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terça-feira, janeiro 29, 2019

O LADO DA DISTRIBUIÇÃO E DA RECEPÇÃO

Se quem está no "lado da distribuição" deve olhar para o bem-estar daqueles que recebem, tb é lídimo que quem recebe olhe para as dificuldades de quem distribui.
É que nem sempre quem distribui tem o que se pede, muito mais num ambiente em que a distribuição ficou "parada".
Isso leva-me a revisitar a célebre frase de A. O. Salazar que nossos papás encontravam nas caserna militares....

"Se soubesses o que custa mandar, gostarias de obedecer toda a vida!"

terça-feira, janeiro 22, 2019

A VILANIZAÇÃO DA VÍTIMA E HERONIZAÇÃO DO VILÃO

Reli, em tempos, não mais de duas semanas, as tácticas de Goebels, ministro da propaganda de Hitler, e um dos pontos era exaurir o inimigo até à estopinha.
"Seleccionar os inimigos, um de cada vez, e acabar com toda a sua imagem e reputação, ao ponto de sere completamente indigesto por quem oiça pronunciar seu nome"...
Trazendo isso à esfera político-militar de infeliz memória, assistimos a dois palcos que consistiam na vilanização do adversário/inimigo. Apenas não sabia que tal se podia estender a outros segmentos do agir e fazer humano.
Conta-se, não tenho provas, que certos ataques militares inimigos foram permitidos/consentidos para acirrar a ira dos populares infelizes, de modo a  vilanizar, até tornar intragável, o nome do adversário/inimigo.
Já imaginou o motorista saber que a estrada está minada e mesmo assim levar o carro carregado de gente a accionar a mina para buscar a condenação máxima do autor do engenho? Podia ter evitado o pior. Sim ou não?
Que tal levar isso a outras realidades? Qualquer semelhança com factos concretos da nossa sociedade é mera coincidência.
Há casos em que, com a conivência de quem sabe e pode evitar o pior, o vilão se torna herói e a vítima vilanizada!
 
Texto escrito a 04.11.18

terça-feira, janeiro 15, 2019

A LOIRA DE ABCÁSIA

Igual a ela só aquela kapequena que numa mota pequena de rodas gordas levou seu admirador de Kibala a Cela.
Vou contar a estória. Seguia Miguel no seu turismo vermelho, acabado de comprar e rodagem por concluir. A viatura era virgem imaculada ainda, tal qual parecia a miúda da Kibala.
Ia Miguel de vagar, vagarinho, apreciando as árvores e a escassa relva, as pessoas, as galinhas e os cabritos que se faziam à beira da estrada asfaltada. As cabras estavam no ...pasto.
Ia a pequena Mingota vagarosa, garbosa, lindamente, vaidosamente na sua Piaggio de rodas gordinhas, avantajadas como aquelas ancas delgadas e aquela perna de pensar num torresmo pecaminoso.
E os dois, Miguel e Minhota, iam se digladiando com olhares disfarçados, tendenciosos, desejosos, sem que ela parasse a mota ou que ele a ultrapassasse e adiante parasse, foram seguindo. Seu destino era o Gango, caminho de Mussende, mas a menina meteu-se a caminho de Cela. Miguel na ilharga, Mingota na contemplação e na acção. Distância abatida por desejos recíprocos...
- Segue-me meu panku, pitéu de mais logo, sem milongo.
- Abranda, pára meu encanto, que te conduzo a um canto para delirares sem prantos.
Em soslaio repletaram a imaginação, quase auto-atendendo a procriação.
Soprou um vento. FORTE como a corrente que os amarrava. Espontâneo como a paixão. Num fechar de olhos, a estrada estava escura. Sem mais tempo, Mingota precisou de refúgio. Miguel parou adiante. Baixou a cadeira, abriu a porta traseira. Chegou chuva na estrada antes poeirenta. É água agora.
Quando se preparava para estender os braços e acolher a musa, verificou que estava na Cela, quando era outro o seu destino. Assim são as moças de Abcásia. Quantas vezes o africano encantado perde paragem no autoeléctrico ou metrô?
Possuidoras de química, física e matemáticas ligadas à biologia, levam sempre o estranho-viajante a percorrer suas geografias corporais. E não foram poupadas em teor. Autênticas minas inspiradoras. Ricas de preencher as vagas das tabelas periódicas de Ruberford e Mendeleyev, encantos de química fundida em física e geografia humana. Mulheres de Abcásia como elas só as morenas da Kibala.


