A veterinária brasileira Renata Saccaro (2011) diz que para os cães, o proprietário é um ser superior, a quem obedecem e são fiéis. Segundo a autora, "estudos revelaram que o cachorro é o animal que melhor entende o homem".
Infelizmente, em Luanda, e aludindo àquilo que me tem sido dado a ver, algumas pessoas desfizeram a amizade com os cães de quem um dia "foram amigos e se serviram da sua guarda e ou companhia.
Pessoalmente, já fiz óbito e enterro digno de um cão. Eu era criança ainda no final dos anos setenta do século passado.
Estávamos ainda em Kitumbulu, fazenda do meu avô paterno.
Atenção era um pastor alemão, exímio caçador. Um alemão agropecuário na região, entre os potentados de Kuteka e Thumba, ofertara o canídeo ao meu progenitor.
Atenção ia sozinho à caça e arrastava o animal até à casa. Quando não pudesse fazê-lo, parava e ladrava até que o meu pai fosse ajudá-lo.
Certo dia, Atenção foi à caça e cruzou com uma onça. Atenção lutou valentemente. Chegou maltratado e dos ferimentos não resistiu. Fizemos-lhe um óbito "De pessoa". Foi minha primeira experiência.
Depois o Sô António, meu pai, comprou o Tigre. Era preto, pelos lisos. Chamávamos-lhe "cão mulato". Também caçava quando integrando a caravana humana. Não era caçador independente como o Atenção mas era melhor do que outros da aldeia. Já vivíamos no Rimbe, aldeia antecessora e que ficava há dois milímetros da actual Pedra Escrita (Munenga, Libolo).
Quando o Tigre morreu, de velhice ou doença, eu contava uns seis anos e já participei mais activamente no seu enterro. Sem urna mas envolto em cobertor e lançado em uma cova com um metro de profundidade e deixando-me numa grande comoção.
Essas estórias reais servem de antecâmara para repudiar o tratamento indigno que venho assistindo aos que ainda são conhecidos como "melhores amigos do homem", lugar que vão, nas cidades, perdendo para o telemóvel.
Vejo cães abandonados, aparentemente sem dono, alimentando-se no lixo, e sofrendo pedradas de "meninos também sem família". Quando enfermos ou mortos por doença ou atropelamento, apodrece nas estradas até decomposição total. É, para mim, muita falta de zelo e amor.
Defendo que quem não consegue cuidar um cão que não compre/receba (mesmo que de oferta). E se tiver, que faça como o meu pai tratava o Atenção que não comia nada cru e quase se fazia à mesa connosco. O Tigre foi mais "meu filho" do que dele e comia à mesma hora que nós.
* Cão sem dono.