricultura" que não viram. Da agricultura ressaltavam apenas algumas estacas de mandioqueira que se perfilavam paralelas à estrada, uma produção que indiciava ser mais para auto-suficiência do uma produção direccionada ao mercado. As poucas cantinas estavam repletas de produtos importados e peça artesanal nem mesmo o largo da escola ou o da administração colonial tinha. Nas cantinas ninguém tinha visto ao longo do ano defunto.
- Artesanato, aqui? - Era só mesmo no tempo de Agostinho Neto. - Atirou um idoso interpelado, acrescentando que "o único ganho que tivemos foi de sermos mais conhecidos do que a própria província e a sua capital. Todos os pioneiros da escola do país inteiro sabiam que existe uma circunscrição em Angola com o nome de "Mwa Cimbundu" e cujo povo pratica a agricultura, a pesca e o artesanato" - Explicou o septuagenário, sorridente.
Passaram pelo hospital comunal que possuíam uma ambulância. A escola tinha uma placa a indicar "inaugurada por S.Exa. Primeiro-Ministro Nandó". Visitaram o Centro de Acolhimento de Menores e foram ver as antigas instalações da administração colonial: umas em ruínas que reclamam reconstrução ou substituição, para acabar com as "casas de kazumbis", e outras já refeitas do ostracismo a que haviam sido votadas durante os anos de "trungunguismo".
- Papá, quem vive nessa casa dos "cazumbis"? - Perguntou o kasula, atento a cada pormenor da viagem.
Sem comprar artesanato, sem enxergar campos verdes de arrozais, mas com a satisfação de ter conhecido mais uma icónica aldeia do nosso país, regressaram à cidade com o strees aliviado.
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Publicado no Jornal de Angola de 9 de Julho de 2023

segunda-feira, maio 22, 2023

ATÉ JÁ, SAMBA-CAJU!

 SAMBA-CAJU

A religião do Estado, a máquina que se punha à frente do comerciante, anunciando as supostas "boas intenções mercantilísticas", para dar lugar ao militar ocupante que subjugava e dava guarida ao explorador, estava presente em cada esquina. Na verdade, ela era o Estado e, infelizmente, enraizou-se tanto nas mentes dos explorados que meio século depois, já na Angola pós-colonial, ela continua a vender uma filosofia alheia e alienante, atentando, inclusive, contra uma ordem constante na sua própria bíblia. E alguns incautos vão ainda seguindo estatuetas, como se nada mais houvesse para adorar e confortar suas inquietudes terrenas.

Bem, é de Samba-Caju que me propus escrevinhar.

No sentido Wiji-Ndalatandu, fica entre a comuna de Kyangombe e Lukala. A vila, erguida numa elevação recortada por regatos que se espraiam no sopé, projectando-se caminho abaixo, é invisível aos olhos apressados. Apenas a igreja se faz anunciar imponente ao lado do caminho grande por onde deslizam os carros velozes.

É preciso parar e adentrar para ouvir o falar das gentes e beber da História. 

A guerra movida pela unita tem em Samba-Caju as suas marcas muito presentes.

Ante a beleza estética e robustez das edificações, a força voraz do tempo foi clemente. Nem tudo foi ausência de restauro.

_ Quem mais partiu foram esses aí. _ Apontava Miguel da Cruz a uma bandeira bem conhecida. 

Citou o tempo de um famigerado Kavulandunge como "o de maiores destruições".

- Parecia que era brincadeira deles. Quando lhes apetecesse, vinham e dinamitavam,  quando não ficassem por mandar obuses de RPG-7 e dilagramas contra os telhados. _ Conta, expressando ainda revolta, a cada imagem que a sua memória recupera.

Miguel anda na casa dos 50 anos e diz "ter sido raptado para servir os kijibanganga", de onde "escapou por um triz", fazendo-se a pé até Kapanda.

Decidi deixá-lo caminhar, desta vez, em direcção à sua lavra e com a promessa de voltar à vila para, quiçá, voltarmos a pôr a História em dia, pois ficou por desvendar o sentido etimológico do topónimo Samba-Caju.

Até breve!

quinta-feira, maio 18, 2023

DOMINGOS: O ARTESÃO AMBAKISTA

Pela estrada que se estica do Negage, terra de café e povo ambundu do Uige, ao Planalto de Kamabatela, encontrei Domingos, 13 anos apenas, numa aldeia entre Kamabatela e Kyamgombe. Uma enorme bandeira do Partido que governa Angola chamou-me à atenção para reduzir a velocidade, pois podia encontrar Camaradas e com eles trocar um dedo de conversa sobre coisas que nos tocam. É que na rota Bengo-Uige, os "folha-verde-tremente" hastearam seus panos em quase todas as aldeias e parecem  viver um grande "à vontade" perante algum comodismo de quem devia comandar a orquestra. Bem, afrouxei e deparei-me com os "cilos" (pequenos celeiros artesanais, colocados por cima de espetos, para guardar dos roedores os grãos para a sementeira seguinte) que me convidaram para uma foto. Olhando para o lado oposto,  convidavam-me à contemplação e apelavam à complacência da algibeira os sofás e mesa feitos de bordão, ofício em que Domingos se esmera, dividindo o seu tempo entre a escola, a busca de matéria-prima e a confecção.

