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terça-feira, junho 15, 2021

ESTÓRIAS À MARGEM DO CUEBE

O Cuebe rasga, misturando vagar e pressa, a capital do Kwandu nyi Kuvangu (infelizmente grafado oficialmente com "cês"). 

Andando sobre margens, seja a esquerda ou direita, do Mis(s)ombo à cidade o rio é fonte de vida em alimentação (irrigando e dando peixe) como também de fertilização da memória. Estórias e história são contados à margem do Cuebe pelas mamãs que lavam roupas do marido ou do patrão; que buscam água para casa ou como kandonga; que se lavam ao amanhecer ou anoitecer e que jogam detritos no mesmo rio da vida.

Num 18 de Maio "estacionei" à beira do Cuebe, junto à ponte que nos leva ao término do caminho-de-ferro. Emprestei os ouvidos as mamãs que lamentavam o descaso dado à esplanada inacabada, aos balneários públicos erguidos nas proximidades e o lixo que corria rio abaixo. E a velha Nacitula começou assim:
- Ó chefe, ainda aquele dirigente deixou saudade. É verdade. Ele, onde chegava, fazia. Ainda aqui mesmo deixou emprego. Hotê, restaurantes, etecetera. Ainda vê aqui. Aquele, lá, ao fundo, era para ser lavandaria. Era para as pessoas não lavarem mais no rio. As pessoas deviam vir cartar¹ só água  no rio e lavar na lavandaria. Lá, junto a ponte, eram as casas de banho. Veio lavar ou veio se divertir, a higienização seria já ali. Aquele, tipo armazém, que está a ver aí, é o gimnodesportivo. Ó mano, o homem ainda trabalhou. Ainda estamos a lhe sentir mesmo saudade. Aqui, era para fazer esplanada com cadeiras dentro e fora, a olhar para o rio Cuebe, e ainda, dizem, devia subir mais. Era para ser mesmo um hotê. Assim, a pessoa mesmo que lhe falem gatuno, ainda vale apena gatuno que trabalha e não os outros. Ainda se terminassem só essas e outras coisas, o povo ia se beneficiar e ia gostar. Vê ainda, ó mano, o que o kaputu cikolonya² deixou: prédios, caminho-de-ferro, pontes, e muitos eteceteras. Vocês ainda que andam a sentar com os governantes lhes avisem só. Obra do outro que saiu é melhor acabar. O povo vai gostar.
A senhora, nos seus aparentes setenta anos, parecia lavada, manhã cedo, de um fermentado ou destilado abundante e de pouco preço no sudeste. Apesar de o cacimbo ter menos de setenta e duas horas, o frio era já de rasgar as fossas nasais e rachar os lábios. A lagartagem³ via-se por todos os lados e repartições, os linhos e algodão leves tinham dado corpo aos casacos pesados e peludos por dentro. Ainda bem que a covid-19 impôs as máscaras faciais. Aqui, são também apelidadas de "trava bafo".
- Pessoa você lhe vê bem vestida,  ó mano, lhe manda desmascarar. Já saiu na casa do kacipembe⁴. Quando a pessoa lhes fala verdade, lhes tira o capuz, me falam sai daqui ó velha bêbada. Bebi na tua casa? Pronto, ó chefe, vou atravessar. Se quer galinha eu vendo na estação. Me encontra lá, pergunta mamã Nacitula.

¹- Encher o recipiente de água e levá-lo, normalmente, à cabeça. A expressão deriva de acarretar.
²- Colono português.
3- Relativo ao acto de colocar-se ao sol, à semelhança do que faz o lagarto que procura pelo sol nascente.
⁴- Bebida fermentada usada no sul e sudeste.
NB: A mulher, no seu discurso vezeiro e ao vento, referia-se ao Gen. Higino Carneiro.

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