Em conversa, no whatsapp, com meu kota Zuzé Lubanu, sobre a historicidade das comunidades angolanas, esse explicou que "entre 1985-86, quando esteve em Belgrado, desceu para Liubliana (hoje capital da Eslovênia) onde pôde conhecer, à distância, a casa familiar de um dos apóstolos de Cristo, em Trieste, norte de Itália, através de um observatório". Sendo amante do seu Kuteka, perguntava se "não seria tão bom [para a recomposição histórica] chegar ao Kuteka e encontrar as casas dos antigos habitantes, nossos ancestrais?
O assunto trouxe-me à memória outras estórias do mesmo período em que o mano Zuzé Lubanu viu Trieste por via de binóculo. Os meus primeiros anos de Luanda foram 1984-86. Foi nesse período que conheci os makotas Adão e Rufino que eram cunhados e Mizangala, vivendo na Rua de Ambaca, ao Kaputu. Hábeis em contornar becos, a fugir às rusgas dos PCU, os dois podiam sair do Cazenga ao São Paulo, só a andar pelos becos. Na travessia de uma rua, para se enfiar em outro beco, costumavam, antes, confirmar dos putos que encontravam a brincar se "os mwadyés da kanga não estavam por aí". E assim seguiam a suas rotas até proximidades do "prédio da fenú", mais tarde conhecido como "prédio dos Assuntos Sociais" ou, mais tarde ainda, como "prédio do Alpega".
De viagem em viagem, percorri mais uns metros até ao Zé Pirão, largo em que se cruzam duas "grandes" avenidas de então. A Avenida Brasil, vinda do Cazenga, e a rebaptizada Hô-Chi-Mim. O Zé Pirão era e é cidade pura e quem trabalhasse naquelas imediações já dizia "trabalho na baixa", embora não seja ainda cidade baixa que é Mutamba e cercanias.
No Zé Pirão, começava uma linda calçada nos passeios, que fazia desfilar um calcário branco com recortes cinza ou negros da pedra huilana. Fiz-me a deslizar aquelas "pedras ornamentais" várias vezes, sempre que ia com o tio Nganga à casa do Governador do BNA, onde ele jardinava. Isso é, até à Mutamba e depois calcorreava uns metros da hoje Amílcar Cabral, a espreitar a Oliva de Angola.
Ao que se diz, as calçadas em pedra são quase de "vida eterna", se bem colocadas e se não sofrerem intrusões de condutas rebentadas ou cabos eléctricos por remendar no subsolo. Hoje, o que os meus olhos mais vêem é cimento e blocos de cimento sobre os passeios. A pedra abundante é, ao que dizem, "sem clientes por cá" e nem nas calçadas a encontramos em maioria.
O que se passa então? A experiência do Largo 1° de Maio não pode ser replicada em quantidade e qualidade?
Reclamar das calçadas em pedra traz-me à memória outra reivindicação dos extractores de pedra ornamental.
Ora porque os "clientes internos são poucos", ora porque "os materiais substitutivos ou alternativos são mais baratos e abocanham os clientes todos, sobretudo os com poucas posses". Ara xisa, pá!
Então custa muito incutir o gosto pela coisa nos coisos?
Custa dizer a todos os ventos que "o barato das peças quadriculadas que vêm da Ásia dura pouco e pode sair caro ao longo da vida, cada vez mais longa, que vamos tendo"?
Custa tanto assim anunciar com as verdades que a ciência ensina e não com as mentiras do leva gato que se parece com lebre?
E, já sem mais indagações, voltei à conversa com o mano Zuzé Lubanu, para concluir que se os nossos ancestrais tivessem usado pedra, cal e argila para as suas construções, elas estariam ainda aí intactas, contando a história na primeira pessoa, como em Trieste, Roma e Grécia.
É uma pena que tenham, até os reis e notáveis, erguido casas de adobe e palhotas de pau-a-pique cobertas de capim. A chuva e os ventos levaram consigo a história que o primo Nelson Cabanga bem precisa de conhecer.
Foi uma pena!
Publicado no Jornal de Angola de 06.01.19 e republicado a 14.08.2022.