Texto publicado no semanário Nova Gazeta, 17.01.2019

terça-feira, janeiro 08, 2019

CIDADE DA PIETRA

Verona. Será vero? Sim. Cidade da pietra é. Basta ver os edifícios clássicos e medievais carregados de sumptuosidade no seu interior. Palácio-fortalezas conservando história de povos e homens. Aqui, onde a civilização saxônica e sua extrema - direita são visíveis, é a pedra quem mais fala nas ruas calçadas, nos passeios de "pietra" e na feira anual. Mas as noites também têm mística. Há um largo que não dorme. Restaurantes atendem gostos múltiplos, sem parar, ...os comensais de todas as proveniências ao olho, sempre atento, da "Armata" as FAA daqui.
A cortar o subsolo, cochicha o metro, ao passo que o nosso gás de cozinha e que na banda atende o roncar de potentes geradores é combustível para autocarro articulado. Quanta saudade do "wawa 33", articulado, do Nzamba 1 ao Beleizão?! Mas aqui os machimbombos são mesmo movidos a gás natural que se prepara para ceder lugar à energia eléctrica como já vai acontecendo na próxima Alemanha.
De dia e de noite, o largo adjacente à "câmara comunal", sempre cheio com acrobatas e homens de afinados instrumentos de percussão, cordofones e aerofones.
Ao sol enfrenta o monumento secular de pietra, Anunciando de metro a metro que estamos em Verona.
Um rio sem pressa, vinhas à volta, e inúmeros ramais para irrigar os campos, corre cidade abaixo, espalhando ao longo do seu leito beleza inigualável, repartida com sumptuosos palácios rurais, periurbanos e citadinos. Só encantos de promover sono de pedra lançada ao poço!
Quanto a mim, com a infância rodeada de rio e florestas, nunca, em minha vida lúcida, tive uma noite assim, dormir que nem pedra em "uma floresta" e não ouvir sequer o chilrear de um pássaro, o cantar de um galo, o apitar incómodo e estridente de um grilo ou mesmo o miar de uma gata no cio.
Paz excessiva? E os bichos do mato? Os hóspedes de casa? Ah! Cansaço talvez. Há duas semanas que parte da vida tem sido (des)feita em aviões. Sonos por dormir. Pratos por comer. Bebidas por sorver e até massagens por conferir. O país aos seus bons filhos tem negado pausa laboral. Há muito que ficou por ser feito e que tem de ser feito agora, sem mais demora. Entre beleza, requinte no acolhimento e falência do carpo, sim, Verona pôde dar-me uma noite de paz. Um desligamento total sem memória.

Publicado pelo Jornal de Angola, 07 Outubro 2018

terça-feira, janeiro 01, 2019

PEDRA, CAL E KUTEKA


Em conversa, no whatsapp, com meu kota Zuzé Lubanu, sobre a historicidade das comunidades angolanas, esse explicou que "entre 1985-86, quando esteve em Belgrado, desceu para Liubliana (hoje capital da Eslovênia) onde pôde conhecer, à distância, a casa familiar de um dos apóstolos de Cristo, em Trieste, norte de Itália, através de um observatório". Sendo amante do seu Kuteka, perguntava se "não seria tão bom [para a recomposição histórica] chegar ao Kuteka e encontrar as casas dos antigos habitantes, nossos ancestrais?
O assunto trouxe-me à memória outras estórias do mesmo período em que o mano Zuzé Lubanu viu Trieste por via de binóculo. Os meus primeiros anos de Luanda foram 1984-86. Foi nesse período que conheci os makotas Adão e Rufino que eram cunhados e Mizangala, vivendo na Rua de Ambaca, ao Kaputu. Hábeis em contornar becos, a fugir às rusgas dos PCU, os dois podiam sair do Cazenga ao São Paulo, só a andar pelos becos. Na travessia de uma rua, para se enfiar em outro beco, costumavam, antes, confirmar dos putos que encontravam a brincar se "os mwadyés da kanga não estavam por aí". E assim seguiam a suas rotas até proximidades do "prédio da fenú", mais tarde conhecido como "prédio dos Assuntos Sociais" ou, mais tarde ainda, como "prédio do Alpega".
De viagem em viagem, percorri mais uns metros até ao Zé Pirão, largo em que se cruzam duas "grandes" avenidas de então. A Avenida Brasil, vinda do Cazenga, e a rebaptizada Hô-Chi-Mim. O Zé Pirão era e é cidade pura e quem trabalhasse naquelas imediações já dizia "trabalho na baixa", embora não seja ainda cidade baixa que é Mutamba e cercanias.
 No Zé Pirão, começava uma linda calçada nos passeios, que fazia desfilar um calcário branco com recortes cinza ou negros da pedra huilana. Fiz-me a deslizar aquelas "pedras ornamentais" várias vezes, sempre que ia com o tio Nganga à casa do Governador do BNA, onde ele jardinava. Isso é, até à Mutamba e depois calcorreava uns metros da hoje Amílcar Cabral, a espreitar a Oliva de Angola.
 Ao que se diz, as calçadas em pedra são quase de "vida eterna", se bem colocadas e se não sofrerem intrusões de condutas rebentadas ou cabos eléctricos por remendar no subsolo. Hoje, o que os meus olhos mais vêem é cimento e blocos de cimento sobre os passeios. A pedra abundante é, ao que dizem, "sem clientes por cá" e nem nas calçadas a encontramos em maioria.
 
O que se passa então? A experiência do Largo 1° de Maio não pode ser replicada em quantidade e qualidade?
Reclamar das calçadas em pedra traz-me à memória outra reivindicação dos extractores de pedra ornamental.
 Ora porque os "clientes internos são poucos", ora porque "os materiais substitutivos ou alternativos são mais baratos e abocanham os clientes todos, sobretudo os com poucas posses". Ara xisa, pá!
Então custa muito incutir o gosto pela coisa nos coisos?
Custa dizer a todos os ventos que "o barato das peças quadriculadas que vêm da Ásia dura pouco e pode sair caro ao longo da vida, cada vez mais longa, que vamos tendo"?
 Custa tanto assim anunciar com as verdades que a ciência ensina e não com as mentiras do leva gato que se parece com lebre?
 E, já sem mais indagações, voltei à conversa com o mano Zuzé Lubanu, para concluir que se os nossos ancestrais tivessem usado pedra, cal e argila para as suas construções, elas estariam ainda aí intactas, contando a história na primeira pessoa, como em Trieste, Roma e Grécia.
 É uma pena que tenham, até os reis e notáveis, erguido casas de adobe e palhotas de pau-a-pique cobertas de capim. A chuva e os ventos levaram consigo a história que o primo Nelson Cabanga bem precisa de conhecer.
Foi uma pena!

Publicado no Jornal de Angola de 06.01.19 e republicado a 14.08.2022.