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domingo, setembro 22, 2019

EKEPA NÃO É INGLÊS

No centro de Angola, do litoral ao nascer do sol, há um aforismo bem conhecido por todos os falantes da língua predominante, incluindo crianças que já, por algum motivo, se terão atrasado em algum evento de onde teriam benefícios, que reza: "O atrasado come ossos".
Esperando pela veiculação de um anúncio televisivo, atrasei-me ao jantar colectivo. Embora o restaurante tivesse monitores de televisão, a distância entre o quarto e aquele recinto roubar-me-ia mais de um minuto, mesmo que fosse a bom passo e velocidade, correndo o risco de erder a visualização do mesmo, caso passasse naquele intervalo de tempo.
- O spot pode passar nesse instante, enquanto faço a travessia, e não terei como aplaudir ou reclamar. - Pensei, acabando por assistir ao telejornal da televisão pública no aposento. 
Tal, fez-me chegar ao restaurante naqueles momentos em que o funji, pirão por essas paragens, aguarda pelo atrasado sem o respectivo conduto. Nem cabidela de galinha gentia, nem losaka, nem ramas de batata, nem nada. Apenas uns nacos grelhados de "galinha com pai e mãe", umas batatas do reino enfatiadas e fritas e salada que se estendiam sem clientes. E eu que sou "funjívoro"?
- Mano, tem pirão mas o conduto já não. Acabou. Posso pedir jantar "a la carte"? - Indaguei solícito ao jovem que se apresentava de humor ainda aceitável no balcão de atendimento.
  
- Conduto acabou? Como assim? - Retorquiu.
- É verdade. Eu gosto mesmo é de comer pirão e, mesmo que aceitasse galinha do kaputu, que ainda tem grelhada, já não há molho. - Expus.
  
O jovem parou por alguns instantes a procurar por uma resposta.
- 'Stá bem. Vou à cozinha ver o que se pode fazer. 
Passaram-se trinta minutos sem resposta, até que o voltei a chamar.
- Então, o mano não me deu resposta...

- Sim mano, ainda me desculpa. É mesmo um bocado de atrapalhação. A sala encheu. Assim mesmo que não mais importunei o mano, é resposta afirmativa. Ainda aguarda só mais um bocado.

- Bocado vem da boca como punhado deriva de punho. Que de lá surja algo. - Falei com os botões.
 
Não tardou, chegou uma kafeko. Magra e linda, se não fosse aquele cabelo emprestado, seria mesmo uma "amigável" para filho ou sobrinho. Num prato três restos de frango e noutro beringela (losaka).
- Jovem, você é mesmo do Huambo?
  
- Sim, senhor, nasci mesmo aqui no Santo Rosa.
- Sabe o que é ekepa?
- Não senhor. Não falo inglês!
  
Até a vontade de reclamar dos ossos que se estendiam famintos no prato passou-me pala "culatra". Como alternativa ao desejável conduto ausente, tive de os mastigar e aproveitar o molho, também escasso, para empurrar o pirão garganta abaixo, afugentar o bicho e esperar pelo matabicho do dia seguinte.

Publicado pelo jornal Nova Gazeta de 09.05.19

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