_ Quanto é? _ Questionei.

_ Espera. Vamos chamar o dono.

Antes mesmo que o dono chegasse, alguém se apressou em apreçar os banquinhos que ajudam as mamãs batedoras de funji (em minha casa são as minhas filhas Evelise e Princesa quem fazem o principal alimento caseiro do papá).

_ É 300. _ Ouviu-se uma voz colada a uma palmeira. O teeneger nem sequer mostrou a cipala.

_ Faz duzentos e cinquenta, jovem, e levo os quatro banquinhos.

_ Não dá. O dono não está. _ Retorquiu, sempre com o rosto ausente.

Não tardou, chegou o Dimingos, alegre e comunicativo. Mostrou a "montra toda": um conjunto de sofás e mesa de centro e outro sem a mesinha que custava quinze mil Kwanzas. A "mobília completa da sala de visitas" custava cinco mil a mais.

Doeu não possuir espaço suficiente na viatura para levar o artesanato do Domingos que aprende com o seu mano a reprodução dos sofás, usando material local. 

_ É tudo com bordão, mano. Não entram pregos nem parafusos de metal _. Explicou.

Não podendo levar o conjunto, acabamos consolados, ele e eu, com a compra dos quatro banquinhos distribuídos, posteriormente, entre a casa da minha mãe e a minha. Um saco de fuba de milho amarelo, comprado no aldeamento do buta muntu Mawete, e uma lebre comprada nas proximidades de Ndalatandu completaram as oferendas à Nga Madya que fechou setenta e seis kixibo (cacimbos) no décimo terceiro dia de Maio.

sexta-feira, maio 12, 2023

ADEUS, MANGODINHO!

Era uma pessoa real, eternizada nas crónicas e contos de Soberano Kanyanga.

O nome dele de nascença, na aldeia de Mbangu-yo'Teka, era Katumbila, filho de Godinho. Na puberdade, atribuiu-se o de Zequeno (José pequeno) e assim ficou conhecido por toda a família e aldeias envolventes ao seu Kuteka. Exímio pescador por "tarrafa", "kikoyona" (rede de raspagem) e caçador de kambwiji, Zequeno ganhou outro nome que o eterniza enquanto "actor" da prosa para-literária e literária.

Um primo bricalhão e contista passou a tratá-lo por mano Godinho ou MANGODINHO, nome que lhe ficou ajustado como pele por cima de um boi bem nutrido, ficando assim conhecido além Lubolu nos últimos sete anos de sua passagem terrena.

A entrada de Mangodinho nas crónicas e contos de Soberano Kanyanga aconteceu em uma situação de óbito, em Luanda. Saído da sua aldeia de Kuteka para emprestar ombro aos que lamentavam a partida prematura de sua prima, 22 anos e quase doutora médica Cici, para Zequeno tudo era espanto. A piscina que lhe parecia "kizenga" (pequena represa em um rio e local para pesca); o andar e falar das pessoas sempre apressadas; a ausência do "bom dia" entre vizinhos; a solidão no quintal murado (dizia é cadeia); a comida farta, embora não tenham lavras; o vinho abundante, entre milhentas coisas. 

No dia de sua "estreia" como personagem de conto real (Mangodinho na Ngimbi) Zequeno recebeu um telefonema e, acto contínuo, foi-lhe ditado um número. Na ausência de papel, escreveu os algarismos em terra batida e gritou a um sobrinho que lhe arranjasse, rápido, papel e lápis para o registo. 

O soprar do vento e a passagem de carros eram tormento que o fez verter, internamente, rios de lágrimas, maiores do que as externalizadas quando da sua chegada ao velório da prima perdida. Assim surgiu o personagem Mangodinho "artista" de muitos relatos sucedâneos (ficção, realidade e mistos), ocorridos em inúmeras partes do mundo geográfico real e imaginário, trazidos por Soberano Kanyanga.

Mangodinho, acometido por uma doença pulmonar, foi levado às pressas à capital da "terra grande" para cuidados médicos especializados. Esboçou sempre simpatia e sorriso meio rasgado, mesmo respirando a custo.

Deixou-nos, desprovidos de chão, ao fim da tarde de 12 de Maio, num dos hospitais de Lwanda.

Adeus, Mangodinho!