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quinta-feira, outubro 08, 2020

BATATEIRA DESFOLHADA

O dia nasceu nublado. Nem o avançar da hora para perto das oito fazia o sol se erguer com pulungunza de quem fumou bob marley.

Esses, os apreciadores da fumaça, eram os únicos que pululavam as ruas da cidade, ora biscateando na rega dos jardins nascentes, ora dirigindo-se aos empregos formais.

Entre o frio e a necessidade de dar vida à vida, lá estava também eu, fumador passivo da kangonya do motoqueiro que recolhia o lixo do quarteirão P do Zango 5. Mangueira na mão e pá à porta do quintal,  eis que me visita um jovem alto e magro, em passo apressado.

- Bom dia boss. Posso arrancar a rama?
- Arrancar? Como assim?
Pensei que fosse brincadeira. Só podia ser. Como é que um gajo lúcido vem, manhã cedo à minha porta e a propor arrancar a batateira que me tem custado água e esforço, para além de dar vida ao canteiro que relegou ao passado o castanho da terra?
- Sim boss. É mesmo através da fome. Trabalho no fomento (fundo de fomento habitacional). Assim, o outro está a me esperar para lhe render. Se o boss me fizer já boa vontade, vou me apresentar e volto arrancar para fazer o almoço.
- Ah! Vamos lá ver. Mas você precisa das folhas ou dos caules também?
- Boss, é mesmo para comer.
- Sim. Já percebi. Você quer a rama. Mas precisa também de levar os troncos? Pois se arrancar vai levar tudo e quando a fome voltar não haverá mais nem para mim tão pouco para você.
- Não kota, me atrapalhei ao pedir. É mesmo só as folhas para acompanhar os jovens do prenda (kabwenya).
- Está bem. Pode levar a rama. Mas eu quero que você as corte agora que estou a regar para me assegurar que não vai arrancar as plantas inteiras.
O jovem agachou-se e foi desfolhando a batateira até parecer que foi visitada por uma herbívoros ruminante.
- Boss, faxavor! Pode me dar um saco? - Voltou a pedir.
- Porra, você é que sabe pedir. Já queria a rama e os troncos todos. Agora quer saco. Não tenho. Deixa a rama no canto e depois vem buscar ou leva-a na sua mochila.
Conselho acatado, o jovem pôs força nas pernas e foi marcando passos, desfazendo-se na distância e na neblina matinal.

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